* Manuel Cambeses Júnior
Transcorreram apenas quatorze anos desde a queda do Muro de Berlim e a ingênua e efêmera euforia dessa época converteu-se em um passado remoto. A "Nova Ordem Mundial", embasada na unipolaridade e na "Pax Americana", que despertou as ilusões de alguns e os temores de outros, encontra-se profundamente desgastada e esquecida, juntamente com os jornais da época da primeira Guerra do Golfo. Samuel Huntington, em um interessante artigo publicado na Revista Foreign Affairs intitulado: "A superpotência solitária", afirma que estamos vivendo um sistema internacional de transição, ou seja, um estranho híbrido a que ele batizou de "unimultipolar". Em sua ótica, o momento unipolar já expirou e, dentro de duas décadas ingressaremos em um verdadeiro sistema multipolar. Segundo Zbigniew Brzezinski, os Estados Unidos serão a primeira, última e única superpotência global. Nesse período transitório, esse país continuará sendo o único com preeminência em todas as dimensões do poder, em suas diversas expressões: política, econômica, social, ideológica, militar, tecnológica e cultural, com o alcance e a capacidade de promover os seus interesses, em nível global.
Entretanto, a solução dos problemas fundamentais do sistema requer, necessariamente, a ação conjunta da superpotência e de alguma combinação com outras grandes potências. Os Estados Unidos mantêm, no momento, o direito de veto nos assuntos de maior relevância internacional. Várias potências regionais estão fortalecendo suas posições em suas esferas de atuação geopolítica. A China e, potencialmente, o Japão, na Ásia Oriental; a União Européia, liderada, em minha opinião, pela Alemanha, ainda quando encontramos quem advogue a liderança de um condomínio franco-alemão. A Rússia, na Eurásia; a India, no Sul da Ásia; o Irã, na Ásia Sul-Ocidental; a África do Sul e a Nigéria, no continente africano e o Brasil, na América Latina.
Estamos, portanto, vivendo um período de transição e, como sói acontecer, toda mudança sempre implica em contradições e riscos. A globalização econômica e o cosmopolitismo cultural ocorrem, conjuntamente, com um extraordinário ressurgimento do medo e da desconfiança com o diferente, com o estranho e com o desconhecido . Assistimos ao retorno do tribalismo, dos etnicismos, da xenofobia, dos racismos e dos fundamentalismos religiosos. Estas forças desintegraram a União Soviética, pulverizaram a Iugoslávia, dividiram a Checoslováquia e converteram em Estados fracassados alguns países como Congo, Afeganistão, Libéria, Somália, Ruanda e Serra Leoa, entre outros. A Indonésia e vários países da Ásia Central correm o risco de cair no mesmo despenhadeiro. As forças da desagregação assolam, também, a países avançados como Canadá, Bélgica e Espanha. A América Latina, felizmente, até o presente momento, não tem sofrido, de forma avassaladora, a pressão dessas forças centrífugas, ainda que alguns Estados com grande proporção de populações indígenas descuram-se em prevenir-se contra potenciais explosões raciais e étnicas.
Estamos vivendo em um mundo perigoso, na qual a soberania, já bastante limitada, dos pequenos e médios Estados, vê-se cada vez mais ameaçada, não somente pela presença das grandes potências e pelas forças secessionistas mas, também, pelo crescente poder globalizado das máfias, da criminalidade organizada, dos grupos terroristas de cunho fundamentalista e pelas seitas apocalípticas. Para reduzir nossa vulnerabilidade frente a essas ameaças é necessário, em primeiro lugar, que nos fortaleçamos internacionalmente, aumentando a capacidade da sociedade e o potencial do Estado brasileiro. Isto implica, fundamentalmente, num verdadeiro Estado de Direito. Sem o império da lei, sem segurança jurídica, sem regras econômicas bastante claras e estáveis, não existirá criação de riqueza, somente distribuição desigual da miséria.
Certamente não haverá um projeto histórico mais ou menos autônomo para a América Latina, neste alvorecer do terceiro milênio, sem unidade e coesão dos Estados-Membros. Ademais, é urgente e necessário que transformemos a integração latino-americana em um imperativo geopolítico, se desejamos deixar de ser considerados exóticos e marginais espectadores no cenário internacional.
Nenhum comentário:
Postar um comentário