Por prof. Zelão (*)
Os atentados terroristas ocorridos em 11 de setembro nos EUA, pelas suas proporções e pela forma como foi exibido, interferiram no cotidiano dos incautos viventes da aldeia global capitalista. A ousadia dos autores maculando dois dos grandes símbolos desse sistema (o WTC como símbolo do poder econômico, a “babel econômica”; o Pentágono, como símbolo da inteligência militar da maior potência do planeta), e a força das imagens transmitidas consecutivamente nos lares do mundo globalizado, alimentando nossa iconofilia, levaram o mundo a refletir sobre questões antes inimaginadas numa roda de bar, no playground de um condomínio, em noticiários de qualidade duvidosa e até mesmo, numa sala de aula: o que aconteceu com a casa da maior potência do planeta? Quem teria cometido essa insanidade? Foram terroristas islâmicos, japoneses ou mesmo, norte americanos? Como foi possível driblar o (até então) “indriblável” sistema de vigilância dos EUA? Quando as investigações apontaram para bin Laden, para o fundamentalismo islâmico, o desconhecimento do Ocidente fez emergir curiosidades sobre o Oriente Médio, o mundo árabe, a cultura islâmica. Todos os árabes são terroristas? Taliban, hezbolah, xiitas, muçulmanos, islâmicos, quem são esses? Palestina, Israel, judeus, hebreus, como entender a complexa história desses povos? E o que tudo isso tem haver com os EUA, propagados como a ”polícia do planeta”, o defensor do bem contra o mal? Abrimos aqui uma interface nesse universo de questões para analisar alguns aspectos do terrorismo como fruto da miséria e do fanatismo nesse contexto da atual fase do capitalismo. A Nova Ordem Mundial nos revela a cada instante questões intestinas da ordem capitalista que perpetuam mazelas sociais existentes desde o surgimento da sociedade de classes. Mais que isso, o atual momento do capitalismo agrava diferenças de todas as ordens. A grande matriz das inúmeras formas de segregação é a profundeza abissal existente entre a riqueza e a pobreza. Na Nova Ordem Mundial esse é o critério de classificação dos países, suplantando a bipolarização ideológica que definia a Guerra Fria de 45 a 89. A decantada Globalização definida como “caminho e estágio natural do capitalismo”, apregoada pelos otimistas como integradora de povos, culturas e economias,” demonstra suas facetas desintegradoras, apesar da teia envolvente da aldeia global. A globalização como característica essencial da Nova Ordem, ao contrário de superar as diferenças entra riqueza e pobreza, perpetua a concentração de poder e riqueza – é claro que com um mapa modificado –, mostrando-se cada vez mais fragmentada e fragmentária. Ao analisarmos os atentados contra os norte-americanos (certamente o marco histórico do início do século XXI – seria o início da Novíssima Ordem Mundial?) devemos entendê-los como resultado daquele contexto. Principalmente se atribuirmos sua autoria ao fundamentalismo islâmico como vem apontando as investigações. O que teria motivado pessoas a atingirem esse alto grau de desprendimento dos conceitos básicos de civilização, essa recusa total à condição de civilidade? Além de terem os EUA como o grande satã, representante das forças do mal, aliados de Israel e dos judeus na Palestina, há a péssima condição de vida a que estão submetidos seus seguidores. Essa questão, em especial, nos remete a uma rápida análise do terrorismo nos últimos cinqüenta anos. No passado, o terrorismo buscava plataforma para o discurso da ideologia pretendida. Matar não era necessariamente o fim pretendido. Havia a intenção de atrair simpatizantes para a causa, podendo haver mortes; criava o fato político e fazia questão de assumir a autoria da ação. O terrorismo atual e, em especial o dos fundamentalistas islâmicos, não pretendem atrair adeptos para uma causa, não querem simpatizantes, mas sim, somente a vitória de sua crença. Sem admitir qualquer ideologia contemporânea, pretendem demonstrar o poder e a força do universo teocêntrico, forjado no radicalismo religioso de interpretações próprias do Corão. Tanto o fundamentalismo islâmico, quanto a maioria dos grupos terroristas da atualidade tem seu motor na pobreza material. Apesar do financiamento promovido por fontes abastadas, os terroristas (suicidas ou não) são fruto da “escória”, depauperada em último grau, que sobrevive, incomoda e apavora a ordem global capitalista. São filhos bastardos e renegados do capitalismo e do socialismo da Velha Ordem Mundial. Mantidos por máfias de ricos empresários (Jihad Islâmica) ou por máfias do narcotráfico (PKK, na Turquia, Sendero Luminoso e Tupac Amaru, no Peru), são indivíduos que se mantêm na ausência de condições que garantam o mínimo de dignidade para a vida. Essa condição social manipulada e bem trabalhada por interpretações não oficiais das escrituras sagradas, mobilizam exércitos de despossuídos para a luta contra aquilo que julgam ser o entrave para a mudança de vida, de superação da condição de miséria. Sob promessas e bênçãos divinas para o pós-morte (e no caso da Jihad Islâmica, sob a premiação com dólares e outras condecorações para a família do terrorista suicida) partem rumo ao inimigo, utilizando sua arma mais poderosa e letal: a disposição para morrer. Nessa luta nada têm a perder. O terrorismo moderno portanto, não preserva vidas e pouco se preocupa com a opinião sobre sua forma de ação. A violência extremada e indiscriminada é o recado. De volta ao universo de questões que vêm sendo levantadas sobre os atentados terroristas aos EUA, destaco uma que venho me deparando em diversas turmas com as quais trabalho: a comparação entre a mobilização dos fundamentalistas islâmicos na atualidade à dos movimentos messiânicos ocorridos na República Velha brasileira (1889/1930).Tem sido comum a tentativa de se estabelecer paralelo entre Canudos, no Brasil e os fundamentalistas, no Oriente Médio e em diversas outras regiões do globo. A razão ao que parece, está no fato de terem em comum como protagonistas, comunidades depauperadas lideradas por religiosos. Há que se tomar cuidado quanto a comparações dessa natureza. São casos com especificidades muito diferentes, ocorridos e ocorrentes em contextos históricos profundamente diferentes; as bandeiras levantadas, os “projetos”, expectativas e objetivos são adversos. O que pode parecer semelhante é a mobilização de pessoas despossuídas de condições de sobrevivência, e portanto de cidadania, por lideranças religiosas que desenvolvem interpretações ímpares de suas escrituras. È a miséria utilizada como arregimentadora de párias sem perspectivas, fragilizados e subnutridos de dignidade. A via utilizada é o poderoso misticismo teocêntrico, que os envolve num denso nevoeiro mesclando política e religião, transformando-os em fiéis de coragem espartana para a guerra. Dentre os aspectos que os difere observamos os dogmas do cristianismo para os sertanejos nordestinos de Canudos e os do islamismo para os fundamentalistas de diferentes regiões do mundo. No primeiro conjunto destacamos a pobreza como virtude. No segundo, não. A pobreza é algo a ser superado e evitado. Os canudenses e, mais tarde, os rebeldes do Contestado, no Sul do Brasil, além de se mobilizarem em torno de ideais milenaristas e escatológicos pregados por beatos (rejeitados pelo clero) , lutavam contra a opressão dos latifundiários no início da república que em nada haviam contribuído para a superação da condição de miserabilidade do camponês brasileiro. Os fundamentalistas islâmicos consideram que o mundo de Alá (o Islã) está sendo agredido e aviltado pelas forças do mal através do grande satã, os EUA que representam o Ocidente e apóiam Israel na Palestina. Enquanto Antonio Conselheiro liderava os sertanejos num modelo comunitarista primitivo no arraial de Canudos, sertão da Bahia, aguardando o retorno de D. Sebastião, monarca português que ressuscitado do além os governaria no novo reino, os fundamentalistas atuam para fazer valer a força do Islã em todo o mundo, lutando contra Israel, EUA e Ocidente de maneira geral, ou quem quer que cruze os caminhos de Alá onde quer que seja. O povo de Canudos constituiu-se num grande exército de guerrilheiros para enfrentar os latifundiários donos do Estado republicano que não tinhas vistas ao campesinato. A ação dos fundamentalistas islâmicos, além de guerrilhas, constitui-se de ações terroristas promovidas por suicidas altamente treinados para morrer por Alá. Portanto, há muito mais desemelhanças entre as duas formas de luta do que se imagina numa primeira leitura. Entretanto, as analogias devem ser praticadas no sentido de construção do conhecimento histórico, fazendo emergir as especificidades dos contextos em questão e, assim, o movimento dinâmico e dialético da História. Finalizamos essa análise afirmando que enquanto houver a manutenção da miséria como geradora da riqueza, viveremos sob um constante estado de sítio, calado, sombrio, estado de terror opressivo. Não pensemos que seja “condição da natureza humana” a exploração do outro. Esse determinismo justificador do controle do poder e da riqueza por um seleto grupo ou blocos, vigora para manter a segregação em detrimento de uma população supra-nacional, globalizada (para nos apropiarmos de uma terminologia em conformidade com a Nova Ordem), desprovida de condições mínimas de humanidade.A “Novíssima Ordem” até agora não demonstrou sinais que possam reverter esse quadro, ao que parece, nem mesmo após os atentados de dimensões assustadoras como os de setembro nos EUA. Pensemos e atuemos solidários à construção de perspectivas que, se não transformarem, ao menos amenizem a dicotomia entre a abundância e a penúria, o terrorismo que subjuga a todos.
(*) Prof. Zelão é historiador e psicopedagogo
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