segunda-feira, setembro 30, 2013

Fronteiras amazônicas no século XXI


“Para a sociedade brasileira a fronteira é o espaço de projeção para o futuro. Em nível regional/local o rebatimento dessas percepções e ações derivadas, somado às demandas sociais, se expressa numa dinâmica territorial de grande velocidade de transformação e numa nova geografia amazônica. A coexistência conflitiva de projetos que envolvem ônus sociais e ambientais com projetos alternativos, de diferentes espaços-tempo, de estratégias de desenvolvimento, de processos de integração com a afirmação da soberania, são alguns dos desafios a enfrentar que atribuem à Amazônia o caráter de fronteira experimental de um novo padrão de desenvolvimento.
A complexidade de dimensões humanas nas mudanças ambientais globais implica reconhecer interesses diversos na percepção do problema, entre eles os interesses científicos – na investigação do papel dos homens na transformação da Natureza assim como no impacto dessa transformação sobre a sociedade – e os geopolíticos no controle do capital natural associados a interesses econômicos de conquista/defesa de mercados que se formam para novos elementos da Natureza.
As teses da Karl Polanyi – jornalista e intelectual húngaro sobre a economia de mercado, as mercadorias fictícias e seu impacto social e ambiental – merecem ser resgatadas. Já em 1944 ele assinalava a transformação da terra em mercadoria. Hoje, trata-se também do ar, da vida e da água. A comercialização do trabalho, da terra e do dinheiro, inexiste no mercantilismo, tornou-se precondição da economia de mercado que emergiu no século XIX com a industrialização, subordinando a sociedade, de alguma forma, às suas exigências.
Acontece que trabalho, terra e dinheiro não são mercadorias, ou seja, objetos produzidos para a venda no mercado. Trabalho é apenas outro nome para a atividade humana que acompanha a própria vida, que não é produzida para a venda e não pode ser armazenada. Terra é apenas outro nome para a Natureza, que não é produzida pelo homem. O dinheiro é apenas um símbolo do poder de compra e, como regra, não é produzido, mas adquire vida através de mecanismos de bancos e financeiras. Não obstante, foi com a ajuda dessa ficção que se organizaram os mercados reais de trabalho, terra e dinheiro. A ficção de que são produzidos para a venda tornou--se o princípio organizador da sociedade, alterando sua própria organização. Esses processos geraram, lentamente, a consciência de que os limites às possibilidades humanas provêm não das leis de mercado, mas da própria sociedade.
Hoje se dilata a esfera das mercadorias, incluindo as fictícias, que criam mercadorias reais através de sua institucionalização. É o que se verifica com a tentativa de implementar formas de governabilidade global sobre o ambiente planetário, mediante o estabelecimento de regras ambientais globais, sistemas de ‘normas e regras especificadas por um instrumento multilateral legal entre Estados para regular ações nacionais numa dada questão’. Vale a pena lembrar que, à sociedade, cabe estabelecer os limites à ação do mercado sobre a Natureza. Entre os temas ambientais atualmente objetos de regulações globais destacam-se a Convenção sobre Mudança Climática e a Convenção sobre a Diversidade Biológica, que tendem transformar o
ar e a vida em mercadoria fictícia.”
BECKER, Bertha. Fronteiras amazônicas no século XXI. In: Scientific American Brasil. Amazônia: destinos. São Paulo: Duetto Editorial, 2008. p. 92-98.