sábado, fevereiro 14, 2009

O Universo ainda é uma incógnita

 
Ano Internacional da Astronomia - 2009

THIJS WESTERBEEK VAN EERTEN

21-01-2009

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"O universo, seu, para descobrir...", não é um slogan para alguma agência de viagens futurísticas, mas a palavra de ordem do lançamento de 2009 como Ano Internacional da Astronomia. A sede da Unesco em Paris foi palco do início das comemorações da "celebração global da astronomia e sua contribuição à sociedade e à cultura".

Galileo Galilei aos 72 anos
de idade, retratado por
Giusto Sustermans em 1663

Há exatos 400 anos, em 1609, o astrônomo Galileo Galilei começou a observar os céus com uma novíssima invenção, o telescópio. Tinha sido inventado um ano antes por Hans Lippershey, um holandês de descendência alemã.
Verdadeira ciência
Segundo o escritor e especialista no assunto, Govert Schilling, o telescópio marcou um enorme avanço nesse campo, dando início à astronomia moderna como verdadeira ciência. Porém, ele enfatiza que o primeiro grande passo foi a percepção no século XVI de que a Terra não era o centro do universo. "Dali em diante nosso lugar dentro da enormidade do universo tem sido uma grande jornada de descoberta", declarou Schilling à Rádio Nederland.
Depois do aparecimento do telescópio, ainda ia demorar mais trezentos anos para o próximo grande passo da astronomia. Somente em 1920 a expansão do universo foi primeiramente observada. Schilling explica que "isso realmente nos colocou no caminho do Big Bang, a teoria de descrição da madrugada do universo, que demonstra que, na verdade, somos parte de uma evolução cósmica de 14 bilhões de anos."
Matéria escura
O universo é tão extenso, que mesmo após séculos de pesquisa ainda estamos começando a aprender o que há sobre o assunto, acredita Schilling. "Nas últimas décadas temos descoberto que muito do universo é feito de misteriosa "matéria escura" e a ainda mais confusa "energia escura". Ninguém realmente sabe o que isso é. "Nós, na verdade, só temos uma ideia do que se constitui o universo, além de uma pequena porcentagem que mapeamos até agora," acrescenta Schilling.
Nos últimos dez anos, astrônomos têm focado primordialmente em pesquisa exo-planetária, que são os planetas fora do nosso sistema solar. Os espetaculares avanços tecnológicos que nos permitem escanear o cosmos agora provam a existência de planetas que orbitam outras estrelas, de forma semelhante como a terra circula o sol. O maior sonho é achar um planeta semelhante ao nosso, embora qualquer planeta do tipo seria distante demais para o ser humano pesquisar.
O fato de esses exo-planetas serem tão distantes faz a gente perguntar se a astronomia tem algum uso válido. Será que todos esses bilhões de euros gastos não estão sendo desperdiçados? Para Govert Schilling a questão é clara: "A pergunta de quem somos como humanos e qual é o nosso papel no plano maior é tão importante que transcende qualquer preocupação de relevância prática. Estava na hora de termos um Ano Internacional da Astronomia."

http://www.parceria.nl/cienciaesaude/20090121-cs-astronomia

Evolução ou criação?

 

THIJS WESTERBEEK VAN EERTEN

09-02-2009

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A teoria da evolução de Darwin, publicada em 1859, deu pela primeira vez uma explicação para a riqueza de espécies na terra, a origem das plantas, dos animais e do homem. Foi um dos avanços científicos mais importantes da história e hoje incontestável entre cientistas. Mas não entre cristãos fundamentalistas, que acham que a teoria de Darwin vai contra a descrição dada pela Bíblia para o advento da criação. Nas festividades deste Ano de Darwin, estes cristãos estão preparando um ataque via folhetos e prospectos. Sua afirmação: "A Teoria da Evolução é apenas uma crença."

Charles Robert Darwin
(12-02-1809 / 19-04-1882)

Prospecto
Na Holanda, o ‘Comitê de Ação da Criação' não vai poupar esforços nem dinheiro. Quase todos os domicílios holandeses devem receber até o fim deste mês um prospecto de oito páginas pelo correio. A brochura em papel brilhante, com cores fortes e palavras inflamadas tenta desbancar Darwin e a teoria da evolução. Mas o holandês médio não está dando importância a isso:
"Não me interessa nem um pouco. Fui educado sem religião. Deixe que cada um acredite no que quiser."
"Não é possível provar nem uma coisa nem outra, então não entendo porque todo mundo perde tanto tempo com esta discussão."
"Se você for ler a Bíblia literalmente muitos outros fatos científicos teriam que ser rejeitados."
"Acho um pecado todo o papel que vai ser gasto nisto e me pergunto qual é realmente o objetivo deles."

Apresentador da tv evangélica perde a fé

Na semana passada, um apresentador da emissora evangélica da Holanda causou grande alvoroço entre seus espectadores mais conservadores. Andries Knevel, principal rosto da Evangelische Omroep, declarou na televisão que deixava sua crença no criacionismo (que diz que há seis mil anos Deus criou o céu e a terra em seis dias) para crer em uma "evolução divina" (Deus conduz há milhões de anos a evolução descrita por Darwin).

As reações nos círculos cristãos fundamentalistas foram fortes. Choveram anulações de assinantes enfurecidos com a emissora evangélica e Knevel demonstrou arrependimento pelo fato de sua "observação pessoal" ter sido confundida com a da empresa. Apesar disso, de acordo com o jornal holandês Trouw, o incidente demonstra que também em círculos cristãos fundamentalistas há abertura para interpretações diferentes da Bíblia.

Na mídia, mas também nas igrejas, a discussão entrou em pauta após o programa de Knevel. Não sobre a dúvida se Deus existe ou não, mas sobre a pergunta se Darwin e a Bíblia não querem dizer o mesmo.

Teoria?
O objetivo das trinta organizações cristãs que financiam a campanha é provar que a teoria da evolução não passa de uma hipótese, e que pode ser deixada de lado. Os fatos falam uma outra coisa, diz o estudioso de Darwin Chris Buskes da Universidade Radboud, da cidade de Nijmegen, na Holanda.

"A Teoria da Evolução é comprovada de tantas maneiras, espetacularmente comprovada. É muito difícil ter alguma dúvida. Pense em fósseis encontrados em diferentes camadas da terra, pense na herança genética, DNA, também aí vemos o nível de parentesco entre diferentes tipos de organismo. Com o chimpanzé, por exemplo, temos 99% dos genes em comum, com um cachorro, um camundongo ou uma libélula temos muito menos. Portanto, as pesquisas modernas só vêm dando mais provas para a teoria de Darwin."
Criatividade
A brochura Evolução ou Criação, com 6,6 milhões de exemplares sendo impressos, tenta também trazer argumentos científicos contra Darwin. Argumentos que demonstram muita criatividade, como o que aborda o fato de fósseis de animais grandes e mais complexos aparecerem em camadas mais superficiais, e, portanto, mais recentes, da terra: em grandes terremotos, os animais de maior porte teriam fugido para morros e montanhas - os pontos mais altos -, enquanto animais menores e mais simples não podiam correr tanto e, por isso, seus restos estão agora em camadas mais profundas.
Luta
Na verdade, a controvérsia entre cristãos fundamentalistas e partidários da evolução existe desde a publicação do livro de A Origem das Espécies. E não se pode negar: a teoria da evolução invalida a leitura literal do mito bíblico de que ‘Deus criou o universo em seis dias'. Em pleno 2009, fiéis contemporâneos ainda têm dificuldade com isso:
"Eu sou crente, e então tenho que acreditar na criação, mas como pessoa com um nível superior de educação eu preferiria aceitar a teoria da evolução, que é mais plausível."
"Bem, é bom saber que há duas possibilidades de como tudo começou."
"Acho que a teoria da evolução está comprovada, e acredito mais nisso do que na história de que Deus criou este mundo maravilhoso em seis dias."
O estudioso de Darwin, Chris Buskes, não tem nenhuma dúvida. Para ele, Darwin continua sendo o maior cientista de todos os tempos. "Tudo na biologia e tudo nas ciências naturais tem a ver com Darwin. Ele é a dobradiça que permite que tudo se encaixe, é o eixo no qual tudo gira em torno. Fenômenos biológicos só podem ser entendidos sob a luz da teoria da evolução.

A influência de Darwin hoje
Medicamentos modernos contra vírus e bactérias não seriam possíveis sem Darwin. Compreendemos hoje que agentes causadores de doenças tornam-se resistentes aos medicamentos através da evolução. Assim, os pesquisadores podem andar à frente da evolução. Sem Darwin, os antibióticos já teriam esgotado há muito tempo.
Computadores "autodidatas" - em automóveis e aparelhos - constroem o conhecimento em seu cérebro eletrônico seguindo princípios darwinistas. Eles classificam as informações em ordem de importância e descartam depois de um tempo dados não utilizados. Assim como a baleia - originalmente um animal terrestre - ao longo da evolução perdeu suas patas.
Graças a Darwin ousamos novamente aceitar que homens e mulheres realmente são diferentes. A partir dos anos 70 do século passado isso se tornou tabu no ocidente, a ideia era que o comportamento de homens e mulheres era aprendido. Pesquisas genéticas baseadas em - novamente - princípios darwinistas atualmente demonstram que há diferenças fundamentais.

http://www.parceria.nl/cienciaesaude/20090209-cs-darwin

Brasil e Índia criticam UE na OMC

 

RNW

05-02-2009

Países em desenvolvimento acusaram a União Europeia esta semana de usar leis rígidas de proteção intelectual para apreender medicamentos genéricos, colocando vidas em risco em nações emergentes, para onde estes medicamentos mais baratos em geral são destinados.

Num encontro na Organização Mundial do Comércio (OMC), Brasil e Índia criticaram a União Europeia por ter apreendido um remédio genérico para o tratamento de pressão alta que foi retido no final do ano passado pela alfândega holandesa, quando estava sendo transportado para o Brasil.

Depois de 36 dias da apreensão, a carga foi enviada para a Índia, nunca tendo chegado ao Brasil.

O embaixador do Brasil na OMC, Roberto Azevedo, disse ao cônsul geral da organização que o caso reflete uma tendência dos países industrializados de tentar interferir com as leis globais de comércio ao forçar padrões rígidos de proteção à propriedade intelectual em outras organizações, como a Organização Mundial de Aduanas e Organização Mundial da Saúde.

O incidente toca em um dos pontos mais sensíveis entre países ricos e pobres - o acesso à medicamentos de baixo custo.

O vice-ministro holandês da Economia, Frank Heemskerk, diz que a aduana holandesa agiu de acordo com as regras européias.

segunda-feira, fevereiro 09, 2009

"Solução neokeynesiana e novo Bretton Woods são fantasias"

 

Em entrevista à revista inglesa Socialist Review, István Mészàros, um dos principais pensadores marxistas da atualidade, analisa a crise econômica mundial e critica aqueles que apostam que ela será resolvida trazendo de volta as idéias keynesianas e a regulação. "É uma fantasia que uma solução neo-keynesiana e um novo Bretton Woods resolveriam qualquer dos problemas dos dias atuais", defende Mészàros. Para ele, estamos vivendo a maior crise na história humana, em todos os sentidos.

Judith Orr e Patrick Ward - Socialist Review

Em 1971 István Mészàros ganhou o Prêmio Deutscher pelo seu livro A Teoria da Alienação em Marx e desde então tem escrito sobre o marxismo. Em janeiro deste ano, ele conversou com Judith Orr e Patrick Ward, daSocialist Review, sobre a atual crise econômica.
Socialist Review: A classe dominante sempre é surpreendida por crises econômicas e fala delas como fossem aberrações. Por que você acha que as crises são inerentes ao capitalismo?
István Mészàros – Eu li recentemente Edmund Phelps, que ganhou o Prêmio Nobel de Economia, em 2006. Phelps é um tipo de neokeynesiano. Ele estava, é claro, glorificando o capitalismo e apresentando os problemas atuais como apenas um contratempo, dizendo que “tudo o que devemos fazer é trazer de volta as idéias keynesianas e a regulação.”
John Maynard Keynes acreditava que o capitalismo era ideal, mas queria regulação. Phelps estava reproduzindo a idéia grotesca de que o sistema é como um compositor musical. Ele pode ter alguns dias de folga nos quais não pode produzir tão bem, mas se você olhar no todo verá que ele é maravilhoso! Pense apenas em Mozart – ele deve ter tido o velho e esquisito dia ruim. Assim é o capitalismo em crise, como dias ruins de Mozart. Quem acredita nisso deveria ter sua cabeça examinada. Mas, no lugar de ter sua cabeça examinada, ele ganhou um prêmio.
Se nossos adversários têm esse nível de pensamento – o qual tem sido demonstrado, agora, ao longo de um período de 50 anos, não é apenas um escorregão acidental de economista vencedor de prêmio – poderíamos dizer, “alegre-se, esse é o nível baixo do nosso adversário”. Mas com esse tipo de concepção você termina no desastre de que temos experiência todos os dias. Nós afundamos numa dívida astronômica. As dívidas reais neste país (Inglaterra) devem ser contadas em trilhões.
Mas o ponto importante é que eles vêm praticando orgias financeiras como resultado de uma crise estrutural do sistema produtivo. Não é um acidente que a moeda tenha inundado de modo tão adventista o setor financeiro. A acumulação de capital não poderia funcionar adequadamente no âmbito da economia produtiva.
Agora estamos falando da crise estrutural do sistema. Ela se extende por toda parte e viola nossa relação com a natureza, minando as condições fundamentais da sobrevivência humana. Por exemplo, de tempos em tempos anunciam algumas metas para diminuir a poluição. Temos até um ministro da energia e da mudança climática, que na verdade é um ministro do lero lero, porque nada faz além de anunciar uma meta. Só que essa meta nunca é sequer aproximada, quanto mais atingida. Isso é uma parte integral da crise estrutural do sistema e só soluções estruturais podem nos tirar desta situação terrível.
SR - Você descreveu os EUA como levando a cabo um imperialismo de cartão de crédito. O que você quer dizer com isso?
IM – Eu lembro do senador norte-americano George McGovern na guerra do Vietnã. Ele disse que os EUA tinham fugido da guerra do Vietnã num cartão de crédito. O recente endividamento dos EUA está azedando agora. Esse tipo de economia só avança enquanto o resto do mundo pode sustentar sua dívida.
Os EUA estão numa posição única porque tem sido o país dominante desde o acordo de Bretton Woods. É uma fantasia que uma solução neokeynesiana e um novo Bretton Woods resolveriam qualquer dos problemas dos dias atuais. A dominação dos EUA que Bretton Woods formalizou imediatamente depois da Segunda Guerra era realista economicamente. A economia norte-americana estava numa posição muito mais poderosa do que qualquer outra economia do mundo. Ela estabeleceu todas as instituições econômicas internacionais vitais com base no privilégio dos EUA. O privilégio do dólar, o privilégio aproveitado pelo Fundo Monetário Internacional, pelas organizações comerciais, pelo Banco Mundial, todos completamente sob a dominação dos EUA, e ainda permanece assim hoje.
Não se pode fazer de conta que isso não existe. Você não pode fantasiar reformas e regulações leves aqui e acolá. Imaginar que Barack Obama vai abandonar a posição dominante de que os EUA dispõe, nesse sentido – apoiada pela dominação militar – é um erro.
SRKarl Marx chamou a classe dominante de “bando de irmãos guerreiros”. Você acha que a classe dominante vai trabalhar junta, internacionalmente, para encontrar uma solução?
IM – No passado o imperialismo envolveu muitos atores dominantes que asseguraram seus interesses mesmo às custas de duas horrendas guerras mundiais no século XX. Guerras parciais, não importa o quão horrendas são, não podem ser comparadas ao realinhamento do poder e da economia que seria produzido por uma nova guerra mundial.
Mas imaginar uma nova guerra mundial é impossível. É claro que ainda há alguns lunáticos no campo miliar que não negariam essa possibilidade. Mas isso significaria a destruição total da humanidade.
Temos de pensar as implicações disso para o sistema capitalista. Era uma lei fundamental do sistema que se uma força não pudesse ser assegurada pela dominação econômica você recorreria à guerra.
O imperialismo global hegemônico tem sido conquistado e operado com bastante sucesso desde a Segunda Guerra Mundial. Mas esse tipo de sistema é permanente? É concebível que nele não surjam contradições, no futuro?
Algumas pistas vem sendo dadas pela China de que esse tipo de dominação econômica não pode avançar indefinidamente. A China não será capaz de seguir financiando isso. As implicações e consequencias para a China já são bastante significantes. Deng Xiaoping uma vez disse que a cor do gato – seja ele capitalista ou socialista – não importa, desde que ele pegue o rato. Mas e se, no lugar da caçada feliz do rato se termine numa horrenda infestação de ratos de desemprego massivo? Isso está acontecendo agora na China.
Essas coisas são inerentes nas contradições e antagonismos do sistema capitalista. Portanto, temos de pensar em resolvê-los de uma maneira radicalmente diferente, e a única maneira é uma genuína transformação socialista do sistema.
SR - Não há em parte alguma do mundo econômico desacoplamento dessa situação?
IM- Impossível! A globalização é uma condição necessária do desenvolvimento humano. Desde que o sistema capitalista se tornou claramente visível Marx teorizou isso. Martin Wolf, do Financial Times tem reclamado de que há muitos pequenos, insignificantes estados que causam problemas. Ele argumenta que seria preciso uma “integração jurisdicional”, em outras palavras, uma completa integração imperialista – um conceito fantasia. Trata-se de uma expressão das contradições e antagonismos insolúveis da globalização capitalista. A globalização é uma necessidade, mas a forma em que é exequível e sustentável é a de uma globalização socialista, com base nos princípios socialistas da igualdade substantiva.
Ainda que não haja desacoplamento na história do mundo, é concebível que isso não signifique que em toda fase, em todas as partes do mundo, haja uniformidade. Muitas coisas diferentes estão se desenvolvendo na América Latina, em comparação com a Europa, para não mencionar o que eu já assinalei sobre a China, o Sudeste Asiático e o Japão, que está mergulhado em problemas mais profundos.
Vamos pensar no que aconteceu há pouco tempo. Quantos milagres tivemos no período do pós-guerra? O Milagre Alemão, o Milagre Brasileiro, o Milagre Japonês, o Milagre dos cinco Tigres Asiáticos? Engraçado que todos esses milagres tenham se convertido na mais terrível realidade prosaica. O denominador comum de todas essas realidades é o endividamento desastroso e a fraude.
Um dirigente de um fundo hedge foi supostamente envolvido numa farsa envolvendo 50 bilhões de dólares. A General Motors e outras estavam pedindo ao governo norte-americano somente 14 bilhões de dólares. Que modesto! Eles deveriam ter dado 100 bilhões. Se um fundo hedge capitalista pode organizar uma suposta fraude de 50 bilhões, eles devem chegar a todos os fundos possíveis.
Um sistema que opera nesse modo moralmente podre não pode provavelmente sobreviver, porque é incontrolável. As pessoas chegam a admitir que não sabem como isso funciona. A solução não é desesperar-se, mas controlá-lo em nome da responsabilidade social e de uma radical transformação da sociedade.
SRA tendência inerente do capitalismo é exigir dos trabalhadores o máximo possível, e isso é claramente o que os governos estão tentando fazer na Grã Bretanha e nos EUA.
IM – A única coisa que eles podem fazer é advogar pelos salários dos trabalhadores. A razão principal pela qual o Senado recusou a injetar 14 bilhões de dólares nas três maiores companhias de automóveis é que não puderam obter acordo sobre a drástica redução dos salários. Pense no efeito disso e nos tipos de obrigações que esses trabalhadores têm – por exemplo, repagando pesadas hipotecas. Pedir-lhes que simplesmente passem a receber metade de seus salários geraria outros tipos de problemas na economia – de novo, a contradição.
Capital e contradições são inseparáveis. Temos de ir além das manifestações superficiais dessas contradições e de suas raízes. Você consegue manipulá-las aqui e ali, mas elas voltarão com uma vingança. Contradições não podem ser jogadas para debaixo do tapete indefinidamente, porque o carpete, agora, está se tornando uma montanha.
SRVocê estudou com Georg Lukács, um marxista que retomou o período da Revolução Russa e foi além.
IM – Eu trabalhei com Lukács sete anos, antes de deixar a Hungria em 1956 e nos tornamos amigos muito próximos até a sua morte, em 1971. Sempre nos olhamos nos olhos – é por isso que eu queria estudar com ele. Então aconteceu que quando eu cheguei para estudar com ele, ele estava sendo feroz e abertamente atacado, em público. Eu não aguentei aquilo e o defendi, o que levou a todos os tipos de complicações. Logo que deixei a Hungria, fui designado sucessor, na universidade, ensinando estética. A razão pela qual deixei o país foi precisamente porque estava convencido de que o que estava acontecendo era uma variedade de problemas muito fundamentais que o sistema não poderia resolver.
Eu tentei formular e examinar esses problemas em meus livros, desde então. Em particular em "A Teoria Alienação em Marx" e "Para Além do Capital" (*). Lukács costumava dizer, com bastante razão, que sem estratégia não se pode ter tática. Sem uma perspectiva estratégica desses problemas você não pode ter soluções do dia-a-dia. Então eu tentei analisar esses problemas consistentemente, porque eles não podem ser simplesmente tratados no nível de um artigo que apenas relata o que está acontecendo hoje, ainda que haja uma grande tentação de fazê-lo. No lugar disso, deve ser apresentada uma perspectiva histórica. Eu venho publicando desde que meu primeiro ensaio justamente substancial foi publicado, em 1950, num periódico literário na Hungria e eu tenho trabalhado tanto como posso, desde então. À medida de nossos modestos meios, damos nossa contribuição em direção da mudança. Isso é o que tenho tentado fazer ao longo de toda minha vida.
SR- O que você pensa das possibilidades de mudança neste momento?
IM – Os socialistas são os últimos a minimizar as dificuldades da solução. Os apologistas do capital, sejam eles neokeynesianos ou o que quer que sejam, podem produzir todos os tipos de soluções simplistas. Eu não penso que podemos considerar a crise atual simplesmente da maneira que o fizemos no passado. A crise atual é profunda. O diretor substituto do Banco da Inglaterra adimitiu que esta é a maior crise econômica na história da humanidade. Eu apenas acrescentaria que esta não é apenas a maior crise na história humana, mas a maior crise em todos os sentidos. Crises econômicas não podem ser separadas do resto do sistema.
A fraude e a dominação do capital e a exploração da classe trabalhadora não podem continuar para sempre. Os produtores não podem ser postos constantemente e para sempre sob controle. Marx argumenta que os capitalistas são simplesmente personificações do capital. Não são agentes livres; estão executando imperativos do sistema. Então, o problema da humanidade não é simplesmente vencer um bando de capitalistas. Pôr simplesmente um tipo de personificação do capital no lugar do outro levaria ao mesmo desastre e cedo ou tarde terminaríamos com a restauração do capitalismo.
Os problemas que a sociedade está enfrentando não surgiram apenas nos últimos anos. Cedo ou tarde isso tem de ser resolvido e não, como o vencedor do Prêmio Nobel deve fantasiar, no interior da estrutura do sistema. A única solução possível é encontrar a reprodução social com base no controle dos produtores. Essa sempre foi a idéia do socialismo.
Nós alcançamos os limites históricos da capacidade do capital controlar a sociedade. Eu não quero dizer apenas bancos e instituições financeiras, ainda que eles não possam controlá-las, mas o resto. Quando as coisas dão errado ninguém é responsável. De tempos em tempos os políticos dizem: “Eu aceito total responsabilidade”, e o que acontece? Eles são glorificados. A única alternativa exequível é a classe trabalhadora, que é a produtora de tudo o que é necessário em nossa vida. Por que eles não deveriam controlar o que produzem? Eu sempre enfatizei em todos os livros que dizer não é relativamente fácil, mas temos de encontrar a dimensão positiva.
István Mészàros é o autor do recentemente publicado "The challenge and burden of Historical Time", "Os Desafios e o Fardo do Tempo Histórico", publicado no Brasil pela Boitempo Editorial, 2007.

(*) Ambos publicados no Brasil pela Boitempo Editorial.
Artigo originalmente publicado na Socialist Review

Tradução: Katarina Peixoto

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15619&boletim_id=530&componente_id=9215