A perspectiva histórica e o brilhantismo do autor situam, em termos claros, um problema que o Brasil precisa resolver: o que fazer com suas culturas autóctones sobreviventes.
Fragmento do livro O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil
O processo de formação do povo brasileiro, que se fez pelo entrechoque de seus contingentes índios, negros e brancos, foi altamente conflitivo. Pode-se afirmar, mesmo, que vivemos praticamente em estado de guerra latente que, por vezes, e com freqüência, se torna cruento, sangrento.
A dominação branca
Conflitos interétnicos existiram desde sempre, opondo as tribos indígenas umas às outras. Mas isso se dava sem maiores conseqüências, porque nenhuma delas tinha possibilidade de impor sua hegemonia às demais. A situação muda completamente quando entra nesse conflito um novo tipo de contendor, de caráter irreconciliável, que é o dominador europeu e os novos grupos humanos que ele vai aglutinando, avassalando e configurando como uma macroetnia expansionista.
De 1500 até hoje, esses enfrentamentos se vêm desencadeando através de lutas armadas contra cada tribo que se defronta com a sociedade nacional, em sua expansão inexorável pelo território de que vai se apropriando como seu chão do mundo: a base física de sua existência. Os Yanomami e as emoções desencontradas que eles provocam entre os que os defendem e os que querem desalojá-los são apenas o último episódio dessa guerra secular.
O conflito interétnico se processa no curso de um movimento secular de sucessão ecológica entre a população original do território e o invasor que a fustiga a fim de implantar um novo tipo de economia e de sociedade. Trata-se, por conseguinte, de uma guerra de extermínio. Nela, nenhuma paz é possível, senão como um armistício provisório, porque os índios não podem ceder no que se espera deles, que seria deixar de ser eles mesmos para ingressar individualmente na nova sociedade, onde viveriam outra forma de existência que não é a sua. Os seus alternos, que são os brasileiros, não abrem mão, também, do sentimento de que, neste território, não cabe outra identificação étnica que a sua própria, que, tendo sido assumida por tantos europeus, negros e asiáticos, deveria ser aceita também pelos índios.
Esse conflito não se dá, naturalmente, como um debate em que cada parte apresenta seus argumentos. O brasileiro que captura um índio para usá-lo como escravo, o faz achando que seria uma inutilidade deixá-lo vivendo à toa. O índio, repelindo sua escravização que o coisificaria, prefere a morte à submissão. Não por qualquer heroísmo, mas por um imperativo étnico, já que as etnias são por natureza excludentes.
Luta desigual
As forças que se defrontam nessas lutas não podiam ser mais cruamente desiguais. De um lado, sociedades tribais, estruturadas com base no parentesco e outras formas de sociabilidade, armadas de uma profunda identificação étnica, irmanadas por um modo de vida essencialmente solidário. Do lado oposto, uma estrutura estatal, fundada na conquista e dominação de um território, cujos habitantes, qualquer que seja a sua origem, compõem uma sociedade articulada em classes, vale dizer, antagonicamente opostas mas imperativamente unificadas para o cumprimento de metas econômicas socialmente irresponsáveis. A primeira das quais é a ocupação do território. Onde quer que um contingente etnicamente estranho procure, dentro desse território, manter seu próprio modo tradicional de vida, ou queira criar para si um gênero autônomo de existência, estala o conflito cruento.
Ãiãi! Houve um pequeno erro de formatação de texto?
ResponderExcluirOlha, eu li alguns posts e o blog tá massa. Vou passar por aqui essa semana que precede o vestibular da Ufrgs. Ufrgs? Ah meu deus!
Até mais, professor!