sexta-feira, janeiro 06, 2006

Jardins suspensos no sertão



No alto de elevações abastecidas por chuvas que vêm do litoral, o semi-árido do Nordeste abriga enclaves de Mata Atlântica, cuja biodiversidade só agora começa a ser desvendada pelos cientistas
Por Arnóbio Cavalcante



A maior parte do território brasileiro é composto por poucas áreas extensas e relativamente homogêneas do ponto de vista ecológico.

No alto de elevações abastecidas por chuvas que vêm do litoral

São os chamados domínios paisagísticos, como o da Mata Atlântica e o das caatingas, que também incluem áreas de contato e de transição entre os seus trechos mais típicos e contínuos. Mas, aqui e ali, é possível vislumbrar no interior dos domínios algumas áreas que destoam dessa relativa uniformidade e que chegam a representar um grande contraste com o que está à sua volta.

Essas paisagens de exceção, como são chamadas, espalham-se por todo o Brasil. Entre elas, destacam-se os enclaves de florestas úmidas do semi-árido brasileiro, verdadeiras ilhas de Mata Atlântica em meio à caatinga, que só recentemente têm recebido atenção especial dos cientistas.

A biodiversidade dessas florestas úmidas do sertão ainda é muito pouco conhecida, mas é bem provável que guarde surpresas, seja por seu longo isolamento (uma das principais receitas da Natureza para produzir novas espécies), seja por terem pertencido originalmente a um dos biomas mais diversificados da Terra. Além disso, esses enclaves, por sua composição de espécies, podem guardar relíquias da época em que, supostamente, Mata Atlântica e Amazônia eram uma única grande floresta.

Para entender a dinâmica que rege esses fragmentos, é indispensável levar em conta o pano de fundo onde se inserem - o semi-árido brasileiro. Ele ocupa uma área de aproximadamente 788 mil km2, ou 9,3% do território nacional, situando-se na sua quase totalidade na região Nordeste, abraçando, exceto o Maranhão, todos os outros estados da região e o norte de Minas Gerais. Apresenta médias anuais elevadas de temperatura (28oC) e evaporação (2.000 mm) e chuvas de total anual moderado (250-800 mm). Os solos são predominantemente rasos, muitas vezes pedregosos, com afloramentos localizados de rocha cristalina. Tudo isso se reflete em rios e riachos intermitentes.

E, como a vegetação é o espelho do clima e do solo, a cobertura vegetal que recobre e delimita com precisão essa área é a caatinga (ou melhor, as caatingas, dada sua variedade). Trata-se de um conjunto vegetacional adaptado à seca, espinhoso, que perde suas folhas periodicamente.

A caatinga faz fronteira, mediante áreas de transição ou não, com o oceano Atlântico, a Amazônia, o cerrado e a Mata Atlântica. Bordejando-a pelo leste está o domínio da Mata Atlântica, um imenso mosaico de florestas tropicais úmidas que, antes da chegada dos colonizadores europeus, estendia-se, sem ruptura, do estado do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte.

No Nordeste, a partir da Bahia, a Mata Atlântica também se apresenta em forma de unidades espaciais isoladas quando se direciona para o oeste, pontuando a caatinga até a fronteira do Ceará com o Piauí.

Portanto, configura-se uma paisagem semi-árida com enclaves espalhados de Mata Atlântica, de diferentes formas, tamanhos e graus de isolamento. Literalmente, são manchas de vegetação sempre verde em um "mar de caatinga", justificando a alcunha de ilhas de florestas úmidas. Entende-se por enclave ou encrave as formações vegetacionais estranhas, inseridas em comunidades naturalmente estabelecidas e em equilíbrio com o ambiente.

Essas ilhas de floresta úmida, também rotuladas de enclaves de Mata Atlântica, matas úmidas (CE) e brejos de altitude (PE), são encontradas sobre algumas formações de rochas sedimentares e serras residuais cristalinas, todas elevações que variam de 700 a 1.200 m. Totalizam pelo menos 20 enclaves em toda a região. Um balizamento grosseiro pode ser imaginado para os limites orientais dessas ilhas no Nordeste. Esse seria, ao norte, o planalto da Ibiapaba (PI/CE) e, ao sul, a chapada Diamantina (BA).

O que mantém até hoje o recobrimento florestal dessas elevações é a ação combinada da localização geográfica, altitude, disposição do relevo em relação ao deslocamento de ventos oriundos do litoral e do solo. A localização refere-se ao posicionamento das elevações em relação ao mar, que é de apenas algumas dezenas de quilômetros. Essa distância relativamente curta permite que ventos carregados de umidade as atinjam.

A altitude e a arrumação do relevo, por sua vez, agem juntas para formar um enorme muro que bloqueia esses ventos, condicionando a formação de chuvas na vertente exposta aos ventos e no topo das elevações - justamente onde a floresta se estabeleceu. Os solos participam desse processo por meio de suas propriedades adequadas ao suporte da floresta.

Do Cretáceo ao Presente

Sabemos onde ocorrem essas ilhas de floresta úmida, quantas existem e como são essencialmente mantidas. Agora, é pertinente perguntar: de onde vieram? E por que, atualmente, estão pontuando o semi-árido brasileiro na forma de enclaves florestais? As respostas aqui apresentadas ainda não são definitivas, mas certamente contêm algo mais do que uma simples aproximação da verdade.

Para entender a origem e evolução dessas ilhas, é preciso retornar ao Cretáceo Superior, intervalo de tempo entre 100 milhões e 65 milhões de anos atrás. Nessa época, em uma América do Sul isolada como enorme ilha, havia um manto contínuo de formação florestal no litoral leste. Tal manto era um fragmento comprido da antiga Floresta Gonduânica, que teria coberto trechos do supercontinente Gonduana no Jurássico, 180 milhões de anos antes do presente.

Essa floresta, precursora da Mata Atlântica e de seus enclaves, tinha sua extremidade norte no atual planalto da Ibiapaba. Como evidências da presença de tal cobertura vegetal no interior do Nordeste, é possível citar os próprios enclaves de florestas úmidas espalhados por toda a região, como os da serra de Baturité (CE), serra Negra de Floresta (PE), chapada Diamantina (BA), bem como as madeiras fossilizadas de Boa Vista e de Umbuzeiros (PB).

Do Cretáceo Superior pulamos para o Pleistoceno (1,8 milhão até 10 mil anos atrás), quando modificações mais pronunciadas e definitivas ocorreram na vegetação, causadas por extremas variações climáticas. No Pleistoceno, o processo gradual de resfriamento e estiagem que o planeta já vinha enfrentando exacerbou-se. Nessa época, a Terra experimentou pelo menos cinco glaciações, e cada uma delas deu sua contribuição às mudanças.

No entanto, acredita-se que o que mais ocasionou transformações nos ecossistemas brasileiros (e sobretudo na vegetação do Nordeste) foi o último desses eventos, a glaciação de Würm, que durou 70 mil anos e cuja culminância ocorreu entre 25 mil e 17 mil anos atrás. Estima-se que o nível do mar tenha descido 140 m abaixo do atual, produto do aprisionamento da água nas geleiras do Hemisfério Norte.

Isso contribuiu para reduzir a água circulante na atmosfera. Conseqüentemente, supõem-se menos precipitações e mais secas e expansões de desertos. E foi provavelmente nessa época que algumas manchas de florestas tropicais do Nordeste foram sentenciadas a viver em completo isolamento. A vegetação adaptada à seca se expandiu, circundou e isolou as florestas, para finalmente configurar os encraves de florestas úmidas do semi-árido brasileiro. Como os topos das serras e as vertentes expostas aos ventos do litoral conseguiram manter suas condições de umidade de outrora, as espécies florestais da mata úmida ali permaneceram.

Dessa maneira, pode-se deduzir que o processo naturalmente em andamento é de diminuição espacial dessas áreas úmidas, até seu completo desaparecimento. Obviamente, isso só ocorrerá se mantidas as tendências climáticas. E esse processo de desaparecimento dos enclaves florestais do Nordeste bem que poderia ser longínquo, se dependesse apenas das forças naturais. Mas um fator está acelerando esse processo e antecipando o sumiço do mapa desses enclaves para um futuro próximo: as ações humanas. Por conta disso, grandes esforços estão sendo despendidos para estudar essas áreas.

Serra de Baturité

Conforme ja mencionamos, os enclaves de florestas úmidas espalham-se por todo o semi-árido brasileiro. Uma unidade da federação revestida na sua quase totalidade por caatinga (92%) e que apresenta um conjunto soberbo de ilhas de florestas úmidas é o Ceará. Aqui totalizam nove, estando situadas nas vertentes da chapada do Araripe e planalto da Ibiapaba, e sobre as serras (cristalinas) das Matas, do Machado, de Aratanha, Maranguape, Meruoca, Uruburetama e Baturité.

Dentre esses enclaves, a serra de Baturité é a mais majestosa, e isso fica bem respaldado pela etimologia do nome da serra. Ele vem do termo indígena batuité, que literalmente significa "serra melhor que as outras". A partir de agora, vamos nos concentrar nas características geográficas e ecológicas dessa região como representante dos enclaves de florestas úmidas do Nordeste e dos segredos naturais que eles ainda escondem.
A serra de Baturité ocupa 38.220 hectares, com subsolo constituído quase totalmente por rochas cristalinas e relevo de feições variadas, tais como cristas, colinas, lombas e vales.

A altitude média é de aproximadamente 700 m, e algumas cristas podem superar os 900 m. No entanto, o que mais impressiona nessa resumida caracterização física da serra são seus condicionantes climáticos, aqui representados somente pela temperatura e pelo índice de chuvas.

A temperatura média anual fica em torno de 24oC, a média das máximas 28oC e a das mínimas 17oC. Por outro lado, na caatinga circunvizinha logo abaixo, a temperatura média anual fica em torno de 28oC, a média das máximas 33oC e a das mínimas 22oC. A chuva é regularmente distribuída ao longo do ano, com média anual de aproximados 1.700 mm (enquanto a da caatinga fica apenas em 800 mm). Portanto, chove o equivalente à pluviosidade de algumas áreas da Amazônia e da Mata Atlântica oriental.

Outro detalhe interessante está ligado ao processo de como a serra chegou ao tamanho e à forma atuais. Em algum intervalo remoto do tempo geológico, deve ter ocorrido, no lugar onde hoje ela se encontra, um leve dobramento na crosta terrestre. Esse dobramento pouco aflorava na superfície naqueles tempos, tal qual um iceberg no mar. Foi a partir daí que o tamanho e a forma atualmente revelados foram sendo esculpidos, pela ação combinada de vários fenômenos naturais que ainda hoje continuam a atuar discretamente. O fenômeno mais atuante, primordial e modulador da serra foi (e continua sendo) a erosão. Sob a ação do desgaste provocado pelo clima (chuva, vento, temperatura), o material mais resistente da região (rocha cristalina) permaneceu relativamente incólume e fixo no lugar, ao passo que o material inconsolidado (areia, silte e argila) foi removido.

A serra de Baturité, por ser constituída essencialmente de rocha cristalina, resistiu mais ao desgaste imposto pelo clima do que suas adjacências ao longo dos anos. Lentamente, ela foi aflorando, enquanto as regiões vizinhas, mais vulneráveis, iam sendo removidas em direção ao mar e deprimidas. Chama-se a esse processo erosão diferenciada, sendo a periferia da serra denominada depressão sertaneja e a serra, maciço residual.

A erosão descrita acima também teve participação decisiva na formação de alguns enclaves, ao favorecer a caatinga. À medida que a erosão removia o solo e o embasamento cristalino aflorava, formando solos rasos, essas condições ficavam cada vez mais inadequadas para sustentar a floresta úmida que, pouco a pouco, perecia e recuava. O mesmo espaço era gradualmente ocupado pelas caatingas, mais bem adaptadas a essa situação.

Diversidade Inexplorada
Na floresta umida da serra, o convívio de ipês, orquídeas, samambaias, musgos e hepáticas modela uma floresta possuidora de enorme fitodiversidade.

Contrastando com toda essa riqueza florística está a insignificância do conhecimento até hoje gerado sobre sua botânica e ecologia, ainda incipiente diante da grandeza territorial e a diversidade de espécies, padrões e processos que operam nesse extraordinário fragmento de Mata Atlântica.

Até o momento, são registradas apenas algumas dezenas de espécies arbóreas e arbustivas. Contudo, estimativas sugerem que até 500 espécies podem ocorrer lá, entre árvores, arbustos, ervas, cipós, epífitas (plantas que se apóiam nas outras, como as trepadeiras), saprófitas (que usam matéria orgânica em decomposição) e parasitas. E esses dados incipientes sobre a comunidade vegetal também são a regra para a grande maioria dos outros enclaves.

Atualmente, o estado de conhecimento sobre a flora angiospérmica (as chamadas plantas com flores) para áreas de floresta atlântica no Nordeste aponta pelo menos 128 famílias, 445 gêneros e um pouco mais de mil espécies, considerando algumas das formas de vida supracitadas. Sem dúvida, esses dados devem crescer, já que existe um maior número de cientistas trabalhando nessas áreas no momento. Só para dar uma idéia do quão pouco se conhece da flora desses enclaves, estima-se que, em apenas um hectare no sul da Bahia, ocorrem 454 espécies vegetais e, no Domínio da Mata Atlântica, aproximadamente 20 mil espécies.

Nesse universo vegetal, as árvores proporcionam refúgio, integram a base da cadeia alimentar, são vegetais verdadeiramente residentes e contribuem, normalmente, com mais recursos biológicos e de forma mais duradoura do que plantas anuais e herbáceas. Por tais razões, são consideradas espécies-chave.

Aqui, citamos algumas espécies de ampla distribuição, que também aparecem em outras áreas. Algumas ocorrem tanto na mata da serra de Baturité quanto em outros trechos de Mata Atlântica do Nordeste: Buchenavia capitata (amarelão), Byrsonima sericea (murici-vermelho), Tabebuia serratifolia (ipê-amarelo), Xylopia sericea (embiriba) e Zanthoxylum rhoifolium (limãozinho). Outras aparecem na serra e também na Mata Atlântica do leste do Brasil, como Protium heptaphyllum (almesca) e Cecropia pachystachya (gargaúba), ou na Mata Atlântica do sul do Brasil (Podocarpus sellovii, pinheiro-bravo). Finalmente, há árvores comuns entre Baturité e a região amazônica - Stryphnodendron purpureum (favinha) e Simarouba amara (paraíba) são dois exemplos disso.

A presença de tantas espécies comuns entre regiões tão distantes, apontada pela lista acima, é facilmente explicada pelo manto contínuo de formação florestal do Cretáceo, conforme já explicado. Porém, com relação ao último item (espécies compartilhadas entre a Amazônia e Baturité), pelo menos duas perguntas importantes emergem: teria existido alguma conexão florística concreta dos enclaves cearenses com a floresta amazônica? E os enclaves cearenses seriam restos de uma antiga ponte que remotamente unira a Mata Atlântica às matas da Amazônia? Essa é uma discussão que ainda está acontecendo, e é importante que mais cientistas façam parte dela para, finalmente, termos essas respostas. Elucidar tal problema também é fundamental para explicar a fauna compartilhada por esses vários lugares.

Assim como acontece com as plantas, a fauna abrigada pela floresta serrana ainda está sendo desvendada. Todavia, alguns grupos já são relativamente conhecidos, como as formigas. Um levantamento recente revelou que, em poucos hectares de floresta primária, podem coexistir cerca de 125 espécies só na serrapilheira (o solo recoberto de folhas caídas da mata), riqueza similar à encontrada em outros lugares da Mata Atlântica, como o sul da Bahia. Um habitante ilustre dessa comunidade diversificada de formigas é a Dinoponera quadriceps (formiga gigante), a maior de seu grupo no mundo. A pesquisa também mostrou que existem espécies endêmicas e outras que ocorrem também em áreas da floresta atlântica oriental, fortalecendo a hipótese de união pretérita com os enclaves florestais. Já comparações com coleções da floresta amazônica ainda não foram realizadas.

Quanto aos anfisbenídeos (répteis que lembram as cobras) e lagartos residentes na serra, totalizam 25 espécies no momento, sendo seis endêmicas (exclusivas daquele local), como o Colobosauroides cearensis e o Leposoma baturitensis. Essa riqueza de espécies, quando comparada à da Mata Atlântica e da Amazônia, com 53 e 89 espécies de lagarto respectivamente, revela-se bastante inferior - provavelmente uma decorrência da incipiência dos levantamentos, conforme já dito. Quanto às espécies compartilhadas com outras regiões, o Analis fuscoauratus é encontrado em Baturité, Mata Atlântica e Amazônia e o Enyalius bibronii, em Baturité e na Mata Atlântica. Entre os anfíbios, uma espécie que habita tanto a serra cearense quanto a Amazônia é o Bufo margaritifer, popularmente chamado de sapo-folha, incrível por sua camuflagem perfeita que imita fielmente uma folha seca da serrapilheira. Essas espécies e outras mais levam a crer em uma possível conexão pretérita entre as duas grandes florestas tropicais, passando pela serra.
Em relação às cobras, a literatura menciona a existência de aproximadamente 25 espécies, das quais apenas quatro são peçonhentas, destacando-se a Lachesis muta (surucucu).

No Ceará, ela só ocorre em Baturité, embora também esteja presente na Amazônia. Esse belo animal tem sido raramente visto na serra, levando a suspeitar de um provável processo corrente de extinção local.
A fauna da serra de Baturité não inclui apenas diversos invertebrados, répteis e anfíbios. A mata da região abriga também uma riquíssima coleção de aves, com mais de 180 espécies residentes e transientes já registradas. Dessa lista, aproximadamente 10% são consideradas espécies endêmicas, como o Pyrrhura anaca (periquito-de-cara-suja). Infelizmente, trata-se de um dos quatro animais do Ceará na lista dos criticamente ameaçados de extinção.

Durante o período de estiagem da região, a serra funciona como refúgio para alguns representantes da fauna de pássaros da caatinga, que costumam subi-la. Uma das espécies que se abrigam em Baturité é a Procnias averano (araponga-do-nordeste), junto com quase todos os beija-flores. Ademais, a região serrana vira casa de veraneio para o Hirundinea ferruginea (gibão-de-couro) e Streptoprocne zonaris (andorinhão-de-coleira), procedentes do sul do Brasil e da América do Norte, respectivamente, quanto faz frio nessas regiões.

Finalmente, também existem inúmeros mamíferos insetívoros e carnívoros, como o Tamandua tetradactyla (tamanduá-mirim), a raposa Cerdocyon thous e o gato-do-mato Felis tigrina. São espécies dignas de citação por evidenciarem acentuado declínio em suas populações locais e terem no homem seu principal predador ou inimigo.

Refúgio do Nordeste

Tomando como referencial a serra de Baturité, é possível estimar que ilhas de florestas úmidas sejam os lugares de maior riqueza de vida selvagem do Nordeste semi-árido. Por apresentar um ambiente físico significativamente heterogêneo (locais secos, úmidos, planos, acidentados, altos, baixos, açoitados pelo vento, protegidos do vento, quentes, frios, ensolarados e sombreados), lá evoluiu uma comunidade bastante diversificada de plantas e animais. Dessa maneira, recentemente, o Ministério do Meio Ambiente reconheceu essas áreas como prioritárias para conservação da biodiversidade no Brasil.

No entanto, salienta-se que a importância dessas ilhas não se deve limitar à riqueza biológica e ao endemismo, mas também àquilo que podem oferecer na forma de alimentos, água e outros recursos naturais gratuitamente. Nessas regiões, por exemplo, nascem cursos d'água que beneficiam milhares de pessoas e tornam possível a prática da agropecuária rio abaixo, funcionando tal qual uma caixa d'água natural em meio ao semi-árido. Além disso, esses rios matam a sede de numerosos animais da caatinga quando na seca.

Apesar de todas essas benesses, a situação atual de uso e ocupação dos enclaves requer grande atenção e acompanhamento ostensivo, governamental e não-governamental. O estado atual de conservação, no geral, é ruim. São anos de extrativismo vegetal e animal, agricultura de cana-de-açúcar, banana, café e hortaliças e, mais recentemente, construção de enormes casas, com seus jardins fartos de plantas exóticas.

Há décadas, todas essas ações, em épocas distintas, vêm destruindo hábitats, introduzindo espécies exóticas, extraindo recursos biológicos excessivamente, poluindo e fragmentando a paisagem original, de forma a causar danos graves à biodiversidade da região. No entanto, é possível reconhecer avanços para proteger essas áreas, por meio do surgimento de unidades de conservação. Dos nove enclaves cearenses, por exemplo, seis são protegidos legalmente, inclusive a serra de Baturité, transformada em área de proteção ambiental (APA). E o mesmo se aplica aos outros estados que abrigam enclaves, totalizando aproximadamente 50% da cobertura vegetal das ilhas de florestas úmidas.

É importante salientar que as serras das Matas, Machado e Uruburetama (CE), devido à ação do homem, já perderam quase completamente suas florestas. São, portanto, um alerta para a sociedade sobre o processo corrente que está destruindo os enclaves.


http://www2.uol.com.br/sciam/conteudo/materia/materia_62.html

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