quinta-feira, junho 24, 2010

Robert Fisk: Quem pode deter Israel

 

publicada quinta-feira, 24/06/2010 às 10:42 e atualizada quinta-feira, 24/06/2010 às 10:28

Por Juliana Sada

do site “Outras Palavras

Quem pode deter Israel

Por Robert Fisk, no The Independent | Tradução: Caia Fittipaldi, de Vila Vudu

Israel perdeu? As guerras de Gaza em 2008-09 (com 1,3 mil mortos) e do Líbano, em 2006 (com 1.006 mortos); todas as outras guerras; e, agora, a matança da madrugada de segunda-feira significam que o mundo decidiu rejeitar os atos de Tel Aviv? Não se deve esperar tanto. Mas algo novo certamente aconteceu.

Basta ler a desfibrada declaração da Casa Branca – segundo a qual o governo Obama estaria “trabalhando para entender as circunstâncias que cercam a tragédia”. Condenação? Nem uma palavra. E pronto. Nove mortos. Mais uma estatística, na matança no Oriente Médio.

Não: não é só mais uma estatística.

Em 1948, nossos políticos – norte-americanos e britânicos – estabeleceram uma ponte aérea para abastecer Berlim. Uma população faminta (nossos inimigos, havia apenas três anos) estava cercados por um exército brutal, os russos, que havia sitiado a cidade. O levante do cerco de Berlim foi um dos momentos altos da Guerra Fria. Nossos soldados e aviadores arriscaram e deram a vida por aqueles alemães mortos de fome.

Parece incrível, não é? Naqueles dias, nossos políticos decidiam; muitas vezes decidiram salvar vidas. O primeiro-ministro bitânico, Clement Attlee, e o presidente dos EUA, Harry Truman, sabiam que Berlim importava, tanto em termos morais e humanos quanto em termos políticos.

Hoje é gente comum quem decide viajar até Gaza. Europeus, norte-americanos, sobreviventes do Holocausto. Viajaram porque seus políticos e governantes os abandonaram. Falharam. Fracassaram.

Onde estavam os políticos e governantes na madrugada da segunda-feira? OK, ok, apareceram o ridículo Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU, a declaração patética da Casa Branca e o caríssimo Tony Blair, com cara de “profunda lástima e choque ante a tragédia de tantas mortes”. Mas… E o premiê britânico, James Cameron? E o ministro Nick Clegg, seu pareceiro de coligação?

Em 1948, claro, teriam ignorado os palestinos, não resta dúvida. Há aí, afinal, uma terrível ironia: o levante do cerco de Berlim coincidiu exatamente com a destruição da Palestina árabe.

Mas é fato irrecusável de que a multidão — gente comum, ativistas, deem-lhes o nome que quiserem — é hoje quem toma as decisões que mudam o curso dos acontecimentos. Nossos políticos são desfibrados, sem espinha dorsal, covardes demais, para decidir as decisões que salvam vidas. Por que? Como chegamos a isso? Por que, ontem, não se ouviu palavra saída da boca de Cameron e Clegg (dentre outros, claro)?

Claro, também, sim, que se fossem outros europeus (ora essa! Os turcos são europeus, não são?) os metralhados naqueles barcos, por outro exército árabe (ora essa! O exército de Israel é exército árabe!), então, sim, haveria ondas e ondas de indignação e ultraje.

E o que tudo isso diz sobre Israel? A Turquia não é aliada muito próxima de Israel? E, de Israel, os turcos recebem o que receberam? Hoje, o único aliado que restava a Israel, no mundo muçulmano, fala de “massacre” – e Israel parece não dar qualquer importância ao que diga a Turquia.

Israel tampouco deu qualquer importância quando Londres e Canberra expulsaram os diplomatas israelenses, depois de Israel forjar passaportes britânicos e australianos, para, com eles, perpetrar o assassinato do comandante Mahmoud al-Mabhouh do Hamas. Tampouco deu qualquer importância aos EUA e ao mundo, quando anunciaram a construção de novas colônias exclusivas para judeus em terra ocupada em Jerusalém Leste, durante visita de Joe Biden, vice-presidente dos EUA, aliado-supremo de Israel. Se Israel não deu qualquer importância a esses aliados, por que daria alguma importância a alguém, hoje?

Como chegamos a esse ponto? Talvez porque já nos tenhamos habituado a ver israelenses matando árabes; talvez os próprios israelenses tenham-se viciado em matar árabes, até cansarem. Agora, matam turcos. E europeus.

Alguma coisa mudou no Oriente Médio, nas últimas 24 horas – e os israelenses, se se considera a resposta política extraordinariamente estúpida, pós-matança, não dão qualquer sinal de ter percebido a mudança. O que mudou é que o mundo, afinal, cansou-se das matanças israelenses. Só os políticos ocidentais não têm o que dizer, hoje. Só eles estão calados.

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terça-feira, junho 22, 2010

Altamiro Borges: EUA conspiram ativamente na América Latina

 

publicada terça-feira, 22/06/2010 às 07:37 e atualizada terça-feira, 22/06/2010 às 08:39

Por Juliana Sada

do “Blog do Miro“, por Altamiro Borges

Para os que acham que a crítica às ações expansionistas dos EUA é coisa de “esquerdistas com mentalidade conspirativa”, sugiro a leitura do livro “Legado de cinzas: uma história da CIA”, publicado pelo jornalista estadunidense Tim Weiner em 2008. Já para os que se iludiram com a eleição de Barack Obama, sonhando que ela poderia aplacar a gula imperialista, indico a leitura dos artigos da escritora estadunidense-venezuelana Eva Golinger, uma atenta pesquisadora dos documentos desclassificados das várias “agências de ajuda” ianques.

No seu mais recente artigo, ela comprova que os EUA continuam bastante ativos na montagem de rede de conspiradores pelo mundo. “Durante o último ano, distintas agências de Washington têm financiado, promovido e organizado grupos de jovens e estudantes na Venezuela, Irã e Cuba, para criar movimentos de oposição contra seus governos. Os três países, considerados ‘inimigos’ pelo governo estadunidense, têm sido vítimas do incremento de agressões de Washington, que busca provocar mudanças de ‘regime’ favoráveis aos seus interesses”.
Recursos milionários das “agências”

Na semana passada, um dos líderes da oposição anti-chavista, Roderick Navarro, presidente da Federação de Centros Universitários da Universidade Central da Venezuela, esteve em Miami para organizar “uma rede internacional, que inclua estudantes do Irã e Cuba, para que o mundo saiba das violações dos direitos humanos em nossos países”, segundo confessou à imprensa. A sua principal visita foi Diretório Democrático Cubano, organização de gusanos cubanos que é financiada pela USAID e pela NED, duas das mais ativas agências imperialistas dos EUA.

“Desde 2005, Washington está reorientando recursos através da NED e da USAID para o setor estudantil da Venezuela. Dos 15 milhões de dólares invertidos e canalizados por estas agências neste país, mais de 32% são dirigidos a organizações ‘juvenis’. Seu programa principal está direcionado à ‘capacitação no uso de novas tecnologias e de redes sociais para se organizar de maneira política’, segundo afirmam os próprios informes da USAID”, denuncia Golinger.

Ingerência agressiva no continente

A escritora afirma que Barack Obama não só manteve estes planos ilegais de ingerência, como intensificou as ações. “Em agosto de 2009, Washington começou uma ofensiva mundial usando estudantes venezuelanos como porta-vozes da oposição. De agosto a setembro, o Departamento de Estado organizou a visita de oito jovens aos EUA para denunciar o governo Chávez e para estreitar os vínculos com jovens estadunidenses. Os oito foram selecionados pelo Departamento de Estado como parte do programa ‘A democracia para os jovens líderes políticos’”.

“Os jovens venezuelanos, pagos e acompanhados pelo Departamento de Estado durante a visita, deram declarações à imprensa tentando desacreditar o governo Chávez. Justamente depois desta visita, foi organizada uma manifestação através do Facebook, intitulada “No más Chávez”, que incitou o magnicídio [assassinato] de Chávez… Um mês depois, em outubro de 2009, a Cidade do México sediou o segundo encontro da Aliança de Movimentos Juvenis (AYM). Patrocinado pelo Departamento de Estado, o evento contou com a participação de Hillary Clinton” e de vários direitistas da América Latina – incluindo do Brasil, que não teve o seu nome revelado.

Investindo pesado na internet

Além dos debates políticos, com palestras de agentes do Instituto Republicano Internacional, do Banco Mundial e do Departamento Estado, os presentes tiveram vários cursos de “capacitação e formação” em Twitter, Facebook, MySpace, Flicker e Youtube. O império estadunidense tem investido pesado na utilização destas ferramentas da internet. Segundo a AYM, entidade criada em 2008, o uso destas “técnicas mais modernas tem resultado em coisas assombrosas”. Ela se jacta de várias manifestações direitistas organizadas através da internet.

Como alerta Eva Golinger, “as novas tecnologias – Twitter, Facebook, Youtube e outros – são suas principais armas nesta nova estratégia, e os meios tradicionais, como a CNN e as afiliadas, exageram o impacto real destes movimentos, promovendo opiniões falsas e distorcidas”. Para a escritora, o objetivo é criar uma “ciber-dissidência”, que desestabilize governos progressistas, apropriando-se de bandeiras como as da “liberdade de expressão e dos direitos humanos”.

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domingo, junho 20, 2010

Merkel quer radicalizar arrocho a europeus para locupletar bancos

Premiê Merkel anunciou o maior programa de cortes desde a II Guerra Mundial para repassar bilhões de euros do Tesouro aos bancos privados em crise
A primeira-ministra alemã, Angela Merkel, que enterrou 50 bilhões de euros na “salvação” do banco Hypo Real State e agora em maio mais 10 bilhões de euros; injetou 8,2 bilhões de euros no arrombado Commerzbank, o segundo maior do país, além de 15 bilhões em garantias; e escorou com 3 bilhões o combalido Banco Industrial Alemão – o que só é parte da derrama -, passou agora a dar aulas de “austeridade” à Europa, anunciando o maior arrocho no país desde a II Guerra Mundial. Também arrancou do presidente francês Nicholas Sarkozy, com quem se reuniu na segunda-feira dia 14, que o país da União Europeia que violar os 3% de déficit fiscal e os 60% do PIB de dívida pública – os números mágicos de Helmut Kohl - terá seu voto cassado.
Trata-se, insistiu Merkel, de “dar o exemplo à Europa” – apesar de, no momento, se aplicada a exigência, nem mesmo eles poderiam votar. São 80 bilhões de euros de arrocho até 2014, subtraídos do seguro-desemprego, das aposentadorias e até do auxílio-maternidade, entre outros setores, e através de medidas como a demissão de 15.000 servidores públicos. Aumento de 2,5% para os servidores públicos, já conquistado anteriormente, para vigorar em 2011, seria surrupiado. Aos bancos alemães pendurados na “dívida soberana” da Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália – além de o leste europeu e outras plagas -, tudo. À população, a “austeridade”, o aperto de cinto e a “vida pelos próprios meios”, como gosta de encenar.
NO CABIDE
Segundo o órgão regulador alemão BaFin (dados de março/2010), os bancos alemães estão pendurados em 522,4 bilhões de euros na Espanha, Itália, Portugal, Irlanda e Grécia – o que de acordo com o mesmo relatório é “cerca de 20% do total devido a bancos alemães por países estrangeiros” (o que dá mais de 1 trilhão de euros de exposição). Conforme essa mesma fonte, bancos alemães são “os principais credores na Espanha e na Irlanda, e os segundos mais importantes na Itália”. Os bancos franceses não estão em situação diferente; são, por exemplo, os maiores credores na Grécia.
Com seis meses de ataque especulativo contra o euro, a reunião Merkel-Sarkozy se deu em meio à boataria sobre iminente colapso da Espanha, após notas em dois jornais alemães e um jornal financeiro espanhol, e declaração do presidente do segundo maior banco espanhol (BBVA), Francisco Gonzalez, de que os “mercados internacionais de capital” não estavam mais dando crédito “à maioria das empresas e bancos espanhóis”. Rumores desmentidos quase em desespero pelo primeiro-ministro José Luis Rodríguez Zapatero, e negados ainda pelo FMI e pelo Banco Central Europeu, mas reforçados a cada novo detalhe sobre o plano de arrocho.
ESPANHA
Os cortes de 50 bilhões de euros de janeiro foram ampliados por Zapatero em US$ 15 bilhões. A título de “reduzir o desemprego”- de 20% -, o governo espanhol tornou mais fácil demitir, ao reduzir os encargos sobre as demissões. Também são atacados salários, pensões e programas sociais. Esse arrocho foi aprovado com maioria de apenas um voto no parlamento. Nos demais países europeus, a cena se repete. Sarkozy tenta descarregar o aumento da idade mínima de aposentadoria, em dois anos, para 62 anos. Já a idade mínima para aposentadoria dos que não atingiram o tempo de contribuição exigido passará de 65 para 67 anos. A Grécia já raspou o tacho, e Portugal está sob ameaça de cair no mesmo desvão.
A “Der Spiegel” registrou a reunião como “toda sorrisos”, para acrescentar “cada vez mais forçados”. Há necessidade de um “governo econômico europeu forte”, concordaram Merkel e Sarkozy, para discordar no resto. O presidente francês quer priorizar a “coordenação” dos 16 países da zona do euro – antes que o euro acabe; e Frau Merkel, que chamou o FMI para impalar a Grécia, quer um mecanismo dos “27 países”. Ele teria dito à “kanzler” que o socorro à Grécia – entenda-se aos bancos – teria custado em fevereiro 15 bilhões de euros e agora já custa 1 trilhão.
Isso nos palácios. Nas ruas, onde a questão será decidida, a tensão se intensifica - e o repúdio ao arrocho e ao favorecimento dos banksters. Na semana passada, foi a vez de Merkel aturar manifestações em Berlim e Stuttgart, com dezenas de milhares. Pela Europa inteira, com greves e manifestações a população vai se erguendo contra o arrocho, a devastação e a supressão da soberania.
ANTONIO PIMENTA – Hora Do Povo -2873

terça-feira, junho 15, 2010

Premiê britânico desculpa-se por massacre de católicos irlandeses em 1972

 

David Cameron: 'Bloody Sunday foi injustificado e injustificável'

David Cameron: 'Bloody Sunday foi injustificado e injustificável'

O "Bloody Sunday" acirrou o conflito entre católicos e protestantes na Grã-Bretanha. Somente em 1998 Londres ordenou processo detalhado, em nome do processo de paz no país. Resultado está em relatório de 5 mil páginas.

O primeiro-ministro britânico, David Cameron, desculpou-se publicamente nesta terça-feira (15/06) pelo massacre conhecido como "Bloody Sunday" (Domingo sangrento). Por ocasião da divulgação do longamente esperado relatório, Cameron desculpou-se: "Em nome do governo, eu lamento profundamente".

"Bloody Sunday"

Em 30 de janeiro de 1972, durante uma passeata pelos direitos civis na cidade norte-irlandesa de Londonderry, para-quedistas das Forças Armadas britânicas dispararam contra um grupo de manifestantes católicos desarmados, matando 13 deles. Um 14º morreu devido aos ferimentos, meses depois.

Londonderry em 30/01/1972Londonderry em 30/01/1972

Em consequência, acirrou-se o conflito entre católicos e protestantes no país, com a ocorrência de diversos atentados terroristas do Exército Republicano Irlandês (IRA) nos meses seguintes, em represália. Todos os anos ocorre na cidade palco do massacre uma passeata em memória às vítimas. Por motivos políticos, os norte-irlandeses católicos retiraram o "London" do nome da cidade, denominado-a apenas "Derry".

Até então, a tragédia não teve quaisquer consequências jurídicas para os soldados responsáveis. Pouco depois do "Domingo sangrento", uma comissão convocada por Londres concluiu que os soldados haviam agido em legítima defesa. Um tribunal inglês igualmente definiu o ocorrido como ato de defesa dos militares de elite contra terroristas irlandeses.

Em 1998, o então premiê britânico Tony Blair decretou a abertura de um novo processo, em apoio ao processo de paz na Irlanda do Norte. Familiares das vítimas e o governo apresentaram novos indícios e iniciaram-se os primeiros inquéritos públicos com o fim de investigar detalhadamente os fatos.

Justiça custosa

O processo, em que foram ouvidas cerca de 900 pessoas, consumiu 12 anos e o equivalente a 230 milhões de euros. Ao anunciar o relatório conclusivo de 5 mil páginas, nesta terça-feira em Londres, o premiê David Cameron observou: "Não há dúvida, o que aconteceu no 'Bloody Sunday' foi injustificado e injustificável. Foi errado". Ele ressaltou que nenhuma das vítimas estava armada e que os soldados não fizeram qualquer advertência antes de abrir fogo.

Soldado britânico detém manifestante católico no 'domingo sangrento'Soldado britânico detém manifestante católico no 'domingo sangrento'

Havia temores de que o relatório reabrisse velhas feridas. Porém em Londonderry, segunda maior cidade da Irlanda do Norte, sua divulgação foi saudada pelos familiares das vítimas, ao lado de milhares de outros irlandeses.

O vice-premiê norte-irlandês Martin McGuinness disse não acreditar que o relatório reabra feridas. Na época do massacre, ele era o segundo comandante do grupo militante católico IRA em Londonderry. "Minha esperança é que esta seja uma exposição muito clara do terrível ato cometido naquele dia pelo Estado e pelas Forças Armadas britânicas. E que ela contribua para que nunca, nunca mais vejamos atos como esse, em nenhuma comunidade."

Em contrapartida, o partido DUP (Democratic Unionist Party), basicamente protestante e liderado pelo premiê norte-irlandês Peter Robinson, criticou o inquérito por criar uma "hierarquia das vítimas": "Mais de 3.500 pessoas foram mortas durante 'The Troubles' [período de conflitos sangrentos em torno do status constitucional da Irlanda, do final de 1960 até 1998], e há centenas de casos não resolvidos, aqui mesmo. E aí vemos centenas de milhões de libras serem gastas para investigar menos de duas dezenas dessas mortes".

AV/afp/rtr/dpa
Revisão: Roselaine Wandscheer

http://www.dw-world.de/dw/article/0,,5687584,00.html

terça-feira, junho 08, 2010

Nanotecnologia

A geopolítica da desaparição do Euro

 

Com a crise financeira européia, está se dando um passo a mais no avassalamento da Europa. Com o Tratado de Lisboa, a Europa entregou sua defesa à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN): acabou-se o velho sonho de uma defesa européia independente. E agora, com uma política financeira controlada pelo FMI, a UE renunciou a um pilar essencial de sua independência. Sem a defesa e a moeda, não lhe resta nada para afirmar sua independência dentro do bloco ocidental e frente ao resto do mundo.

Pierre Charasse - La Jornada

Na massa de informações que circula sobre a crise do euro, não é fácil detectar os fenômenos de fundo que se estão produzindo. Por isso, é importante adotar alguma distância, situar essa crise no curso dos acontecimentos dos últimos 20 anos, depois da queda da União Soviética, e projetar uma perspectiva geopolítica de médio a longo prazo. A crise grega confirmou, como se fosse necessário, que a Europa como união política não existe mais.
Nas últimas semanas, a União Européia (UE) revelou ao resto do mundo sua extrema debilidade. O euro não resistiu às ofensivas de todo tipo que sofreu nos últimos meses, apesar de ser a moeda de uma das regiões mais ricas e industrializadas do mundo.
A primeira grande crise financeira mundial da era da globalização evidenciou que a moeda européia não podia aguentar as turbulências do mercado e os ataques especulativos, exatamente porque não tinha um respaldo político sólido e coerente. Os ideólogos ultraliberais que inventaram a moeda européia decidiram aplicar com rigor o princípio dolaisser-faire, proibindo aos governos de intervirem nas políticas do Banco Central Europeu (BCE).
Os governos da zona do euro se auto-mutilaram, quando aceitaram o dogma da independência do BCE, renunciando a qualquer possibilidade de submeter as políticas financeiras a condições políticas. Depois de muitas discussões, apresentaram como um grande avanço a decisão de constituir um fundo de resgate de 440 bilhões de euros. E nenhum governo, vendo o desastre social que os planos de ajustes impostos pelo BCE e pelo FMI, quis opor políticas concorrentes à doxa ultraliberal.
O que o público europeu não vê em geral é que, com a intervenção do FMI, os Estados Unidos agora têm direito de intervir na economia européia. Todas as decisões do FMI requerem necessariamente a aprovação do governo estadunidense, se é que não vêm inspiradas diretamente por esse país. Na reforma dos direitos de voto no FMI, anunciada na última Cúpula do G20, os EUA conserva intacta a minoria de controle com 16% dos votos. Pediu-se a UE que reduzisse sua parte para que a cota de países emergentes aumentasse. O presidente Obama exerce plenamente o poder que lhe dá a nova arquitetura financeira internacional, chamada governança mundial, e exige da Grécia e de outros países europeus que baixem os salários de seus funcionários, que reformem o regime de aposentadorias e que diminuam o gasto público em geral. E os europeus obedecem.
Com a crise financeira européia, está se dando um passo a mais no avassalamento da Europa. Com o Tratado de Lisboa, a Europa entregou sua defesa à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN): acabou-se o velho sonho de uma defesa européia independente. E agora, com uma política financeira controlada pelo FMI, a UE renunciou a um pilar essencial de sua independência. Sem a defesa e a moeda, não lhe resta nada para afirmar sua independência dentro do bloco ocidental e frente ao resto do mundo.
Neste contexto, parece lógico que o euro tenda a se aproximar da paridade com o dólar. Fala-se, nos círculos financeiros, de uma possível dolarização da zona do euro. Tecnicamente convém aos países industrializados da Europa, para recuperarem sua competitividade econômica, castigada na última década por um euro forte. Politicamente convém aos Estados Unidos eliminar uma moeda rival do dólar frente a China e a outros países emergentes. Os novos membros da União Européia vêem com muito bons olhos a dolarização da Europa, que seria para eles uma garantia suplementar com que contar, um guarda-chuva estadunidense, como para sua defesa frente a Rússia, seu inimigo de sempre.
O diretor do FMI, Dominique Strauss Khan refere-se com frequência à necessidade de uma moeda mundial, consequência lógica da globalização econômica e financeira. Em Zurique, em 12 de maio, ele fez um chamado a favor da criação de um banco central mundial, com uma moeda mundial. Na França, o Secretário de Estado para a Europa, Pierre Lellouche, militante atlantista incansável, anunciou triunfalmente que no plano monetário se chegou a um mecanismo de solidariedade automática idêntico ao que prevê o artigo 5 do Tratado da OTAN. Com isso, dá-se o último toque à construção de um espaço europeu subsidiário do território estadunidense para formar um bloco perfeitamente homogêneo sob a liderança de Washington. Desde a sua eleição, o presidente Barack Obama pede a seus aliados que cerrem filas para enfrentar as novas ameaças mundiais.
Outro efeito da crise, os planos de ajuste estrutural impostos como remédio, terão como consequência a curto prazo a tatcherização da Europa continental, ou seja, o fim do modelo social europeu. A Grã Bretanha, aliado incondicional dos Estados Unidos, não membro da zona do euro com a libra esterlina, será o grande vencedor dessa crise, com a imposição de seu modelo econômico e financeiro a toda a Europa, e com o fortalecimento da City como praça financeira impermeável a todos os intentos de regulação que se sugere para prevenir novas catástrofes financeiras mundiais.
Com a dolarização da Europa vai se fechar um capítulo da história moderna aberto com a derrubada do campo socialista. Para a corrente atlantista européia, atualmente majoritária, a desaparição da Europa como ator político e financeiro autônomo é o preço a pagar para que o Ocidente continue controlando o mundo frente aos países emergentes.
(*) Pierre Charasse, diplomata de carreira, ex-embaixador, trabalhou no Ministério de Relações Exteriores da França, entre 1972-2009. Ocupou vários cargos nas Embaixadas da República Francesa em Moscou, na Guatemala, em Havana e no México. Foi conselheiro técnico no gabinete de Claude Cheysson, Ministro de Assuntos Exteriores, e de Pierre Joxe, Ministro do Interior entre 1984 e 1986. Foi Cônsul Geral em Nápoles e em Barcelona, embaixador no Uruguai, no Paquistão e no Peru, e embaixador itinerante encarregado da cooperação internacional contra o crime organizado e a corrupção, entre 2000 e 2003, assim como chefe da delegação francesa na Conferência das Nações Unidas sobre o comércio ilícito de armas leves e de pequeno calibre (Nova York, 200-2001), Secretário Geral da Conferência Ministerial “As Rotas da droga da Ásia Central a Europa” (abril de 2003) e Ministro Plenipotenciario desde 1998. Aposentou-se em agosto agosto de 2009.
Tradução: Katarina Peixoto

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16673&boletim_id=708&componente_id=11868