quarta-feira, janeiro 04, 2006

O Protocolo de Kyoto Está Morto?
O Meio e o HomemNelson Bacic Olic

Enchentes no Sertão nordestino (janeiro/fevereiro de 2004); grande parte da Europa com temperaturas ultrapassando as marcas de 40º C (julho/agosto de 2003); as neves do Monte Kilimanjaro, no Quênia, tema de livros e filmes, prestes a desaparecer; geleiras da Antártida encolhendo.Evidências científicas indicam que houve um aumento de 0,5º C na temperatura média do planeta desde 1975. As médias térmicas nos últimos 30 anos são as maiores do milênio. Desde 1990, já são sete os anos que figuram entre os mais quentes desde que se fazem registros térmicos sistemáticos. O aquecimento global é uma realidade e já afeta, direta e indiretamente, populações de todos os recantos do planeta.Duas correntes oferecem explicações distintas para o aquecimento global. Uma sustenta que o fenômeno é causado fundamentalmente por causas naturais ligadas às oscilações climáticas da história geológica do planeta. A outra, com número crescente de adeptos, sustenta que a causa principal do fenômeno é antropogênica.A contribuição das atividades humanas para a emissão de gases causadores do efeito estufa, especialmente o dióxido de carbono, está mais que comprovada. Se as atividades primárias e os desmatamentos geram importantes quantidades de CO2, sabe-se que cerca de 60% do total das emissões de “gases de estufa” originam-se da queima de combustíveis fósseis, especialmente o petróleo e carvão. O PIB, o patamar de industrialização e a matriz energética explicam o nível das emissões dos países (veja o gráfico 1).Até quatro anos atrás, as previsões indicavam um aumento entre 1º C e 3,5º C nas temperaturas médias globais durante o século XXI. Todavia, novas pesquisas sugerem aumento bem maior: 1,4º C, na hipótese otimista, e 5,6º C, na hipótese pessimista (veja o gráfico 2). Entre as conseqüências, encontram-se inundações catastróficas em algumas áreas, secas terríveis em outras, derretimento sem precedentes das geleiras e uma elevação do nível médio dos oceanos de 0,5 a um metro (veja o gráfico 3).O aquecimento global ingressou na esfera das relações internacionais na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (ECO-92) realizada no Rio de Janeiro. Ali, foi assinada por 155 países a Convenção Sobre Mudanças Climáticas Globais, que comprometeu os signatários a registrar, no ano 2000, emissões máximas de “gases de estufa” iguais às de 1990. Entretanto, os compromissos firmados não tinham caráter compulsório.O não cumprimento dos compromissos de congelamento das emissões, especialmente por parte dos Estados Unidos, e novos registros alarmantes sobre o aquecimento global conduziram a um novo tratado sobre o clima. O Protocolo de Kyoto, firmado em 1997, fixou a meta de redução de 5% sobre os níveis de emissões de 1990, a ser alcançada entre 2008 e 2012. O compromisso de redução compulsória tem metas diferenciadas por países e não abrange os países em desenvolvimento. Além disso, o Protocolo de Kyoto criou um sistema de comércio de créditos de emissões. Os países com reduções de emissões superiores a 5% podem vender direitos de emissões como títulos financeiros para países incapazes de atingir a meta.Para que o Protocolo de Kyoto entre legalmente em vigor é preciso que seja ratificado por pelo menos 55 dos países signatários, representando um mínimo de 55% do total das emissões sujeitas a redução compulsória. Atualmente, isso parece difícil pois os Estados Unidos abandonaram o tratado e a Rússia vacila sobre a ratificação. A hiperpotência é, de longe, o maior emissor de “gases de estufa” enquanto a Rússia ocupa o terceiro lugar (veja o gráfico 4).A ONU estima que o nível das emissões globais de “gases de estufa” aumentará 10% até 2010. A estimativa indica uma reversão da tendência verificada na década de 1990, quando os países industrializados conseguiram redução de 3% em suas emissões. Contudo, a diminuição das emissões não derivou dos tratados sobre o clima mas, fundamentalmente, da violenta retração econômica experimentada pela União Soviética e pelos países do leste europeu após a desintegração do “império vermelho”.A União Européia ratificou o Protocolo de Kyoto, anuncia que reduzirá as suas emissões em 8% até 2012 e desenvolve estudos sobre novas tecnologias “redutoras”. De fato, até agora, só reduziu as emissões em 0,5%. Para complicar, há divergências internas. Grã-Bretanha e Espanha, temendo perder competitividade, solicitam novas discussões a respeito da meta de redução das emissões. Por outro lado, a Noruega, que criou taxas sobre emissões, e a Holanda, que definiu limites anuais de emissões por setores econômicos, parecem caminhar mais tranqüilamente para o cumprimento das metas.Do outro lado do Atlântico, avolumam-se as vozes que pedem uma atitude mais construtiva de Washington. Um relatório de especialistas, dirigido ao Pentágono, sinaliza as conseqüências geopolíticas das mudanças climáticas. A conservadora revista Fortune escreveu que “o clima poderá tornar-se a mãe de todas as questões relacionadas com a segurança nacional”, ameaçando a própria estabilidade do país. No Departamento de Energia, circulam esboços de um megaprojeto destinado a injetar emissões de CO2 no interior de poços de petróleo desativados, que seriam depois tampados. Os idealizadores do projeto dão de ombros para as críticas dos grupos ambientalistas e proclamam a possibilidade de estocar nesses “buracos” todas as emissões deste século.Mesmo na hipótese improvável de que os Estados Unidos adotem medidas severas contra os “gases de estufa”, as emissões globais dificilmente serão reduzidas. Isso porque a expansão econômica de gigantes demográficos com expressiva industrialização – como China, Índia, Indonésia, Brasil e México – implica aumento da demanda energética e da queima de combustíveis fósseis. Temendo pressões pelo congelamento futuro das emissões, a China e a Índia não parecem dispostas a promover a ratificação nacional do Protocolo de Kyoto.

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