especial para a Folha Online
Revi estes dias o antológico "A Batalha de Argel"* (Argélia/Itália, 1965) e não pude deixar de associar as clássicas cenas produzidas há 40 anos, às imagens dos noticiários sobre os territórios ocupados por Israel na Cisjordânia e na faixa de Gaza.
Podemos identificar procedimentos que parecem quase que transplantados de um cenário a outro: as imagens dos "checkpoints" [postos de checagem], em que os argelinos são revistados e os franceses caucasianos saudados pelos soldados, a utilização de mulheres e crianças como elementos de dispersão do potencial de ameaça.
Lembro-me muito bem do choque com que reagiu a sociedade israelense [e seus serviços de segurança] quando se explodiu a primeira mulher-bomba, alterando radicalmente o tratamento às mulheres palestinas nos postos de controle.
Assim, o filme nos mostra também uma prévia do que viriam a ser os atentados suicidas dos últimos anos. Ainda que por duas décadas os terroristas palestinos tenham se preservado, seqüestrando aviões e tentando escapar com vida de suas audazes ações, já em "A batalha de Argel" temos cenas em que a bomba entregue aos soldados mata também os militantes da Frente de Libertação Nacional (FLN), e a ambulância, utilizada para metralhar e depois atropelar o máximo possível de civis, lança-se finalmente contra um muro provavelmente matando seus dois ocupantes.
As cenas dos árabes-argelinos sendo questionados a respeito de sua ida à praia não podem deixar de ser associadas ao júbilo dos palestinos comemorando o acesso às praias de Gaza, a eles vedadas por quase 40 anos. E as bombas explodindo nos cafés e bares apinhados de franceses em nada diferem dos atentados cometidos contra estabelecimentos similares em Tel Aviv, Jerusalém ou Netanya.
Mas o que mas impressiona talvez seja a lição que fica da seqüência de cenas de horror.
A tortura continua sendo instrumento amplamente utilizado, baseada na alegação de que está sendo travada uma guerra sem trégua entre as partes.
A insurreição da FLN foi derrotada, assim como a Intifada [revolta palestina contra a ocupação israelense], pelo eficiente trabalho da inteligência militar e de uma eliminação da liderança rebelde através de "assassinatos seletivos".
A pergunta do tenente-coronel Mathieu, se os franceses querem continuar na Argélia, é a que determina o desfecho deste drama: no momento em que a percepção de viabilidade mudou, encerrou-se também a campanha militar.
Assim, os israelenses retiraram-se de Gaza quando a liderança civil concluiu que a continuação da ocupação tornava-se insustentável e, provavelmente, tomará a mesma atitude nas áreas da Cisjordânia em que não puder ser criada contigüidade consistente com o território dentro da chamada Linha Verde [a fronteira entre a Cisjordânia e Israel].
E, mais que como resultado de atos terroristas e uma revolta armada, a insatisfação e frustração de milhões de palestinos certamente levará os israelenses a optarem por uma dissociação, clara e definitiva para que os dois povos possam finalmente viver lado a lado, em harmonia ainda que não em paz.
* O filme de 1966 conta, do ponto de vista dos argelinos, vencedores da Guerra de Independência contra a França colonial, como se desenvolveu a luta da FLN contra o as forças de ocupação até sua vitória em 1962.
Podemos identificar procedimentos que parecem quase que transplantados de um cenário a outro: as imagens dos "checkpoints" [postos de checagem], em que os argelinos são revistados e os franceses caucasianos saudados pelos soldados, a utilização de mulheres e crianças como elementos de dispersão do potencial de ameaça.
Lembro-me muito bem do choque com que reagiu a sociedade israelense [e seus serviços de segurança] quando se explodiu a primeira mulher-bomba, alterando radicalmente o tratamento às mulheres palestinas nos postos de controle.
Assim, o filme nos mostra também uma prévia do que viriam a ser os atentados suicidas dos últimos anos. Ainda que por duas décadas os terroristas palestinos tenham se preservado, seqüestrando aviões e tentando escapar com vida de suas audazes ações, já em "A batalha de Argel" temos cenas em que a bomba entregue aos soldados mata também os militantes da Frente de Libertação Nacional (FLN), e a ambulância, utilizada para metralhar e depois atropelar o máximo possível de civis, lança-se finalmente contra um muro provavelmente matando seus dois ocupantes.
As cenas dos árabes-argelinos sendo questionados a respeito de sua ida à praia não podem deixar de ser associadas ao júbilo dos palestinos comemorando o acesso às praias de Gaza, a eles vedadas por quase 40 anos. E as bombas explodindo nos cafés e bares apinhados de franceses em nada diferem dos atentados cometidos contra estabelecimentos similares em Tel Aviv, Jerusalém ou Netanya.
Mas o que mas impressiona talvez seja a lição que fica da seqüência de cenas de horror.
A tortura continua sendo instrumento amplamente utilizado, baseada na alegação de que está sendo travada uma guerra sem trégua entre as partes.
A insurreição da FLN foi derrotada, assim como a Intifada [revolta palestina contra a ocupação israelense], pelo eficiente trabalho da inteligência militar e de uma eliminação da liderança rebelde através de "assassinatos seletivos".
A pergunta do tenente-coronel Mathieu, se os franceses querem continuar na Argélia, é a que determina o desfecho deste drama: no momento em que a percepção de viabilidade mudou, encerrou-se também a campanha militar.
Assim, os israelenses retiraram-se de Gaza quando a liderança civil concluiu que a continuação da ocupação tornava-se insustentável e, provavelmente, tomará a mesma atitude nas áreas da Cisjordânia em que não puder ser criada contigüidade consistente com o território dentro da chamada Linha Verde [a fronteira entre a Cisjordânia e Israel].
E, mais que como resultado de atos terroristas e uma revolta armada, a insatisfação e frustração de milhões de palestinos certamente levará os israelenses a optarem por uma dissociação, clara e definitiva para que os dois povos possam finalmente viver lado a lado, em harmonia ainda que não em paz.
* O filme de 1966 conta, do ponto de vista dos argelinos, vencedores da Guerra de Independência contra a França colonial, como se desenvolveu a luta da FLN contra o as forças de ocupação até sua vitória em 1962.
Samuel Feldberg é doutor em Ciência Política pela USP (Universidade de São Paulo), membro do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional (Gacint) da USP e professor das Faculdades Integradas Rio Branco.
A questão dos refugiados palestinos
Nelson Bacic Olic
30/11/2001 As recentes declarações dos governos norte-americano e de países europeus favoráveis à criação de um Estado palestino, colocaram novamente em evidência esta questão que se arrasta sem solução há mais de cinqüenta anos e que tinha sido, até certo ponto, obscurecida pela seqüência de acontecimentos decorrentes do atentado de 11 de setembro. Atualmente podem ser listados cinco problemas principais como aqueles que se caracterizam como obstáculos para que se encontre uma solução, pelo menos satisfatória, para a chamada Questão Palestina: a definição das fronteiras do futuro Estado palestino, o estatus político da cidade de Jerusalém, o desmantelamento das colônias e assentamentos judaicos nos territórios ocupados da Cisjordânia e Faixa de Gaza, a soberania sobre os recursos hídricos da Cisjordânia e a questão dos refugiados palestinos. Neste artigo, será dado destaque a esta última questão.Estima-se que existam atualmente cerca de 3,8 milhões de refugiados palestinos vivendo em países árabes próximos. Esses refugiados foram expulsos ou tiveram que fugir de suas casas por conta dos conflitos que aconteceram a região especialmente em 1948 e 1967.Ao findar a Segunda Guerra Mundial, a Palestina, região histórico-geográfica de 27.000 km2 (pouco menor que o estado de Alagoas), localizada no Mediterrâneo Oriental, era um território administrado pela Grã Bretanha. Em 1947, o governo britânico sentindo-se incapaz de preservar sua dominação sobre a área, anunciou que se retiraria da região em maio de 1948. Ao mesmo tempo deixava para a ONU (Organização das Nações Unidas) a função de definir o futuro da Palestina.Naquela época, a população total da Palestina era estimada em cerca de 2 milhões de habitantes, sendo que as pessoas origem judaica correspondiam quase a 600.000 pessoas, isto é, aproximadamente 30% do efetivo demográfico. O restante da população era composta, em sua imensa maioria, por indivíduos de origem árabe.A comissão da ONU incumbida de estudar a situação gerada pela retirada britânica, propôs, sem qualquer consulta à população ali residente, um plano de partilha da Palestina em um Estado judeu e outro árabe; a cidade de Jerusalém, dada sua importância religiosa, teria uma administração internacional. Em seguida, a Assembléia Geral da ONU, reunida em novembro de 1947, aprovava a proposta da comissão.Antes dessa aprovação, tanto os árabes da Palestina quanto os dos países vizinhos já tinham advertido que, caso o plano de partilha fosse aceito, eles iriam à guerra, fato que realmente acabou ocorrendo. O conflito que se estenderia do início de 1948 ao primeiro semestre do ano seguinte, terminou com a vitória das forças do recém-criado Estado judeu, Israel, sobre seus inimigos árabes. O resultado desse conflito não só inviabilizou a criação de um Estado árabe na Palestina como fez surgir o drama dos refugiados árabes da região, que desde então passaram a ser denominados palestinos.Quando o conflito se iniciou, viviam na Palestina cerca de 1,4 milhão de palestinos. Ao término da guerra, em 1949, pouco mais da metade desse número havia deixado suas casas. Expulsos de suas terras, segundo os árabes e instigados pelos seus líderes, segundo as autoridades israelenses, essa fuga maciça de pessoas é até hoje motivo de acaloradas controvérsias.Essa diáspora palestina resultante do conflito, acabou se estabelecendo na Cisjordânia (que ao final da guerra havia passado ao controle da Jordânia), na Faixa de Gaza (sob o controle egípcio) e em países árabes vizinhos (Síria, Líbano e Iraque principalmente). Quando término do conflito, havia alguma esperança de que esses refugiados pudessem retornar aos seus lares, mas o governo israelense sistematicamente recusou em aceita-los. Quando essa esperança foi perdida, a Assembléia Geral da ONU criou um Organismo de Ajuda e de Trabalho das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos, cuja sigla em inglês é UNRWA.De acordo com esse organismo, foi classificado como “refugiado da Palestina” todo o indivíduo que, “no momento do conflito de 1948, residia na Palestina pelo menos há dois anos e que, em conseqüência da guerra, perdeu sua casa e meios de subsistência”. Essa categoria foi estendida também aos filhos e netos dos refugiados.Em 1967, durante a Guerra dos Seis Dias, aconteceu um outro grande êxodo de palestinos. Neste conflito Israel conquistou, entre outros territórios, a Faixa de Gaza e a Cisjordânia. Essas conquistas israelenses levaram a uma fuga de quase 400.000 palestinos, especialmente da Cisjordânia para a Jordânia. O resultado dessas duas expulsões foi a criação de cerca de 60 campos de refugiados espalhados pela Jordânia, Cisjordânia, Líbano, Faixa de Gaza e Síria, onde vive atualmente, cerca de 40% da população palestina no Oriente Médio. Os campos no Líbano têm apenas refugiados de 1948. Já aqueles situados na Síria, Gaza, Cisjordânia e Jordânia, abrigam refugiados das fugas de 1948 e de 1967.Do ponto de vista legal, a situação dos refugiados nos países árabes é diversa. Dois diferentes grupos de países árabes acolheram a diáspora palestina. No primeiro círculo de países estão a Jordânia, o Egito, a Síria e o Líbano e, no segundo, países árabes localizados um pouco mais distantes da Palestina como o Iêmen, o Sudão, a Argélia, a Tunísia, a Líbia e o Iraque.Do primeiro grupo de países, a Jordânia foi aquele que acolheu o maior número de palestinos. Num primeiro momento, o governo jordaniano os considerou como estrangeiros passíveis de assimilação. Muitos palestinos se naturalizaram jordanianos. Todavia, no final dos anos 1960, organizações palestinas tornaram-se uma espécie de poder paralelo ao governo do país, fato que acabou resultando num sangrento confronto em 1970, fato que passou para a história com o nome de Setembro Negro. Por conta desse conflito, milhares de palestinos tiveram que buscar refúgio em países vizinhos, especialmente no Líbano, de onde seriam novamente expulsos quando da invasão israelense em 1982.O Líbano, outro país que recebeu um grande número de refugiados, os palestinos foram dotados de “documentos de viagem”, e nunca foram considerados como moradores permanentes. Neste país os palestinos participaram direta e indiretamente, da longa e sangrenta guerra civil (1975/1990) e suas organizações foram inúmeras vezes atacadas por Israel e seus aliados no Líbano.A questão do retorno dos refugiados só foi discutida seriamente pela última vez ao longo dos primeiros meses do ano passado, quando Ehrud Barak ainda era primeiro-ministro de Israel. Naquela ocasião, Israel aparentemente estaria disposto a receber um número muito reduzido de refugiados e dar a eles uma pequena indenização.Em dezembro de 1948, a Assembléia Geral da ONU, em sua resolução 194, estipulava que: “... aos refugiados que desejarem devem ser permitidos de retornar aos seus lares o mais rápido possível e de viverem em paz com os seus vizinhos, e devem ser pagas indenizações a título de compensação pelos bens daqueles que decidirem não regressar aos seus lares e por todo o bem perdido ou danificado, uma vez que, em virtude dos princípios do Direito Internacional, tal perda ou dano devem ser reparados pelos governos ou autoridades responsáveis”.Dentro da ótica israelense, não aceitar a volta de parcela significativa dos mais de 3,5 milhões de refugiados palestinos envolve dois problemas cruciais: um, de ordem econômica, refere-se aos custos das eventuais indenizações. O outro, é de caráter demográfico: supondo-se que a uma parcela significativa de refugiados fosse dado o direito de retorno, em pouco tempo, as pessoas de origem judaica na Palestina seriam suplantadas em número pelas de origem palestina.
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