NILSON ARAÚJO DE SOUZA (economista)
As equipes do Ministério da Fazenda e do Banco Central, em seu afã de servir aos especuladores estrangeiros, sacaram mais um coelho da cartola: alegam que, para baixar os juros, deve-se ofertar aos aplicadores internacionais em títulos brasileiros a isenção total de imposto de renda. É essa a proposta incorporada pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e pelo secretário do Tesouro, Joaquim Levy. E, da mesma maneira que tentaram com o “superávit primário crescente por 10 anos”, também neste caso armaram, com o apoio da mídia, para empurrar goela abaixo do Presidente Lula e da sociedade brasileira esse novo privilégio aos banqueiros. Felizmente, parece que não se deram bem no primeiro round.
Esses tecnocratas subservientes são useiros e vezeiros em apresentar como benefício à sociedade aquilo que engendram ou copiam para beneficiar seus amos banqueiros. Como sabem que todos os setores da sociedade, dos trabalhadores aos empresários, com a única exceção dos banqueiros, clamam pela redução da taxa de juros para um patamar compatível com o crescimento auto-sustentado da economia, vivem apresentando arremedos de idéias cuja implementação acarretaria mais privilégio aos banqueiros, mas que disfarçam como favoráveis à maioria da sociedade.
ARROCHO
Foi assim quando, no começo do governo Lula, sob a batuta do então secretário de Política Econômica da Fazenda, Marcos Lisboa, elucubraram que se teria que gerar um gigantesco superávit primário, isto é, uma enorme economia nas contas públicas, a fim de pagar uma parcela maior dos juros e assim reduzir, progressivamente, a relação dívida pública/PIB. Segundo eles, assim os banqueiros passariam a confiar mais no País e aceitariam taxas de juros menores. Nestes três anos de governo, o setor público produziu um monstruoso superávit primário de R$ 240,78 bilhões (registre-se que, nestes três anos, o investimento orçamentário da União mal chegou a R$ 25 bilhões e o gasto no principal programa social do governo, o Fome Zero, a R$ 15 bilhões) e ainda assim a dívida líquida do setor público aumentou de R$ 881,1 bilhões em dezembro de 2002 para R$ 1,002 trilhão em dezembro de 2005. Isso porque, apesar do enorme esforço fiscal, os juros continuaram altos e assim prosseguiam pressionando a dívida para cima. Sua relação com o PIB diminuiu um pouco no período, de 55,5% para 51,6%, mas isso ocorreu graças ao crescimento do PIB em 2004, puxado pelas exortações, e não devido ao volumoso pagamento dos juros. No último ano, o de 2005, quando foi pago o maior volume de juros do período – só a parte resultante do superávit primário foi de R$ 93,5 bilhões, contra R$ 81,11 bilhões em 2004 e R$ 66,17 bilhões em 2003 -, a relação dívida/PIB não caiu um milímetro. Aliás, para ser preciso, caiu um milímetro: de 51,7% para 51,6%.
MAIS PRIVILÉGIOS
Depois, inventaram que, se fosse aprovado o projeto da Lei de Falências que, engendrado pela equipe de Fernando Henrique, dormia nos escaninhos do Congresso, os juros baixariam. O projeto propunha que, nos casos de falência, os primeiros a serem pagos seriam os débitos junto aos bancos, e não os créditos tributários e trabalhistas, como estava na lei anterior. Alegavam que, dessa forma, diminuiria o risco bancário, levando os bancos a cobrarem juros menores. O projeto foi um pouco alterado no Congresso – os créditos trabalhistas até R$ 39 mil ou 150 salários mínimo à época da aprovação da lei teriam precedência, mas, a partir daí, a vez seria dos banqueiros -, mas, na sua essência, redundou em mais um privilégio para os bancos. A própria Febraban declarou na época que não se deveria esperar uma queda dos juros tão cedo; que isso só poderia ocorrer no longo prazo. Mas, como a longo prazo todos estaremos mortos, como dizia Keynes, a entidade dos banqueiros estava com isso querendo dizer que os bancos deveriam usar essa vantagem, não para baixar os juros, mas para apropriar-se de recursos que, originalmente, seriam trabalhistas ou públicos, isto é, do povo. O projeto foi aprovado e os juros seguem elevados. Os juros básicos baixaram um pouco, em termos nominais, de setembro para cá – de 19,75% ao ano para. 17,5% -, mas os juros reais praticamente não declinaram, em face da queda da inflação, continuando o Brasil como campeão do mundo nessa área.
Agora, inventaram essa nova artimanha. Alegam que, com a isenção de impostos sobre a aplicação em títulos públicos, os aplicadores estrangeiros, diante desse ganho extra, aceitariam juros menores por suas aplicações. Dizem os sertanejos que um sujeito, quando começa com muitos rodeios, é porque está com más intenções (neste espaço, em respeito aos leitores, tivemos que adaptar um pouco o adágio). E esse é mais um rodeio. Quem quer baixar os juros enfrenta o problema de frente. Como temos as maiores taxas reais do mundo, como nossas contas externas estão mais do que equilibradas (levando a equipe da Fazenda a dar-se ao luxo de, ao invés de formar reservas cambiais como forma de neutralizar eventuais turbulências internacionais, resgatar antecipadamente títulos da dívida externa), como até os banqueiros internacionais se dispõem a aceitar juros menores (como demonstra a queda para os menores patamares do chamado “risco-País”, que mede seu ânimo especulativo de aplicar dinheiro num país), há um espaço muito grande para baixar a taxa básica de juros (selic), mesmo dentro da “lógica” criada pelos financistas.
MAIORES GANHOS
Mais ainda. Com as contas externas equilibradas, não estamos precisando de dinheiro de fora para seu financiamento. Quanto às contas públicas, se os juros forem rebaixados para patamares civilizados, elas podem ser refinanciadas com os recursos disponíveis no mercado financeiro interno. Não haveria necessidade de novos recursos externos para isso. Neste caso, o que se precisa é que não haja fuga em massa de capitais para não perturbar nossas reservas cambiais e a taxa de câmbio. E não há a menor razão econômica para isso. Como nossos juros estão muito altos, há bastante espaço para reduzi-los sem que os capitais encontrem outros países que lhes ofereçam maior rentabilidade. E, de reserva, o governo pode contar com a arma da centralização do câmbio como forma de evitar uma eventual fuga em massa.
Nessa situação, a isenção de impostos sobre as aplicações financeiras vindas do exterior, em lugar de viabilizar a redução dos juros, ensejaria maiores ganhos para os especuladores estrangeiros, estimulando sua maior entrada no País. Ora, um dos maiores problemas da atualidade no Brasil é precisamente a excessiva entrada de dólares, estimulada pela combinação perversa entre juros altos, superávit primário elevado e moeda supervalorizada. Essa grande oferta de moeda estrangeira força ainda mais nossa moeda para cima (em termos reais, já está mais valorizado do que à época do estouro de 1998/9), o que tende a sabotar, em algum momento, o esforço do Presidente Lula, em sua diplomacia realista, de aumentar as exportações brasileiras e ajudar no crescimento da economia.
IMORALIDADE
Não bastasse isso, essa isenção tributária seria mais um privilégio imoral aos especuladores estrangeiros, que já são cevados pelos juros, o superávit primário e o real elevados. A prevalecer essa posição, os que produzem e trabalham no País continuariam penalizados com uma carga tributária de cerca de 38% do PIB, enquanto os que especulam com nosso dinheiro seriam agraciados com a isenção. Essa injustiça tributária, por sua vez, além de atrair mais dólares e forçar o aumento da sobrevalorização do real e assim prejudicar nossas exportações (declaração desta semana do ministro Furlan, do Desenvolvimento, indica que isso já começou a ocorrer neste começo de ano), estimula mais ainda a já grande volatilidade do capital especulativo, criando novas fontes de vulnerabilidade externa da nossa economia. Essa volatilidade do capital especulativo engendra uma volatilidade semelhante na taxa de câmbio. Como essa é uma variável importante no comportamento da economia, na medida em que interfere nos volumes de exportação e de importação, sua oscilação tende a provocar igual comportamento na economia real. Foi por isso que Keynes, já nos anos 1930, propunha taxar, em lugar de isentar, os movimentos internacionais de capitais especulativos. Essa questão tornou-se tão importante depois das desregulações financeiras dos anos 1990 que surgiu uma organização internacional com o objetivo de lutar pela taxação desses capitais, liderada pelo jornal Le Monde Diplomatique, da França. Os tecno-dinossauros do BC estão indo na contramão da história.
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