quarta-feira, setembro 26, 2007

Pentágono pede US$ 189 bi para financiar guerras

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Hidrelétrica chinesa pode levar a 'catástrofe ecológica', alertam autoridades

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segunda-feira, setembro 24, 2007

Chuva no RS ficou entre as mais intensas no mundo




O volume de chuva no Rio Grande do Sul nos últimos sete dias ficou entre os mais altos do mundo. Os acumulados estimados por satélite da NASA indicam que apenas as regiões do subcontinente asiático que sofrem a influência das precipitações da temporada de monções tiveram acumulados superiores (clique sobre a imagem acima para ampliar). Os volumes estimados pelos satélites da NASA no Rio Grande do Sul ficaram acima, inclusive, dos acumulados pluviométricos estimados para o leste da China, onde a região de Xangai foi atingida na última semana pelo tufão (Wipha) que descrito como o mais intenso da última década na região.
Alexandre Amaral de Aguiar - 23/09/2007 22:18:29

Africom é pretensão dos EUA de controlar o petróleo do Continente

Em fevereiro de 2007 o governo dos EUA anunciou formação do Comando Militar da África – Africom, um centro unificado de comando do Pentágono que visa centralizar todas as operações militares feitas no continente africano. O Africom é apresentado pelo governo Bush aos países africanos como um instrumento de combate ao terrorismo internacional. Entretanto “o verdadeiro objetivo da criação do comando é a obtenção do controle do petróleo existente no Continente, bem como dos sistemas de distribuição”, afirma Bryan Hunt no seu artigo “Entendendo o Africom”.
No artigo, Hunt compara a instalação do Africom com o Oriente Médio durante a década de 80, quando a transferência de petróleo do Golfo Pérsico para os EUA foi qualificada pelo governo norte-americano como de “interesse vital” ao país, chegando a afirmar que “os EUA empregaria qualquer meio necessário, inclusive força militar”, para superar qualquer tentativa de interferência na política de petróleo norte-americana.
As forças militares dos EUA aumentam o mais rapidamente possível na África Ocidental e no Sub-Saara, já que esta área se projeta como uma fonte de energia tão importante como a do Oriente Médio. Entretanto a dominação dos EUA na região é barrada devido a forte pressão do povo africano, principalmente na Nigéria, onde se encontra 70% do petróleo africano. O povo nativo da região do Delta do Níger não obtém nenhum tipo de benefício por viver em uma região de extensos depósitos de petróleo e de gás natural. O que os movimentos populares da Nigéria estão exigindo é a sua autodeterminação e que os benefícios do petróleo sejam eqüitativos para todos os nigerianos.
No primeiro semestre de 2006 foram feitos 19 ataques contra operações estrangeiras de extração de petróleo, que provocaram perdas de 2.187 milhões de dólares às multinacionais, representando 32% dos ingressos gerados neste ano no país. Os movimentos nacionalistas lutam por qualquer meio possível pelo objetivo político da autodeterminação.
As companhias petroleiras e o governo dos EUA qualificam estes grupos de resistência como “terroristas internacionais”, para legitimar o uso da força militar dos EUA e “estabilizar” a região, assegurando que a usurpação do petróleo continue.
No mês de junho, o governo dos EUA enviou uma comissão ao norte do continente africano com o intuito de encontrar um país onde o Africom possa se abriguar. Os países da África do Norte como Argélia, Líbia e Marrocos não viram a medida com bons olhos e rechaçaram a proposta norte-americana.

"Doença brasileira?" - 24/09/2007

A Fundação Getulio Vargas promoveu na semana passada o 4º Fórum de Economia, coordenado pelo economista e ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira. Foram debates de altíssimo nível. No centro das discussões, uma preocupação recorrente entre economistas e empresários em tempos de expansão e real valorizado: os riscos da chamada desindustrialização --ou "doença holandesa".
A expressão "doença holandesa" surgiu no início dos anos 80, quando as fortes receitas de exportação de gás da Holanda valorizaram o florim, a então moeda local, derrubando as exportações dos demais produtos por falta de competitividade.
Alguns economistas acreditam que o Brasil venha passando por processo semelhante. Os preços valorizados das commodities básicas (grãos, metais, carne etc.) estariam compensando a queda das exportações nacionais de produtos industriais mais sofisticados.
Com o tempo, o risco é o Brasil, por falta de competitividade e ganhos, ir sucateando e abandonando a parcela de maior valor agregado de sua industria, que é também a que paga melhores salários.
Em tempo: na segunda-feira, uma ampla reportagem do jornal "Valor Econômico" mostrou que vários setores industriais vêm substituindo o mercado externo (de exportação) pelo interno, que está bastante aquecido. Algumas dessas companhias, no entanto, vêm diminuindo a qualidade dos produtos que fabricam para entrar com mais força entre os consumidores das classes D e E.
Em tempo 2: dados divulgados há duas semanas mostraram que, no segundo trimestre de 2007, o maior destaque do PIB foi a indústria, que cresceu 6,8%. A de transformação, mais sofisticada, liderou a alta, com evolução de 7,2%. Isso daria um sinal um tanto contraditório à tese da desindustrialização.
Durante o fórum da FGV, Bresser-Pereira disse acreditar que o governo Lula esteja praticando "populismo cambial" para segurar a inflação por meio do real valorizado, o que faz os preços de importados ficarem mais baratos. Com os juros ainda elevados atraindo dólares ao país e altos saldos comerciais sustentados pela commodities, o economista prevê um aprofundamento da "desindustrialização" em setores de maior valor agregado.
Dados do IBGE de fato mostram que ao longo dos últimos anos setores mais sofisticados da indústria perderam participação relativa no valor agregado do setor industrial, tanto internamente quanto nas exportações.
Já a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) apresentou estudo mostrando que a participação relativa do Brasil em relação ao PIB industrial de nove emergentes caiu de 15,1% para 11,8% entre 1990 e 2005. Os dados comprovariam que a desindustrialização relativa do Brasil é maior.
Mostrando as experiências de outros países, o economista André Rebelo, da Fiesp, afirmou que é normal a indústria perder terreno para outros setores, como os serviços, quando o PIB per capita atinge patamares superiores a US$ 11 mil/ano. "No Brasil, o processo começou precocemente, com o PIB per capita por volta de US$ 3.500", disse.
Uma voz discordante no debate foi a do economista José Roberto Mendonça de Barros, ex-secretário Política Econômica no governo FHC (de 1995 a 1998). Segundo ele, setores básicos como óleo, gás, minérios, grãos, carne e leite, entre outros, já representam 25% do PIB brasileiro. Na sua opinião, esses não são setores tão básicos como se poderia imaginar, já que têm agregado valor constantemente ao longo dos últimos anos.
Em um país que pratica metas de inflação e tem o câmbio livre, é muito difícil perseguir outro patamar para o dólar, diferente do estipulado pelo mercado (Bresser julga que deveria ser algo próximo de R$ 2,80, e não dos R$ 1,90 atuais). Medidas diferentes, consideradas por alguns "heterodoxas", teriam de ser adotadas para desvalorizar o real.
O assunto é interessante e complexo, além de ser fundamental para o país pensar a respeito do tipo de indústria, emprego e desenvolvimento que pretende ter no futuro.
Mas o fato é que ainda parecem existir muitos sinais trocados em relação ao tema. Especialmente neste momento, quando o mercado de consumo interno começa a ganhar novo fôlego, seja pela recuperação relativa da renda quanto pelo aumento do crédito.

Fernando Canzian, 40, é repórter especial da Folha.
Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Escreve semanalmente, às segundas-feiras, para a Folha Online. E-mail: fcanzian@folhasp.com.br

domingo, setembro 16, 2007

GAÚCHOS OU GAUCHOS?



"Ele anda sempre fugindo. Sempre pobre e perseguido; não tem cova nem ninho como se fora um maldito, porque ser gaúcho....ser gaúcho é delito." José Hernández - Martín Fierro, 1872


Os versos de Martín Fierro demonstram a visão dominante sobre o gaucho pampeano nos idos de 1850. O gaúcho era o paria do campo. Aquele que não se curvava às mudanças econômicas e sociais advindas de um arremedo de capitalismo provinciano que se iniciava na pampa gaúcha neste momento.

Em razão disso, setores das oligarquias da época chegaram a dizer que para que houvesse civilização na América seria necessário, em primeiro lugar, derrotar o gaúcho. Iniciou-se assim uma disputa político-cultural sobre o modelo de civilização que seria adotado. Este embate deu-se de forma muita clara na Argentina através do personagem Martín Fierro e de seus opositores. No entanto, no Rio Grande do Sul o embate foi o mesmo, porém, talvez tenha tido contornos velados.

Os contrários aos gaúchos defendiam um modelo de civilização idêntico ao da Europa, ou seja, deveríamos ser "clones" da Europa. Um presidente argentino, Domingo Faustino Sarmiento, chegou a defender a idéia de que fossem importadas pessoas da Europa para que o país progredisse. É evidente que esse tipo de manifestação provocou a rebeldia dos setores populares, que encontraram na obra de José Hernández o personagem que representava os excluídos da época: Martín Fierro. Portanto, defender os gaúchos era defender aqueles que estavam alijados do processo político e despossuidos de propriedade.
Os gaúchos não serviam ao nascente capitalismo por que não se adaptavam as novas normas. Possuíam outra relação com a terra, com a família, com o trabalho. Desta forma, a nova relação do homem com a propriedade, por exemplo, não era bem recebida por este homens que eram chamados de "selvagens", por isso, havia perseguição.
Depois disso, a contemporânea concepção de gaúcho procurou dissolver o caráter classista da expressão. No entanto, os símbolos ainda estão em disputa e os setores conservadores se apropriaram de muitos. Porém, as coisas tendem a voltar às raízes. Em nossa raiz está uma identidade própria e a luta pela construção de uma sociedade não subjugada aos interesses externos.Em nossa raiz está outra concepção de propriedade, a concepção de amor pela terra e pelas coisas simples. Assim, reverenciamos as coisas terrunhas como não cansa de falar o amigo Adão e cantemos as graças de termos nascido gaúchos e gauchos.

Alisson Ferronato dos Santos
Sociedade Botucaraí Pró-Cultura

Renda do brasileiro cresce 7,2%, diz IBGE

No Rio Grande do Sul, média mensal chegou a R$ 946,00 em 2006.
Homens continuam dominando o mercado de trabalho
Taís Dihl
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2006, divulgada ontem pelo IBGE, comprovou aumento na renda do brasileiro. De 2005 para 2006, chegou a 7,2%, representando uma renda média de R$ 883,00 por mês. Foi o maior crescimento desde 1995. Um dos fatores determinantes para esse crescimento foi o ganho real do salário mínimo, de 13,3% em 2006, frente a 2005. No Rio Grande do Sul, a média mensal chegou a R$ 946,00 em 2006. Em 2005, era de R$ 895,00.
Os homens continuam dominando o mercado de trabalho. A taxa de atividade - relação entre as pessoas economicamente ativas e as que estão ocupadas - chega a 72,9% entre os homens e fica em 52,6% entre as mulheres. O RS acompanha a tendência brasileira, com uma taxa de atividade de 75,3% entre os homens e de 58,6% entre as mulheres.
Segundo o supervisor estadual da pesquisa, Riovaldo Alves de Mesquita, também chama a atenção o fato de, no RS, 13,3% das pessoas com faixa etária entre 10 e 14 anos estarem ocupadas, o que é considerado trabalho infantil. 'No Rio Grande do Sul, o trabalho infantil está mais concentrado na área rural e tem a ver com a estrutura de ocupação do Estado. É uma questão cultural e não quer dizer que a criança não esteja estudando ou que trabalhe o dia inteiro', esclareceu. Além disso, no RS, como se repete na maioria dos outros estados, a taxa de atividade de 15 a 17 anos e 60 anos ou mais é menor do que em outras faixas etárias. Tanto homens quanto mulheres têm maior taxa de atividade de 25 a 29 anos e de 30 a 39 anos.
O estudo aponta que o desemprego no Brasil é maior entre mulheres em qualquer faixa etária analisada. Elas são maioria na população desocupada (57%). A sua inserção no mercado tem sido cada vez mais expressiva. Em 2006, elas somavam 42,6 milhões, com a participação crescendo de 43,5% em 2005 para 43,7% em 2006. Na região Sul, a participação subiu de 44,6% para 45% em 2006.
Há um alto índice da força de trabalho do país na informalidade. No RS, o índice de não-contribuintes da Previdência é menor entre os homens, 45,6% contra 49%. No Brasil, as mulheres somam 52,3%. Além disso, 41,3 milhões de trabalhadores contribuíram para a Previdência no país, ou seja, mais da metade da população ocupada não está sob as garantias previdenciárias. Outro dado significativo da pesquisa é que a participação da atividade agrícola na população ocupada caiu significativamente em todas as regiões. No Sul, o percentual caiu de 22,1% em 2005 para 21,2%.


31,9% das gaúchas chefiam as suas famílias


O número de mulheres chefes de família está aumentando no país e no Estado. O dado pode ser confirmado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) de 2006, divulgada ontem pelo IBGE. No país, o percentual de mulheres responsáveis pela família chegava a 30,6% em 2005, já no ano passado esse índice saltou para 31,4%. No Rio Grande do Sul, o índice era de 31,9% em 2006 e 29,2% no ano anterior. Assim como no país, o número de homens chefes de família no Estado, apesar de ainda ser maior, está diminuindo ao longo dos anos. Em 2005 era de 70,8%, caindo para 68,1% em 2006.
Em relação aos domicílios brasileiros, a Pnad apontou o alto índice de residências com serviços, como rede geral de abastecimento de água (83,2%), rede coletora de esgoto ou fossa séptica (70,6%), coleta de lixo (86,6%), iluminação elétrica (97,7%) e telefone (74,5%). No RS, os índices são maiores, com destaque para iluminação elétrica (99,1%) e telefone (89,5%). Quanto aos bens das residências, o fogão é o que mais está presente nas casas brasileiras (97,7%), seguido da televisão (93%), geladeira (89,2%) e rádio (87,9%). O computador está restrito a 22,1% das casas do país a 25,5% das casas gaúchas.

Persiste a tendência de envelhecimento


A tendência de envelhecimento populacional persistiu no país em 2006, movimento acentuado nas regiões Sul e Sudeste. Nessas regiões, a diferença entre as participações das pessoas de zero a 9 anos e de 40 anos ou mais no total da população supera 20 pontos percentuais. Na média nacional, chega a 15,8 pontos. A taxa de fecundidade ficou em 2 nascimentos por mulher, ante 2,1 em 2005. O IBGE investigou 800 municípios no país e 75 no Rio Grande do Sul.

RS: apenas 3,8% dos habitantes de fora


A pesquisa do IBGE revela que, no Estado, a maioria da população residente se concentra na faixa etária dos 40 aos 59 anos (25,7%), seguida por pessoas entre 25 e 39 anos (21,9%). A população idosa (60 anos ou mais) é de 12,4%. O supervisor estadual da pesquisa, Riovaldo Alves de Mesquita, aponta que, no RS, só 3,8% dos habitantes não são naturais do Estado, ante 4,4% em 2005. A média nacional é de 16%. 'No Distrito Federal, mais da metade da população não é natural da região, com taxa de 51,8%', citou.

CORREIO DO POVO PORTO ALEGRE, SÁBADO, 15 DE SETEMBRO DE 2007

domingo, setembro 09, 2007

BUSH ESTÁ AFUNDANDO A GRANDE POTÊNCIA


JURANDIR SOARES

Não bastassem os ataques diários da insurgência, Bush sofreu mais um revés no Iraque - e mais significativo. O Reino Unido, seu principal aliado, acaba de determinar a saída de suas forças da província de Basra. Os 500 militares que estavam no palácio de Basra juntam-se aos outros 5,5 mil soldados britânicos em processo de retirada. Oficialmente, o controle de Basra será repassado às forças iraquianas. O primeiro-ministro Gordon Brown disse que a medida foi planejada havia meses e que as tropas britânicas estariam disponíveis para auxiliar as iraquianas. No entanto, relatório do International Crisis Group revela que os ataques incessantes contra os britânicos causaram, inicialmente, sua saída das ruas e, agora, marcam a saída da região. A passagem do controle para tropas iraquianas é considerada ficção, porque Basra ficará sob o domínio das milícias xiitas. Assim, diz o relatório, os moradores vêem isso não como uma retirada, mas como uma derrota vergonhosa. Outro problema para Bush: na quarta-feira, ele foi desmentido por um de seus mais importantes ex-assessores, Paul Bremer, o primeiro interventor dos EUA no Iraque. Tudo porque foi lançado o livro 'Dead certain' ou 'Absolutamente convicto', de Robert Draper, uma biografia autorizada do presidente. No livro, Bush afirma que o plano original 'era manter o Exército do Iraque intacto, mas isso não aconteceu'. Deu a entender que a ordem para desmantelar o Exército de Saddam não partiu dele. Bremer juntou cartas que trocara com Bush e as enviou para o The New York Times, mostrando que a Casa Branca sabia dos planos para dissolver as estruturas militares e de inteligência do Iraque. A decisão é apontada como um dos mais graves erros dos EUA e parcialmente responsável pela explosão de ataques sectários e rebeliões.
A fracassada estratégia de Bush foi apontada esta semana, por duas figuras de relevo nos EUA, como o fator que está determinando a perda da hegemonia americana. Em palestra, terça, na PUCRS, o sociólogo americano Immanuel Wallerstein afirmou que os EUA estão em decadência, acelerada pelo erro estratégico no Iraque. Disse ele que, em poucas décadas, a grande potência não será mais do que um sócio júnior de três grandes concorrências mundiais, ao lado da Europa e do Japão. Seu posicionamento coincide com o do sociólogo italiano Giovanni Arrighi, que leciona na Universidade John Hopkins e acaba de lançar o livro 'Adam Smith em Pequim'. Diz ele que 'os EUA ainda são dominantes econômica, militar e politicamente. Mas é uma dominação sem hegemonia, no sentido de que hegemonia não é apenas dominação pura, mas também a capacidade de fazer os outros crer que você age no interesse geral'. Ora, a ação no Iraque foi a que mais pôs os EUA em confronto com a comunidade internacional. Para os dois sociólogos, foi o que acelerou a decadência do império. É a herança que o governo Bush deixa para os americanos.
Correio do Povo Porto Alegre - RS - Brasil

Soja transgênica: tudo contra

JEAN MARC VON DER WEID

Autorizar soja transgênica só pode trazer prejuízo ao Brasil. Contas mirabolantes e dados confusos: este é o balanço da argumentação favorável à liberação do produto no Brasil. Nada autoriza a pensar que ela seja mais produtiva ou econômica do que a soja tradiiconal.

Jean Marc von der Weid*


O jornal "O Estado de São Paulo" publicou há algumas semanas, com grande destaque, matéria onde afirmava que o Brasil perdeu 26 bilhões de reais desde 1996 por não ter liberado a produção comercial de transgênicos já a partir daquele ano. A matéria está baseada em estudo da empresa de consultoria econômica Céleres, de Minas Gerais, e causou total incredulidade a quem acompanha o tema, pois nem os propagandistas mais ferrenhos ousaram, até então, afirmar cifras tão gigantescas.
O estudo não só foi amplamente divulgado pela mídia como valeu aos seus autores convites para exporem seus resultados em palestras no Congresso Nacional, transformando-se em importante argumento na campanha em curso para pressionar o governo do presidente Lula a acelerar as liberações de cultivos comerciais dos transgênicos, atropelando as avaliações de impacto ambiental e de riscos para a saúde dos consumidores.
A análise detalhada das informações apresentadas no estudo, entretanto, mostra a sua inconsistência e a leviandade de se dar publicidade a tais argumentos. Se esta é a base sobre a qual se apóia a pressão para a liberação dos transgênicos é melhor, definitivamente, não liberá-los.
O cálculo das alegadas "perdas" indicadas pela Céleres tem como premissa básica que os produtos transgênicos têm custo de produção mais baixo que os convencionais e aplica este princípio à produção de soja, milho e algodão, quer resistentes ao herbicida glifosato ou tendo um poder tóxico capaz de matar lagartas (e outras espécies não-alvo).
Dos três produtos, a soja resistente ao glifosato, conhecida como soja RR, da multinacional Monsanto, é o único produto transgênico cultivado no Brasil desde 1996 sendo, portanto, o único sobre o qual é possível avaliar os resultados práticos a partir de dados empíricos e não de especulações. Por esta razão vamos analisar apenas as afirmações da Céleres sobre as "perdas" derivadas da não liberação da soja RR em 1996, que eles dizem ser da ordem de 4,6 bilhões de dólares.
Em primeiro lugar, o estudo diz que a produtividade das variedades de soja transgênica importadas clandestinamente da Argentina e reproduzidas nas propriedades dos agricultores é "elevada, o que potencializou a vantagem quantitativa da semente geneticamente modificada".
Esta linguagem enrolada parece indicar que a produtividade foi mais alta do que nas variedades convencionais o que não se verificou em nenhum lugar do mundo. Os únicos testes comparativos de que se tem notícia no Brasil foram realizados pela Fundacep, do Rio Grande do Sul. Em todos os testes de campo, tanto as sementes de variedades transgênicas produzidas ilegalmente como as fornecidas pelas empresas tiveram resultados piores do que os das variedades convencionais, com uma diferença média da ordem de 13%. Os testes realizados nos Estados Unidos confirmam esta verdade com um diferencial de produtividade da ordem de 6,0% em média contra as variedades de soja transgênica no conjunto do país[ii].
Apesar deste comentário sobre a produtividade, o estudo da Céleres não atribui qualquer ganho de produtividade na soja RR quando faz seus cálculos sobre as "perdas". Esta é apenas uma dentre as muitas inconsistências do estudo.
A Céleres cita uma empresa inglesa de consultoria, a PG Economics, como fonte para afirmar que existe redução nos custos de produção da soja RR devido a uma diminuição da ordem de 53% no uso de herbicidas; de 3,06 kg/ha para 1,44 kg/ha. No estudo da PG Economics encontrado no seu site estes números simplesmente não existem. Ao contrário, na página 7 do mesmo se lê: "deve-se notar que em alguns países, como na América do Sul, a adoção da soja RR coincidiu com aumentos no volume de herbicidas empregados em relação aos seus níveis históricos".
Apesar da indicação acima sobre o aumento do uso dos herbicidas na América do Sul a PG Economics afirma que houve uma redução nos custos do uso de herbicidas no Brasil com a entrada da soja RR, redução de 73 dólares por hectare. Esta contradição não é explicada no texto, mas talvez os ingleses não saibam que o Brasil fica na América do Sul. Mas de onde tiraram esse dado?
A PG Economics não fez qualquer pesquisa no Brasil, ao contrário do que aparece no estudo da Céleres. Sua fonte de informação é uma publicação do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, o USDA. O Gain Report Br4629, de novembro de 2004, apresenta uma tabela comparativa entre os custos de produção da soja transgênica e da soja convencional apenas para a safra 2004/2005 e apenas para a região de Cascavel, no Paraná. Com base em dados tão parciais a consultora inglesa extrapola as supostas economias de 73 dólares por hectare para todo o Brasil e para todo o período de 1996 a 2006.
Mas de onde o USDA tirou o seu dado? A publicação americana cita o Deral, Departamento de Estudos rurais da Secretaria de Agricultura do Estado do Paraná, mas a tabela em questão simplesmente não existe no site do Deral.
Contas mirabolantes
Para confundir ainda mais o leitor é preciso dizer que o estudo da Céleres apresenta uma tabela onde a economia de custos conseguida com o uso de soja RR é de 35 dólares por hectare, em média, para todo o Brasil de 1996 a 2006, mais uma vez devida a uma redução de 50% na quantidade de herbicidas utilizada. A fonte é uma outra empresa, Arcádia Internacional, de origem belga. Nenhum dos textos obtidos no site da dita empresa, entretanto, permitiu identificar qual a fonte de informação utilizada para esta suposta redução do uso de herbicidas.
A Céleres não teve sequer o cuidado de incluir nas suas contas o custo da tecnologia transgênica, observação que a Arcádia faz na sua tabela. A Monsanto cobra 2% sobre o valor da saca de 60kg de soja entregue pelo agricultor. Hoje a saca tem um valor médio de 25 reais e a parte da Monsanto seria de 50 centavos por saca. Calculando uma produtividade de 50 sacas por hectare, o custo da tecnologia seria de 25 reais por hectare. Este valor é de aproximadamente 12,5 dólares por hectare, ou seja, no balanço entre a suposta economia de 35 dólares no uso de herbicidas e o aumento de custo de 12,5 dólares pelo uso da tecnologia, o resultado é uma redução no custo de produção da ordem de 22,5 dólares apenas, menos do que o mercado está pagando de prêmio de qualidade para a soja não transgênica _ 30 dólares por hectare para uma produtividade de 3000 kg/ha.
Em outras palavras, o que queremos dizer é que o estudo da Céleres não se sustenta porque está baseado no estudo da PG Economics que está baseado no boletim do USDA que está baseado em um estudo atribuído equivocadamente ao Deral e cujos critérios e fontes não podem ser verificados. Por outro lado, a citada tabela da Arcádia Internacional também não dá a fonte dos dados e a Céleres esqueceu de incluir o custo da tecnologia nas suas contas. O que temos aqui são puras especulações de "pesquisadores internacionais" que são citados pelos pesquisadores nacionais como fontes sérias e seguras e, com isso, busca-se impressionar o público leitor.
A notória inconsistência dos dados apresentados é perceptível para qualquer um que esteja familiarizado com o uso de herbicidas na agricultura. A mera idéia de que o dado de uso de herbicidas em um determinado ano possa ser extrapolado para dez anos já é um absurdo total.
O caso dos EUA
Na falta de qualquer estudo minimamente sério sobre a cultura de transgênicos no Brasil, penso que podemos olhar para os estudos realizados nos Estados Unidos e que cobrem quase o mesmo período daquele da consultora inglesa, nove anos desde 1996. Estes estudos, realizados pelo pesquisador norte americano Charles Benbrook usam dados oficiais do governo daquele país e uma metodologia que é apresentada de forma transparente em seus estudos[iii].
O estudo de Benbrook prova que o uso de soja RR nos Estados Unidos desde 1996 fez crescer e não diminuir o consumo de herbicidas em comparação com os cultivos de soja convencional. Trabalhando com médias nacionais, Benbrook mostra que em 1996, o primeiro ano de cultivo de soja RR nos EUA, a redução do uso de herbicidas foi da ordem de 30% enquanto no segundo ano a redução foi de 23% em comparação com a soja convencional. Em 1998, a comparação entre a soja RR e a soja convencional resultou em um consumo de herbicidas 6% maior para a primeira. Deste ano em diante, as diferenças de uso de herbicidas vão ficando cada vez maiores, chegando a soja RR a consumir 86% mais herbicidas do que a convencional no nono ano do cultivo, 2005.
O estudo de Benbrook sobre milho e algodão resistentes a herbicidas segue o mesmo padrão, com 20% e 56% de uso de herbicidas a mais nos produtos transgênicos ao final de nove anos de cultivos.
Como é possível que os dados sejam tão discrepantes? Haverá realmente ou terá havido uma redução no uso de herbicidas pelo emprego de soja transgênica no Brasil? Pelo padrão exposto pelo pesquisador americano é provável que no início tenha havido uma redução de uso que, junto com a maior facilidade na aplicação dos herbicidas, tenha provocado o entusiasmo dos agricultores do Rio Grande do Sul em relação a esta tecnologia. Mas é impossível que os dados econômicos e agronômicos tenham se mantidos neste patamar ótimo entra ano e sai ano desde 1996. Já se fala em resistência das ervas invasoras ao uso do Roundup crescendo no RS há alguns anos. As estatísticas sobre o uso de herbicidas no RS, embora não detalhadas por cultura apontam para um forte crescimento no consumo que coincide com a expansão da área com cultura de soja RR naquele estado.
A hipótese mais provável é que a forte redução nos preços do glifosato, com o fim da patente da Monsanto junto com a súbita queda no valor do real em 1999, tenha mascarado as contas dos agricultores. Com o glifosato até 50% mais barato de um ano para outro, usar mais herbicida não aumentou os custos de produção quando comparados com os anos anteriores. Com o dólar quase dobrando também de um ano para outro, os sojicultores do RS tiveram ganhos tão significativos que certamente lhes pareceu justificar até um uso maior de herbicida para ter mais facilidade no controle de invasoras. Daí a se afirmar que o país perdeu bilhões por não ter usado soja RR mais cedo vai uma leviandade que beira a má fé.
Se as tendências constatadas por Benbrook para os Estados Unidos se confirmam para o Brasil _ e não há porque haver diferenças significativas entre os dois casos _ o "atraso" na regulamentação da soja RR em nosso país representou uma forte economia de custos, de cerca de dois bilhões de dólares, e não uma perda de 4,6 bilhões como especula o estudo da Céleres.
Está na hora de se fazer um estudo a sério sobre os custos de produção da soja RR no Brasil e suspender as operações de marketing com cálculos mirabolantes sem base na realidade após dez anos de produção no Rio Grande do Sul. O estudo da Céleres, assim como o da inglesa PG Economics ou o da belga Arcádia em que o primeiro se baseia, é totalmente inconsistente.
* Jean Marc von der Weid é economista e coordenador da AS-PTA (Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa) aspta@aspta.org.br
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Informativo Fundacep. ANO XI, nº 14, Agosto/2004.[ii] ELMORE, R.W. et al. Glyphosate-resistant soybean cultivar yields compared with sister lines. Agronomy Journal, 93408-412, 2001.
[iii] Genetically Engineered Crops and Pesticide Use in the United States: The First Nine Years. Charles M. Benbrook, BioTech InfoNet, Technical Paper Number 7, October 2004. Disponível em: http://www.biotech-info.net/Full_version_first_nine.pdf

domingo, setembro 02, 2007

Terra incógnita


A solidão de Bush, o fracasso dos falcões e o desinchar das bolhas econômicas norte-americanas redefinem a política norte-americana e mundial.
Jorge Beinstein

Ainda que lhe falte mais de um ano para abandonar a Casa Branca, a situação atual de Bush é a de um presidente em estado terminal. O fustigamento parlamentar da oposição aumenta a cada semana, seus aliados republicanos vão-no abandonando um após o outro, seu assessor estrela Karl Rove desertou, a bolha imobiliária continua a desinchar assinalando um futuro obscuro para a economia norte-americana e provocando sucessivas sacudidas bursáteis globais. O seu companheiro de aventuras, Tony Blair, deixou o cargo de primeiro-ministro na Grã-Bretanha – o que em Washington gera crescentes temores acerca de um possível deslizamento dos ingleses em direção à União Europeia, enfraquecendo seus laços atlânticos e tomando distância da estratégia euro-asiática dos falcões [1]. Além disso, começaram a circular declarações de funcionários e "filtrações" midiáticas quanto a cenários elaborados no Pentágono de retirada rápida das tropas estado-unidenses do Iraque [2]. Nesse nível e no conjunto do sistema de poder dos Estados Unidos já quase ninguém põe em dúvida o fracasso da aventura iraquiana e enquanto o setor mais extremista dos falcões sonha com algum ”golpe de força” milagroso dentro do Iraque ou por meio de um ataque contra o Irã, o Império esboça recuos que lhe permitam preservar a sua presença no Oriente Médio. As vendas maciças de armas aos regimes amigos da região é um dos meios empregados. O governo estado-unidense acaba de acordar vendas de 20 bilhões de dólares aos estados do Golfo (incluídos 10 bilhões para a Arábia Saudita), 30 bilhões de dólares para Israel e 13 bilhões de dólares para o Egito. Combinando ”interesses estratégicos” dos Estados Unidos e interesses comerciais das empresas beneficiadas com essas vendas [3], obviamente os funcionários envolvidos no negócio receberão as "recompensas" correspondentes (curiosa mistura de corrupção e fanatismo imperialista).
Por outro lado, acumula apoios no establishement o chamado plano Biden-Gelb de dividir o Iraque em três partes (uma sunita, outra xiita e uma terceira curda) o que implica o êxito (nada assegurado) da estratégia de guerra étnica desenvolvida pelos ocupantes. A concretização do plano lhes permitiria (em teoria) retirar-se com relativamente poucas baixas uma vez que a resistência iraquiana ficaria submersa num oceano de conflitos locais. Em meados do ano passado o senador democrata Joseph Biden e Leslie Gelb, presidente emérito do Council on Foreign Relations, publicavam no New York Times um texto pejado de cinismo onde, tomando como precedente o ”exitoso” desmembramento da Jugoslávia, propunham esquartejar o Iraque. A completar o coro sinistro, nada menos que David Walker, titular do "Government Accountability Office", pronunciou em 7 de Agosto último uma conferência na qual traçou o paralelo entre a decadência do império romano e a situação atual dos Estados Unidos [4].
As duas bolhas imperiais estão a desinchar ao mesmo tempo: a bolha financeira centrada no mercado imobiliário (ainda que as suas consequências sejam muito mais amplas) e a borbulha militar apoiada nas guerras do Iraque e do Afeganistão (passo decisivo na delirante estratégia de conquista da Eurásia). A interação entre ambos os fracassos é evidente, surgem como os aspectos mais visíveis, por agora, da degradação geral da sociedade norte-americana que não pode ser compreendida senão na sua totalidade. Desse modo é possível explicar comportamentos setoriais (militares, políticos, financeiros e outros) aparentemente desmesurados, incoerentes, às vezes abertamente estúpidos, mas que integram uma dinâmica superior marcada pela decadência. E como os Estados Unidos constituem a espinha doente e a cabeça enferma do capitalismo mundial o seus tremores afetam (exprimem) o conjunto do sistema. É por isso que as interrogações sobre o seu futuro têm alcance planetário.
Contra-ataque imperial?
A primeira interrogação refere-se à possibilidade de um contra-ataque do Império. Poderíamos supor que os falcões encurralados estariam tentados a desencadear algum golpe de sorte procurando reverter a péssima situação atual. Durante todo o ano passado esta hipótese adquiriu certa verossimilhança. A crescente agressividade da Casa Branca para com o Irã, o seu compromisso com a invasão militar israelense do Líbano, seus atos hostis contra a Rússia levavam a pensar numa aventura militar em marcha. Alguns autores faziam-nos recordar histórias de outros tempos, como a invasão do Canal de Suez em 1956 por parte da França e da Inglaterra, dois impérios coloniais em declínio cujos dirigentes haviam perdido a percepção da realidade, o que os conduziu ao fracasso. Segundo Michael Klare, as elites imperiais decadentes costumam tomar decisões descabeladas uma vez que super-estimam o seu poderio (declinante), subestimam o poder (ascendente) dos seus inimigos e finalmente perdem as estribeiras diante de reais ou supostos desafios destes últimos [5]. Ingleses e franceses acreditavam naquela época que podiam vergar Nasser facilmente, do qual não aceitavam as reivindicações nacionalistas, mas o mundo havia mudado e os estados colonialistas sofreram uma humilhante derrota política. Agora os Estados Unidos encontrar-se-iam diante de uma situação semelhante: negar-se-iam a registrar a magnitude, a importância (geo)estratégica da sua derrota no Iraque e o fato de que a sua gigantesca maquinaria bélica está a perder rapidamente a capacidade de dissuasão que tinha na década passada. Além disso, o caos financeiros em que estão submersos os impediria de perceber que perdem peso econômico global e que o seu endividamento vertiginoso torna-os mais dependente da rede financeira internacional e das decisões monetárias da União Européia, do Japão e da China.
De qualquer forma, o rápido enfraquecimento do governo Bush vai reduzindo a sua capacidade operacional e é muito provável que essa tendência se acentue nos próximos meses (o que não elimina completamente a possibilidade de uma agressão imperial desesperada, como demonstra a sua recente fanfarronada quando declarou como organização terrorista os ”Guardas da Revolução” do Irã).
Entretanto, é necessário para além do bunker de Bush e do aspecto exclusivamente militar do tema. O ”complexo industrial-militar” tradicional mudou muito nos últimos anos. Atualmente faz parte de uma rede de interesses mais ampla e mais complexa que abrange também negócios financeiros, energéticos, de segurança privada, etc. Trata-se de um sistema muito concentrado que (sobretudo) a partir do fim da guerra fria conseguiu capturar o grosso da elite política norte-americana. Um dos pilares da referida cooptação foi a ascensão hegemônica de uma ”cultura” financeiro-mafiosa claramente parasitária. Prisioneira de visões simplistas, deslumbrada pelo gigantismo do mega aparato militar de cujas alturas o ”inimigo” (por exemplo: as populações do Iraque ou do Irã) é visto como um pequeno objeto, um modesto formigueiro que pode ser manipulado ou exterminado à vontade. Acrescentemos a isto que apesar de os candidatos à presidência do Partido Democrata criticarem Bush pelo desenvolvimento da guerra no Iraque não deixam de mostrar as suas presas nos casos do Irã ou do Paquistão-Afeganistão [6].
Também poderíamos abordar o tema na óptica da deformação "financeira" da realidade, que gera imagens fantasiosas em que enormes massas de fundos derrubam todos os muros culturais e políticos.
Num caso (militarismo) a realidade é simplificada ao extremo sob o convencimento de que a força bruta pode tudo, no outro (visão mercantil do mundo) a deformação não é menos grosseira ("o poder do dinheiro é irresistível"). Em princípios do século XXI encontramo-nos perante a degeneração integral da elite dominante (central) do mundo, que combina o mais elevado refinamento consumista e tecnológico com o primitivismo intelectual. Não é a primeira vez que isto se verifica na história humana.
A minha conclusão é que o militarismo imperial-mafioso não tem porque desaparecer com Bush. Ele foi gestado durante um prolongado período anterior (marcado durante a década passada pela primeira Guerra do Golfo, pelos intermináveis bombardeios sobre o Iraque, pela guerra do Kosovo, o desenvolvimento incessante de bolhas especulativas, etc) e tem sólidas raízes entre os dirigentes dos partidos democrata e republicano.
Por outro lado, sua dependência energética obriga o capitalismo norte-americano a pressionar cada vez mais os países possuidores dos referidos recursos. Não se trata só da sua declinante produção petrolífera confrontada com recursos globais que tenderão a diminuir no curto prazo. Trata-se também da ”solução” (parcial, efêmera) encontrada: os biocombustíveis, cuja expansão significaria de fato a apropriação de vastas extensões territoriais da periferia, reduzindo drasticamente os fornecimentos alimentares desta última. Em ambos os casos o Império, comportando-se como um vampiro, para sobreviver ”necessita” depredar cada vez mais o mundo subdesenvolvido e disputar essas presas às outras potências (União Européia, Japão, China). Na realidade, a irrupção dos biocombustíveis impulsiona o Império a uma recomposição estratégica focando novos espaços, ou melhor, reclassificando na sua hierarquia de interesses certas zonas da periferia. Economias agrícolas subdesenvolvidas antes colocadas num segundo plano estão a passar ao primeiro nível na escala de prioridades. É o caso das grandes extensões de terras férteis da América Latina.
Outros impérios?
Não é demasiado insistir em que a crise norte-americana não pode ser entendida se não a assumirmos como parte de um fenômeno mais amplo, mundial. O chamado processo de "globalização" que se desenvolveu a partir da década de 1970, chegando ao seu momento de vitória nos anos 1990 (sob a hegemonia financeira e estado-unidense), impôs a articulação de uma rede densa de interdependências econômicas entre os países centrais que capturou o conjunto da periferia. O extravasamento financeiro, que inclui endividamentos públicos e privados colossais tanto nos países centrais como nos periféricos e o saque destes últimos, foi a resultante de uma crise crônica de super-produção que se prolonga desde há pouco menos de quatro décadas [7].
Também deve se assinalado que a hegemonia norte-americana, sobretudo nos anos 1990 e até a atualidade, assume um aspecto duplo: por um lado é a de uma potência que opera como mega-sujeito (parasita) da economia global, impondo seus privilégios consumistas ao resto do mundo do qual extrai bens e serviços em troca de papéis-dólares que se foram desvalorizando. Mas também se trata de uma enorme lixeira mundial para onde se dirigem fundos e mercadorias que a crise de super-produção não permitia colocar em nenhum outro mercado comparável. As burguesias do Japão, Alemanha, Coréia do Sul ou China não fizeram senão conceder uma espécie de "crédito" muito suave e por tempo indefinido ao seu grande cliente. Os chineses e os japoneses acumularam gigantescas ”reservas” em dólares ou títulos do Tesouro dos Estados Unidos em troca das suas mercadorias, os europeus colocaram nos Estados Unidos enormes excedentes financeiros, e assim o fizeram também países petrolíferos como a Arábia Saudita.
Dito de outro modo, os Estados Unidos são ao mesmo tempo parasitas e tábua de salvação do capitalismo mundial, do qual absorvem toda classe de excedentes financeiros e produtivos. A dívida total dos norte-americanos, pública e privada, aproxima-se dos 50 bilhões de dólares (ultrapassa o Produto Bruto Mundial). Dela, 10 bilhões correspondem a dívida para com credores externos [8].
As turbulências financeiras de Agosto de 2007, centradas nos males da economia norte-americana, arrastaram bolsas e bancos da Europa e da Ásia e assim continuará a acontecer no futuro. Trata-se de um único navio global à deriva, ainda que a sua tripulação seja bastante heterogênea, o que gera uma imagem confusa de acordos e rivalidades, tropeços e ações concertadas.
Recentemente os chineses ameaçaram os norte-americanos com a chamada ”opção nuclear” (desdolarizar as suas reservas) se estes últimos chegassem a adotar medidas comerciais protecionistas contra a indústria chinesa. Mas se esta ameaça se concretizasse, verificar-se-ia uma queda financeira planetária da qual ninguém ficaria a salvo (em primeiro lugar a própria China, cujo sistema depende da sua dinâmica exportadora).
A União Européia (o duo França-Alemanha) não simpatiza com a invasão estado-unidense do Iraque mas não deseja uma derrota do Império, que poderia redundar numa perda de controle quase completa do Oriente Médio por parte do Ocidente. A China manifestou a sua oposição à aventura iraquiana, mas as suas compras maciças de títulos do Tesouro dos EUA serviram para financiar essa guerra. A Rússia levanta o seu punho militar respondendo à hostilidade norte-americana e ameaça os satélites europeus da super-potência (e de vez em quando lança algum grunhido aos outros estados europeus, tentando condicioná-los). Contudo, o renascimento russo depende das suas exportações energéticas, dependentes por sua vez da saúde da economia internacional e sobretudo dos seus clientes da Europa. Ainda que se os russos olharem para o Leste (tentando diversificar mercados) encontrar-se-ão com a China e o Japão, dependentes do poder de compras dos Estados Unidos.
As grandes potências estão condenadas a lutar entre si e ao mesmo tempo realizar acordos destinados à sobrevivência comum. Duas conclusões surgem de imediato: primeiro, o declínio econômico e político dos Estados Unidos afeta negativamente as demais potências e, em consequência, esse fato inevitável acabará por debilita-los a todos. Segundo, o desenvolvimento do processo geral de degradação fará cada vez mais necessários e difíceis os acordos financeiros, comerciais e políticos entre os países centrais. É evidente que o futuro não copiará o século XX, quando o declínio do Império inglês abriu caminho para a ascensão dos Estados Unidos e da Rússia. Proporá, sim, diferentes cenários de despolarização ou multipolaridade frouxa (mais ou menos caóticos ou efêmeros).
A crise
A terceira interrogação refere-se à duração e intensidade da crise atual. O pensamento conservador é teimoso e insiste em negar a realidade. Em fins da década passada afirmava que nos encontrávamos em meio a uma grande reconversão positiva do capitalismo, quando a simples observação dos fatos nos indicava extravasamento de uma maré financeira. Agora, quando a economia mundial se encontra submersa num oceano de bolhas especulativas e sob a ameaça de uma penúria energética grave, afirma que a crise se trata apenas do desinchar da bolha imobiliária norte-americana e dos seus "danos colaterais", e que logo (muito logo) será superada graças ao funcionamento do "mercado" e às sábias intervenções dos bancos centrais das grandes potências.
Mas a realidade é muito mais teimosa do que essa gente. Esta crise não nasceu em 2007, ela vem de longe. Desde os princípios da década passada as bolhas e turbulências financeiras internacionais sucederam-se uma atrás da outra. Ao mesmo tempo, a massa financeira global foi crescendo em progressão geométrica. Dívidas públicas e privadas, hipertrofias bursáteis, negócios com "produtos derivados" foram-se expandindo muito mais além do ritmo de crescimento da economia real. Por exemplo: os negócios com ”produtos financeiros derivados” representavam por volta do ano 2000 cerca de duas vezes o Produto Mundial Bruto. Em 2006 eram oito vezes maiores. Se extrapolarmos a sua taxa de expansão média do último lustro, em 2010 essa massa especulativa representaria 16 vezes o Produto Mundial Bruto.
Por trás do fenômeno financeiro encontra-se a crise de super-produção crônica que atravessa a economia global. A qual encontrou uma "via de escape" (uma droga milagrosa) nas atividades especulativas, vistas como espinha dorsal de um sistema de saque que, sob o discurso do "neoliberalismo", destruiu (devorou) boa parte das economias periféricas e reconverteu ao parasitismo os núcleos hegemônicos do capitalismo. Mas essa via não é infinita. A expansão da massa financeira pode ser emplastrada a seguir a cada turbulência, mas finalmente a metástase acaba por danificar o conjunto do sistema, torna-lo inviável.
Ainda que isso não seja tudo, a crise crônica de super-produção converge com a fase declinante de um ciclo muito mais longo, o da exploração dos recursos energéticos não renováveis, pilar decisivo da dinâmica do desenvolvimento industrial capitalista que lhe permite concretizar a sua reprodução ampliada de acordo com a sua própria lógica, autonomizada dos ritmos da natureza, ou seja, oposta à mesma (e saqueadora da mesma). Em resumo, o que estamos agora a experimentar é a convergência histórica de duas grandes crise: a de superprodução (que chega à sua etapa de turbulência aguda) e a de subprodução ou penúria produtiva centrada, numa primeira fase, na área energética mas que (mediante os biocombustíveis) começa a estender-se ao setor alimentar.
A crise financeira puxa em direção à recessão e a penúria energética exerce pressões inflacionárias. Nos anos 1970 verificou-se uma pequena antecipação do fenômeno, que foi chamado "estagflação". O termo é demasiado suave para o que vem aí.
27/Agosto/2007

Notas(1) John Bolton, "Britain can't have two best friends",Financial Times,July 31 2007.
(2) Sarah Baxter, "US braced for bloody pull-out",TimesOnline,July 29, 2007
(3)Dan Glaister, "US accused of fuelling arms race with $20bn Arab weapons sale",The Guardian,July 30, 2007.
(4) David Walker, "Transforming Government to Meet the Demands of the 21st Century", http:// www.gao.gov/htext/d071188cg.html
(5) Michael T Klare, "Beware empires in decline",AsiaTimes,Oct 19, 2006.
(6) Axel Brot, "Germany, the re-engineered ally",AsiaTimes,Aug 8, 2007.
(7) Alguns autores, como Ernest Mandel, colocam a sua data de nascimento em 1968 (combinando sintomas económicos com rupturas político-culturais).
Outros localizam-na em 1971, quando os Estados Unidos renunciaram ao padrão dólar-ouro – o que coincidiu com o começo do declínio da sua produção petrolífera. Outros ainda em 1973-1974 quando estala a crise petrolífera internacional e se desencadeia um processoestagflacionário.
(8) Michael Hodges, "America's Total Debt Report", http:// mwhodges.home.att.net/nat-debt/debt-nat.htm.
Jorge Beinstein é Economista, argentino, jorgebeinstein@yahoo.com
O original encontra-se em http://alainet.org/active/19250&lang=es
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/