sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Quem se importa com o Zimbábue?

Quem se importa com o Zimbábue?

Prof° Edu Silvestre de Albuquerque/UEPG-PR

Se verdadeira a afirmação de que ninguém se importa com o continente africano, é duplamente verdadeira em relação a República do Zimbábue, governada por Robert Mugabe desde a autodenominada “revolução socialista” de 1980, data em que também a Grã-Bretanha reconhece a independência de sua ex-colônia. A desinformação da opinião pública internacional sobre a África Austral foi longamente orquestrada pela mídia internacional, por governos e por organizações não-governamentais, sempre mais preocupados em “enfrentar” as políticas discriminatórias sul-africanas ou os efeitos da Guerra Fria nas ex-colônias portuguesas de Angola e Moçambique.

Em realidade, a África do Sul não foi o único país africano que elevou a discriminação racial à condição de política oficial de Estado (o “apartheid”), experimento hediondo perpetrado pelos colonizadores europeus entre as décadas de 1960 e início de 90. Da antiga federação da Rodésia (nome em homenagem ao colonizador britânico Cecil Rhodes), a maioria negra da Zâmbia e de Malaui alcançou sua independência política ainda na década de 1960. Mas o governo branco logrou permanecer no poder na Rodésia do Sul (atual Zimbábue) através de uma manobra política ardilosa: declarando uma independência unilateral da Grã-Bretanha, mas mantendo a segregação racial da maioria negra. O adiamento do desfecho político para o conflito racial instalado a partir da colonização européia viria a cobrar pesados tributos no futuro da nova nação africana.

A conturbada situação política do Zimbábue atual gera pequenas notas de canto de página nos grandes jornais brasileiros, geralmente reproduzindo a opinião das agências européias de notícia. Evidentemente que estas destacam o sentimento de horror dos antigos colonizadores e descendentes que permanecem no Zimbábue em relação à política de reforma agrária (lei de nacionalização de terras de 1992) e ao revanchismo político. Londres já declarou oficialmente que descarta qualquer ajuda econômica enquanto as ocupações de terra persistirem. Aliás, diga-se de passagem, que o temor quanto a represálias aflige, ainda que em menor escala, também a elite branca que permanece na vizinha África do Sul.

No imaginário ocidental forma-se a idéia de que a bandeira de democracia está desfraldada nas mãos do partido do Movimento por Mudanças Democráticas (MMD), formado por militantes e populares das vastas periferias urbanas (o que equivale a dizer que as cidades estão dominadas pela oposição), e que conta com o apoio da elite branca (cerca de 1% dos quase 13 milhões de habitantes). Nessa visão, o governo de Mugabe e sua coalizão de apoio formada pela União Nacional Africana do Zimbábue (ZANU) e União Popular Africana do Zimbábue (ZAPU) em torno da ZAPU-FP (Frente Patriótica), representam o bastião do autoritarismo na região.

A situação política local tornou-se dramática porque os grupos de ex-revolucionários ligados a Mugabe perceberam que a manutenção do poder político exigiria também combater o poder econômico dos brancos que detinham mais de 60% da produção nacional e 85% das exportações. Além disto, mais de um terço das melhores terras das zonas férteis e a maior parte da produção agrícola estavam em mãos de apenas 4.500 fazendeiros brancos. Para manter acesa a chama revolucionária foram eleitos como bode expiatório os brancos, acusados de tentativa de neocolonialismo. Com a garantia de omissão do governo, grupos liderados pelos veteranos da guerra de independência passaram a ocupar centenas de fazendas de brancos, numa complexa mistura de desejo pela terra com revanchismo racial.

Contudo, a desorganização da economia agrícola acaba repercutindo nas cidades, cuja população já se sentia decepcionada com os rumos do processo revolucionário e totalmente alijada do poder político. Ainda que a maior parte da população zimbabuana viva no campo, a inflação e o desemprego (cerca de 60% da população) atinge principalmente a população urbana da capital Harare e das cidades menores. Ali, as propostas de modernização econômica e política (apoiadas pela elite branca) conseguem rivalizar em número de adeptos com o movimento de reforma agrária consentida pelo governo e sua proposta de ruralização.

Certamente, Mugabe não é o mocinho desse filme manjado, acusado de ter fraudado e intimidado a oposição nas últimas eleições presidenciais de 2002. Mas a conservação das estruturas jurídico-econômicas coloniais está, sem dúvida, na raiz das desigualdades sociais e conflitos políticos no Zimbábue atual.


PARA NAVEGAR
http://www.sergiosakall.com.br/africano/materia_zimbabue.html
http://www.tamandare.g12.br/Aulafrica/Zimb%C3%A1bue280605.htm
http://www.diplo.com.br/aberto/0005/17.htm

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