Defesanet 27 Maio 2005 |
"Quem controla o gás que a Petrobras
tira da Bolívia?"
Entrevista: Abel Mamani, líder dos protestos na Bolívia
RODRIGO LOPES
É de sua casa em El Alto, município vizinho a La Paz e considerado o berço de todas as crises da Bolívia, que Abel Mamani (foto), 37 anos, comanda os protestos que transformaram a capital boliviana em uma cidade sitiada esta semana. A seu favor, ele tem a geografia: é preciso passar por El Alto para se chegar ao aeroporto de La Paz ou alcançar o interior da Bolívia.
Desde segunda-feira, Mamani comanda as marchas por La Paz de um exército de pobres que exige a nacionalização da produção de gás e petróleo boliviano. A crise mergulhou o país em rumores de golpe - a ponto de despertar a preocupação do governo brasileiro, que enviou à Bolívia o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia.
Ontem, em entrevista por telefone a Zero Hora, Mamani questionou a atuação da Petrobras em seu país.
- Quem controla o gás que a Petrobras tira da Bolívia? - disse o dirigente da Federación de Juntas Vecinales da cidade de El Alto (Fejuve), uma espécie de associação de moradores de El Alto. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Zero Hora - Como está a situação em El Alto e em La Paz?
Abel Mamani - Na segunda-feira, começamos a paralisação. Ontem (quarta-feira), fizemos uma marcha até a Praça Murillo, onde está localizada a sede do governo e o parlamento. Tentamos ocupar esses prédios, mas não conseguimos. Estamos nos organizando para fazer uma ação mais contundente.
ZH - A paralisação continua?
Mamani - Ela não tem data para terminar. Vamos continuar, apesar do feriado de Corpus Christi. Amanhã (hoje), vamos voltar.
ZH - O que vocês exigem?
Mamani - Estamos pedindo que se cumpra a agenda de outubro: a volta dos hidrocarbonetos ao controle do governo boliviano, a instalação de uma Assembléia Constituinte, entre outras coisas. A população, não apenas de El Alto, mas de todo o país, está mobilizada.
ZH - Vocês querem que multinacionais de petróleo e gás, como a Petrobras, saiam da Bolívia?
Mamani - Os contratos firmados entre as empresas e o governo são ilegais. Segundo a Constituição, qualquer convênio relacionado a nossos recursos naturais deve ter o aval do Congresso. E isso não ocorreu. Esses contratos são contra os interesses bolivianos. Além disso, algumas multinacionais, como a Chaco, estão tirando gás do país, sem conhecimento do governo. O povo se pergunta: "Quem controla a quantidade de gás que a Petrobras tira da Bolívia e leva para o Brasil?" Também denunciamos que as empresas petrolíferas devem em impostos cerca de US$ 650 milhões. Por isso, queremos que o governo reassuma nossos recursos naturais.
ZH - Já é possível sair de El Alto e La Paz ou as estradas continuam bloqueadas?
Mamani - Não há marchas, mas o bloqueio continua em 25 pontos das estradas.
ZH - Vocês exigem a saída do presidente Carlos Mesa?
Mamani - Se Carlos Mesa for embora será simplesmente porque ele tem demonstrado incapacidade de governar. Ele não tem atendido aos interesses da população. Não acho que teremos de exigir que ele vá embora. Se ele deixar o poder, será porque não foi responsável com os interesses do país.
ZH - Vocês apóiam os dois militares que pediram a renúncia de Mesa?
Mamani - Buscamos melhores dias para os bolivianos, mas dentro de um Estado democrático.
ZH - O senhor se encontrou com o emissário do Brasil?
Mamani - Não.
ZH - O senhor aceitaria uma mediação brasileira para a crise?
Mamani - Temos fé em Lula. Ele é conhecido aqui, assim como Chávez (Hugo Chávez, presidente da Venezuela). Mas essa questão é um tema nacional. Qualquer intenção de encontrar uma solução para os problemas seria bem-vinda. Mas ninguém me procurou.
ZH - Vocês buscam inspiração em outros movimentos sociais da América Latina, como o MST brasileiro, ou os piqueteiros, da Argentina?
Mamani - Nossa instituição é totalmente civil. Queremos o que o povo boliviano quer: que o povo tenha a possibilidade de ser governo. Nesse sentido, creio que somos semelhantes.
ZH - Essa crise pode levar o país ao caos institucional?
Mamani - O povo vai defender a nossa democracia. Mas não vamos permitir que sigam saqueando nosso país. É preciso que se faça tudo de forma responsável, para que não haja uma convulsão social, o que serviria a interesses particulares.
Mamani - Fala-se que o presidente do Congresso estaria coordenando um golpe com os militares. Ontem (quarta-feira), houve rumores fortes. Um golpe só pioraria as coisas. As pessoas não vão aceitar.
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