sexta-feira, janeiro 06, 2006

Climas do passado em terras gaúchas


Aziz Nacib Ab'Sáber

Plantas típicas do semi-árido testemunham clima da Era do Gelo no Rio Grande do Sul

Nas coxilhas da Campanha de Sudeste, no Rio Grande do Sul, ocorrem dois conjuntos de documentos paleoclimáticos, diferentes entre si pela idade, espessura sedimentar e significado. No embasamento geológico, há grandes massas de dunas, que remontam a 200 milhões de anos, quando o território brasileiro ainda estava emendado com a África Ocidental. Derrames basálticos de espessura reduzida recobrem parcialmente, a oeste da Campanha, os sedimentos arenosos do paleodeserto de Botucatu (Triássico Superior/Cretáceo Inferior). Depois de longa história tectônica e geomorfológica, desenvolve-se o ondulado extensivo das atuais coxilhas, as quais foram modificadas por pressões paleoclimáticas e ecológicas nos últimos 25 mil anos.
Em diversas excursões pelo interior do Rio Grande do Sul, pudemos detectar pequenos redutos de cactáceas em diferentes recantos do território. A saber: na Campanha de Vila Nova, ao norte do Maciço de Caçapava do Sul; nas vertentes de uma cabeceira de sanga, nos arredores de Santiago, a sudoeste de Santa Maria; entre matacões graníticos nas margens do Guaíba. Em quase todos esses sítios, predominam os mandacarus. Um fato que comprova a capacidade dessa espécie de resistir a climas subtropicais úmidos, a climas temperados do extremo sul brasileiro, em cimeiras frias de altos chapadões do Brasil oriental, ou ainda em pontos isolados da periferia do Pantanal.
Na identificação de sítios onde ocorrem redutos de cactáceas, vale todo tipo de registro: desenhos de viajantes naturalistas, obras de referência de botânicos ou mesmo fotos de profissionais curiosos e sensíveis. São todos documentos importantes, a serem interpretados taxonomicamente por botânicos especializados.
Urge sempre realizar estudos de campo in situ, antes que especuladores e administradores despreparados culturalmente deixem arrasar todos os espaços e feições mais significativas. Em um mandacaru isolado na Campanha de Vila Nova, podemos observar o suporte ecológico de raízes do cacto. Verificamos que as raízes do mandacaru estavam engastadas em um antigo chão de pedras, recoberto pelo raso solo recente das pradarias mistas regionais.
Outro caso significativo é observado na Campanha de Santiago, nas cabeceiras de um pequeno córrego. Nessa localidade, ao invés de uma vertente convexa suave, típica das coxilhas riograndenses, ocorrem pequenos rebordos escalonados e desnudos de arenitos. E os mandacarus nasceram na base dos rebordos, parcialmente protegidos em relação ao vento sul. Não fosse a existência de um montão de areias, na forma de um embrião de dunas, na vertente oposta da colina, poderíamos imaginar que o cenário representava as feições da paisagem semi-árida do Pleistoceno Superior.
Um pouco a oeste do Vale do Ibicuí, a caminho de Alegrete, ocorre uma seqüência de fatos na estrutura superficial da paisagem que necessita de melhores observações e interpretações. Na cimeira das coxilhas regionais, pode-se observar três formações superficiais, representativas de paleoclimas quaternários diferentes. Superficialmente, há o solo areno-argiloso, vinculado ao clima subtropical dominante na Campanha. Logo abaixo, o chão pedregoso derivado de uma época climática semi-árida. E, abaixo das mini-irregularidades do chão de pedras, uma camada de areias, talvez representativas de um clima savanóide que afetou o embasamento arenítico.

Durante a retropicalização do território brasileiro, acontecida nos últimos 10 mil ou 11 mil anos (no momento em que houve uma ascensão progressiva do nível dos mares e oceanos), o Rio Grande do Sul foi alvo de história vegetacional bastante particular. Isso aconteceu, sobretudo, devido às influências do aquecimento ocorrido durante a época conhecida como ótimo climático, aproximadamente entre 6 mil e 5 mil anos atrás. As matas tropicais úmidas e biodiversas que estavam no sudoeste de Santa Catarina se estenderam, na ocasião, para o sul, implantando-se na meia encosta da Serra Geral e projetando-se muito de leste para oeste na região da Serra Gaúcha, chegando a envolver o maciço de Porto Alegre. São fatos que exigem um tratamento mais detalhado, a ser motivo de escritos posteriores.

http://www2.uol.com.br/sciam/conteudo/editorial/editorial_15.html

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