A TRANSIÇÃO DEMOGRAFICA BRASILEIRA
Durante o século XX, o país teve sua população aumentada em quase dez vezes. De 17438434 pessoas em 1900, atingiu em 1999, segundo projeções do IBGE, a cifra de 163 947500 habitantes. Esse crescimento não ocorreu, porém, em ritmo uniforme, como se pode observar pelos dados da Tabela 1. A discutível qualidade dos dois primeiros censos desse período, isto e, de 1900 e de 1920, torna difícil qualquer interpretação do ritmo de crescimento nesses primeiros vinte anos. Ao estudar exaustivamente esses dois levantamentos, Mortara (1970) concluiu que houve uma subenumeração no censo de 1900, enquanto o de 1920 sobreenumerou a população, explicando em grande medida as discrepâncias encontradas nas taxas anuais de crescimento. Alem disso, o primeiro censo referia-se a população residente e o segundo, apenas aos presentes na data do recenseamento. Por outro lado, alguns fatores poderiam explicar um leve arrefecimento na taxa de crescimento no período 1920-40. A entrada de estrangeiros no Brasil, que atingira o elevado contingente de 1446081 no período 1900-20, declinou entre 1920 e 1940, passando a 1146081. Ou seja, o aumento populacional pelo excedente das imigrações em relação às emigrações, que fora de 10,1 % entre 1900 e 1920, caiu para 6,3% no período seguinte. Outro elemento a ser evocado e a redução de, em media, um filho por mulher entre os dois períodos considerados (Tabela 2). Levando em conta que mais de 70% da população era rural e que a fecundidade era natural, ou seja, com pouco ou nenhum controle individual voluntário, não se deveria esperar tal redução, a menos que fatores conjunturais pudessem afetar o comportamento das pessoas. A crise de 1929, de escala mundial e com conseqüências especificas no caso brasileiro, pode ter contribuído para o retardamento das uniões conjugais ou mesmo levado ao adiamento da constituição da prole. A mortalidade, ligeiramente declinante entre 1900 e 1920, sofreu redução mais significativa tanto em 1920-30 como em 1930-40 (Tabela 3), o que parece contradit6rio quando se considera a grande recessão de 1930. O silêncio deixado pela ausência do censo de 1930 torna, entretanto, difícil uma aproximação explicativa para um intervalo tão longo, de vinte anos.
Desde 1940 a evolução demográfica da população brasileira vem sendo marcada por transições decorrentes de mudanças nos níveis de mortalidade e de fecundidade (Gráfico 1), uma vez que as migrações internacionais deixaram de ter influencia e a saída de brasileiros para o exterior só se tornou importante a partir de meados da década de 1980.
Entre 1940 e 1960, a população experimentou um aumento em seu ritmo crescimento anual: de 2,3% ao ano, na década de 1940, passou a 3% no decênio seguinte (Tabela 1). Essa transição deveu-se exclusivamente a um declínio na mortalidade, traduzido por um ganho de dez anos na esperança ao nascer (Tabela 3), já que a taxa de fecundidade total se manteve constante no período - seis filhos por mulher.
A partir de 1960 o ritmo anual do crescimento populacional começou a acelerar, passando a 2,8% e 2,6% nos decênios 1960-70 e 1970-80, residente. Nesse período, a fecundidade começou a declinar, chegando a cinco filhos por mulher em 1980, enquanto a mortalidade continuou seu ritmo descendente anterior, com ganho de 9,4 anos na expectativa de vida. Assim, nessa nova etapa da transição demográfica, a responsabilidade passou para a queda fecundidade. No período 1980-96, seu papel continuou decisivo na redução do crescimento da população, o qual atingiu 1,3% ao ano entre 1991 e 1996. De fato, a fecundidade teve sua maior redução, de 50%, passando de 4,3 a 2,2.
Em ultima análise, no decorrer do século XX, as mulheres no Brasil reduziram a sua prole, em media, em 5,5 filhos, enquanto houve um ganho de 35 anos na expectativa de vida dos brasileiros.
Essas transições afetaram diretamente e de forma significativa a estrutura da população (Gráfico 2). Passou-se de uma pirâmide de base larga e triangular - característica de regimes demográficos com altas taxas de natalidade e de mortalidade - para uma outra mais uniforme e de base reduzida - típica de regimes com grande redução na fecundidade. De fato, a base da pirâmide etária de 1996 revela que, pela primeira vez nos pais, o número de crianças menores de cinco anos foi inferior ao daquelas de cinco a dez anos, e este, por sua vez, menor do que o segmento seguinte, de dez a quinze.
Vale salientar que os níveis e as tendências da mortalidade e da fecundidade apresentaram variações sociais e regionais. No caso da mortalidade, o nordeste apresentou sempre os menores níveis para a expectativa de vida ao nascer, igual a 38 anos em 1940, contrastando com os cinqüenta anos conquistados pela região Sul. Essa diferença de doze anos aumentou para dezesseis ate o decênio de 1970, começou a declinar, atingindo cinco anos em 1998, quando a vida media na região mais pobre do país chegou a 65 anos. Ou seja, nos últimos sessenta anos o Nordeste e o Sul ganharam, respectivamente, 27 e vinte anos por viver.
Importante responsável pelos valores da vida media são os níveis de mortalidade infantil. Nota-se pelo Gráfico 3 - que registra as taxas de mortalidade infantil do país e das regi6es Nordeste e Sul, de 1930 a 1990 - que ha grande contraste entre essas regi6es, e que os ganhos significativos tiveram inicio a partir da década de 1970. A diferença de 68 mortes a mais de menores de um ano para cada mil nascidos vivos no Nordeste do que no Sul, observada no decênio de 1930, passou a 46 na década de 1990. A maior cobertura dos serviços de saneamento básico; a ampliação da oferta de serviços de assistência primaria de saúde e médico-hospitalar, em especial os de -pré-natal, parto e puerpério, bem coma dos programas de prevenção como vacinação, reidratação oral e aleitamento materno; a queda da fecundidade e a melhoria e a abrangência do sistema educacional contribuíram para a redução sistemática dos níveis da mortalidade infantil, sobretudo a partir de meados da década de 1970.
TABELA 1- TAXA MEDIA ANUAL DE CRESCIMENTO (%) DA POPULA9AO DO BRASIL NO PERIODO 1900-1996
Períodos | Taxa de crescimento (% a. a.) |
1900-20 | 2,9 |
1920-40 | 1,5 |
1940-50 | 2,3 |
1950-60 | 3,0 |
1960-70 | 2,9 |
1970-80 | 2,6 |
1980-91 | 1,9 |
1991-96 | 1,3 |
Fonte: Fundação IBGE, Censos Demográficos de 1900 a 1991 e Contagem Populacional de 1996.
TABELA 2 - TAXAS DE FECUNDIDADE TOTAL - BRASIL, 1903-1999.
Anos | Taxas |
1903 | 7,7 |
1908 | 7,4 |
1913 | 7,1 |
1918 | 6,8 |
1923 | 6,6 |
1928 | 6,4 |
1933 | 6,2 |
1938 | 6,0 |
1943 | 5,8 |
1950 | 5,9 |
1960 | 6,1 |
1970 | 5,8 |
1980 | 4,3 |
1991 | 2,5 |
1999 | 2,2 |
Fonte: Frias, L. A. de M. e Carvalho, J. A. M. (1994). Fundação IBGE, Censos Demográficos de 1980 e 1991.
TABELA 3 - TAXAS DE MORTALIDADE POR MIL HABITANTES - BRASIL, 1900-1999.
Anos | Taxas |
1900 | 29,1 |
1910 | 28,7 |
1920 | 28,4 |
1930 | 26,3 |
1940 | 24,4 |
1950 | 21,4 |
1960 | 14,3 |
1970 | 1l,4 |
1980 | 6,3 |
1991 | 5,4 |
1995 | 5,8 |
Fonte: Santos, J. L. F. Medidas de fecundidade e mortalidade para 0 Brasil no século XX (1978), Fundação IBGE, Censos Demográficos de 1980 e 1991, SIM - DATAsus/FNS, 1995.
Nenhum comentário:
Postar um comentário