quarta-feira, janeiro 04, 2006

Índia: conflitos internos e projeções geopolíticas

Nelson Bacic Olic

16/5/2005
Quando se fala em tensões geopolíticas e conflitos que afligem a Índia, o primeiro nome que aparece é o da Cachemira. Na década de 1980, destacava-se também a revolta dos sikhs na região do Punjab. Todavia, há poucas referências aos conflitos e tensões que afetam o nordeste da Índia que, sob certos aspectos, também ameaçam a integridade territorial do país.O nordeste, da Índia área que abrange um território de 255 mil km2 (pouco maior que o Piauí), corresponde a um espaço quase isolado do resto do país visto estar “cercado” por países vizinhos (Bangladesh, Mianmar, China e Butão). Na verdade, a região é uma zona de transição entre o subcontinente indiano, a Ásia de Sudeste e o mundo chinês e está conectada à Índia através de um corredor que, em sua parte mais estreita, tem apenas 32 km.Embora essa porção do continente indiano seja conhecida de forma genérica pelo nome de Assam, ela é constituída por sete estados da União Indiana: Assam, Manipur, Megalaia, Mizoran, Nagaland, Tripura e Arunachal Pradesh. Esse espaço apresenta grande complexidade etno-cultural, sendo sob este aspecto uma espécie de Índia em miniatura, concentrando numa superfície reduzida do país (8% do território) graves contradições e divisões.Do ponto de vista natural, a região apresenta três áreas bem distintas: os contrafortes do conjunto himalaiano ao norte, as cadeias montanhosas indo-birmanesas a leste e o médio vale do rio Bramaputra. Esta última área é o eixo vital de toda a região e foi ao longo do tempo o corredor de penetração do mundo indiano em direção à Ásia de Sudeste. Junto ao vale desse importante curso fluvial são encontrados os maiores adensamentos populacionais da região.Com cerca de 25 milhões de habitantes, essa região da Índia é local de encontro de diferentes culturas que mantém entre si um equilíbrio bastante delicado. São ali encontradas culturas com características tipicamente ”himalianas” como a tibetana e nepalesa, ao lado de grupos marcadamente hindus como o hindi e o bengali. Além disso, a heterogeneidade é ainda mais acentuada pela presença de cerca de 300 grupos tribais, muito diferenciados quanto à sua origem étnica, identidade lingüística e diversidade religiosa.Sob o ponto de vista religioso existem nessa área populações que professam o budismo, o hinduísmo, o islamismo, o cristianismo e até grupos ligados à crenças ancestrais (animistas). Essa enorme diversidade humana é resultado de uma evolução histórica marcada por invasões, assimilações e migrações. Nas últimas décadas sucessivas ondas migratórias, oriundas especialmente de Bangladesh, vieram complicar ainda mais a situação regional.Ao longo do século XX, a região nordeste da Índia teve um crescimento demográfico cerca de três vezes superior às médias registradas no país. Esse alto crescimento demográfico ocorreu não só por conta de um alto crescimento vegetativo, mas também pela chegada de importantes levas de imigrantes. Mesmo antes da independência da Índia (1947), os britânicos já haviam estimulado o fluxo de pessoas da Índia central e oriental (atual Bangladesh) para servir de mão-de-obra nas plantações de chá que se desenvolveram na região do Assam.Após a independência, outras levas migratórias ocorreram como resultado da combinação de vários fatores entre os quais as altas taxas de crescimento demográfico e a intensa ocupação humana do baixo curso dos rios Bramaputra e Ganges (em Bangladesh). Para se ter uma idéia, as densidades demográficas nessas regiões é de cerca de 800 hab/km2, enquanto no nordeste da Índia é de mais ou menos 300 hab/km2. Além disso, os conflitos pela independência de Bangladesh em 1971, resultaram num fluxo de centenas de milhares de bengalis que buscaram refúgio na vizinha região do nordeste da Índia.O impacto causado por esse fluxo descontrolado de bengalis para a região vem desestabilizando os frágeis equilíbrios étnicos, lingüísticos, religiosos e até ecológicos. O fato da maioria dos novos imigrantes serem muçulmanos (a imensa maioria da população de Bangladesh professa o islamismo), tem aguçado ainda mais as tensões interétnicas.Os conflitos e tensões que ocorrem na região acontecem especialmente junto a aqueles grupos e etnias que se sentem ameaçados de desaparecer ou de serem assimilados por outros. Os cenários de violência na área podem ser constatados pela ocorrência de uma dezena de conflitos de intensidade e periodicidade variáveis, que fizeram mais de 10 mil vítimas nas duas últimas décadas, mas que não mereceram destaque na mídia internacional.Cachemira, Punjab e região do Assam. Apesar dessas questões que ameaçam sua unidade territorial, a Índia continua a ser maior democracia do mundo. Ao mesmo tempo, o país tem sido colocado, juntamente com o Brasil, a Rússia e a China, como parte integrante dos BRICs (sigla que identifica cada um dos quatro países por suas primeiras letras), grupo de nações que terão, nas próximas décadas, grande relevância no cenário internacional. Além disso, a Índia têm ambiciosos planos estratégicos para o século XXI. Talvez o principal deles consista em se firmar como a principal potência do Oceano Índico. Já estão em curso estratégias de projetar o poder de sua marinha no sentido de estabelecer uma “ordem indiana” para além de suas tradicionais áreas de influência (Sri Lanka e Ilhas Maldivas). Essas estratégias levam em conta a presença de uma numerosa diáspora indiana em vários países da orla do Índico. Do ponto de vista geopolítico, a nova prioridade serviria como uma espécie de contraponto às históricas ameaças “continentais” representadas pelos contenciosos territoriais com a China e o Paquistão.

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