sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Blog, Blog, Blog: Afogados na informação

Blog, Blog, Blog: Afogados na informação


Afinal, por quê tanto “auê” em torno da chamada “sociedade da informação”? A tal ponto que entidades regulatórias máximas como a ONU e a International Telecomunications Union (ITU) puxam, em escala planetária, uma Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação.
A primeira rodada de oficinas aconteceu em dezembro de 2003, em Genebra. O cume da cúpula (ou cumeeira, como dizem em Portugal quando se trata de eventos organizados por lideranças internacionais) acontecerá em 2005, em Túnis. Curiosa localidade “oriental” que marca geograficamente o desafio de produzir num horizonte de tempo relativamente curto (uns poucos anos) um consenso sobre o que, afinal, é a tal “sociedade da informação”. E, principalmente, como “devem” comportar-se indivíduos, empresas, organizações e governos para que essa nova forma de organização social seja mais virtuosa e não apenas virtual (no sentido de ser formada por uma “imaterialidade” digital).
Há vários conflitos ideológicos, políticos, militares e econômicos em torno da disputa pelo controle dessa futura sociedade organizada com base em mídias digitais, alta capacidade de processamento de dados, ampla e capilarizada rede de canais de acesso, recepção, produção e distribuição de informações, criando novas possibilidades de trocas simbólicas.
Assim como as organizações terroristas, as redes digitais por onde circula a informação e se formam as redes têm flexibilidade, potencial anárquico e criativo, ao mesmo tempo em que produzem impactos altamente destrutivos. A automação criou novas formas de desemprego estrutural, com a dispensa em massa de trabalhadores em setores de serviços, a robotização das fábricas e, ao mesmo tempo, o surgimento de novas barreiras ao emprego. Na sociedade da informação, o nível de renda e as oportunidades de emprego são mais dinâmicas justamente para indivíduos com habilidades no acesso e gestão dessas mídias digitais: computadores, celulares, PDAs, GPSs, terminais inteligentes em bancos e serviços públicos, equipamento enfim associado, sobretudo, ao gerenciamento de processos em todos os setores da economia.
A cultura digital, pop e movida a blogs da sociedade de consumo capitalista, tem na internet a sua mais vistosa vitrine, mesmo depois do estouro da bolha especulativa da “nova economia”. De fato, há uma nova economia: mas o acesso aos seus benefícios depende de esforços e inteligência coletivos. Ressurge, na sociedade da informação, a velha questão política sobre os meios e os fins da organização de uma inteligência coletiva.
Há dilemas clássicos: no Brasil, a mídia gira os canhões contra o Gil porque o ministro-artista colocou o dedo na ferida, apontando para os riscos que a concentração oligopólica e corporativa dos meios de comunicação – os conglomerados “globais” – apresentam para a criação e a cultura de identidades nacionais e locais.
A agenda da regulação do sistema de comunicação social é o tema de fundo que se expressa em escala planetária com a Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação, mas com efeitos e agendas nacionais e locais. O pessoal ortodoxo, do mercado financeiro, pode ser comparado àquela turma que tem mais banda larga e pode brincar com os jogos de guerra mais poderosos e violentos: operam online em tempo real, especulando num videogame ideológico global sobre o destino de trilhões de moedas que não passam de dígitos na memória de uma rede de alta segurança, uma intranet dos ricos, o sistema SWIFT – o nome já diz tudo
O mesmo governo Lula que propõe a regulação dos mamutes da mídia, aliás, investe na CPI do Banestado contra a elite que ao longo de vários anos brincou nesse videogame de verdade enquanto os outros setores da economia, o chamado “lado real”, eram submetidos a uma significativa deterioração, sobretudo da infra-estrutura, por falta de investimentos de longo prazo feitos “espontaneamente” pelo mercado.
Para os mais radicais, há uma ligação umbilical entre os interesses da grande mídia global corporativa e a elite financeira igualmente global. Essa elite opera um dos mais longos processos de privatização da história humana. Trata-se de uma deterioração do espaço público que, em termos de redes de comunicação, sistemas de informação e processos colaborativos vai armando a mesma elite e provocando formas ainda mais perversas de exclusão, baseadas no conhecimento e no relacionamento (o chamado “networking”).
É possível agir sobre essa dinâmica de redes, que em muitos aspectos lembram máfias ou grupos terroristas, (re)criando pelos mesmos meios uma nova superestrutura pública mundial, um direito público internacional, um sistema de proteção às liberdades individuais e aos direitos sociais que seja capaz de impor-se à lógica financista?
A música brasileira tem chance na rede frente à música produzida e distribuída digitalmente pelos Estados Unidos? No Orkut, espaço de socialização criado pela empresa Google (do mecanismo de buscas na internet), pouco antes do lançamento de suas ações em Wall Street, os brasileiros ocuparam mais espaço que os próprios americanos. Não dá, obviamente, para dizer que são todos acionistas de Wall Street ou filhos daqueles que já têm acesso a fundos de investimento, cadernetas de poupança ou ações mesmo. Mas, sem dúvida, fazem parte da mesma “cadeia de valor”, ajudaram a criar valor para a empresa na véspera do seu lançamento público de ações. Assim como uma planta faz parte da cadeia alimentar dominada pelos carnívoros.
A Cúpula da Sociedade da Informação é um espaço de negociação de direitos, normas, padrões de regulação, orientações sobre formas de realizar comércio eletrônico ou desenvolver “e-government”. Em escala global e envolvendo a elite que governa os países do mundo, trata-se de criar o contraponto possível ao processo de privatização que tem predominado na mídia planetária. Um sistema em que mais de 90% das imagens veiculadas por todas as televisões do mundo são fornecidas por uma só fonte: a Reuters.
Mas se a rede mundial é de fato uma realidade transfonteiras, marcada por padrões de consumo de bens materiais e imateriais cada vez mais multiculturais, haverá governo mundial possível para essa Babel digital?
A julgar pelo estágio atual da regulação e da inteligência coletiva, predomina a geléia geral onde todos se afogam ao som de blogs e videoclipes, com a duração média de um comercial televisivo e a profundidade mediana de uma comunidade Orkut.

Wilson Schwartz é criador e diretor da Cidade do
Conhecimento, professor do Departamento de
Cinema, Rádio e Televisão da ECA-USP e autor
de O capital em jogofundamentos filosóficos da
especulação financeira
(Campus, 2000)

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