terça-feira, setembro 01, 2009

A realidade atrás da conversa de “recuperação” econômica

 

“Numa absurda distorção de nosso contraditório sistema econômico, quanto mais o governo gasta para ‘estimular’ a nossa deprimida economia, menos a prática dos negócios deixa algo para gastar aos trabalhadores. Isso é uma combinação auto-derrotante que mina a real recuperação que todos necessitam”

RICK WOLFF *

Meados de agosto de 2009 foi um momento peculiar na economia dos EUA. Em Wall Street, os grandes bancos e a mídia estiveram, antes de tudo, celebrando a “recuperação econômica”. Enquanto isso, os americanos estavam sofrendo níveis recorde de desemprego, insegurança no emprego, despejos, ansiedades quanto às dívidas pessoais e distúrbios decorrentes das tensões e da raiva que isso provoca. Um economista [Max Fraad Wolff] referiu-se aos EUA como “uma nação, duas economias nacionais”. Duas séries particulares de dados econômicos, em agosto, revelam o aprofundamento do divisor econômico por trás da conversa sobre “recuperação”.

A primeira série de números veio do US Department of Labor’s Bureau of Labor Statistics [Escritório de Estatísticas de Trabalho do Departamento do Trabalho dos EUA – sigla em inglês: BLS]. Eles mostram alguns fatos notáveis sobre (1) a produtividade dos trabalhadores norte-americanos – a quantidade física de bens e serviços produzidos nos EUA pelos trabalhadores empregados; (2) a remuneração paga aos trabalhadores norte-americanos; e (3) as horas que eles realmente trabalharam. Esses números mostram como a economia mudou do primeiro trimestre (janeiro-março) para o segundo (abril-junho) de 2009. A média do número de horas de trabalho pagas por empregado caiu 7,6%, mas a produção total caiu apenas 1,7%. O motivo foi porque os trabalhadores que não perderam (ainda) os seus empregos estavam apavorados, assim, aceitaram trabalhar mais arduamente e mais depressa, efetuando algumas das tarefas que antes eram feitas pelos trabalhadores demitidos. Com um menor número de empregados trabalhando mais, o BLS informou que a produtividade do trabalho nos EUA aumentou 6,4%.

Pelo seu trabalho mais árduo, mais rápido, e, portanto, 6,4% mais produtivo, aqueles ainda empregados viram os seus salários e moeda subirem somente 0,2% do primeiro para o segundo trimestre de 2009. Mas, quando o BLS levou em consideração o aumento dos preços que os trabalhadores têm de pagar (os bens e serviços que eles realmente poderiam comprar), os seus salários reais caíram 1,1%. Tomados em conjunto, esses números mostram que os empregadores conseguiram um enormeaumento na produção de cada empregado, ao mesmo tempo que aquilo que pagam a estes impôs uma redução nos bens e serviços que eles podem comprar.

Não  é de admirar que o segundo trimestre de 2009 fosse celebrado pelo homens de negócio como uma “recuperação”, e, por consequência, pelos políticos e pela mídia; os trabalhadores apenas assistiram e preocuparam-se.

Os números da produtividade contam-nos mais ainda. Eles mostram um aprofundamento da desigualdade entre empregadores e empregados nos EUA. Os empregadores, ao obter 6,4% mais de produção para vender por hora de trabalho paga ao trabalhador, gozaram de cerca de 6,4% mais de faturamento. Entretanto, os seus empregados que restaram, trabalhando mais árdua e mais rapidamente, conseguiram, como pagamento por hora, salários que lhes proporcionam menos bens e serviços do que antes.

As respostas dos empregadores à atual crise econômica (demissões e aumento do ritmo de trabalho), portanto, pioram a diferença de renda e de padrões de vida entre empregadores e empregados. Deve-se ter isto em mente da próxima vez que se ouvir líderes dos negócios ou da política, falando sobre como “todos nós precisamos apertar os cintos” ou “fazer iguais sacrifícios”.

O aumento da desigualdade na distribuição de renda entre empregadores e empregados habitualmente, também, aprofunda as desigualdades políticas e culturais. Os empregadores agora terão relativamente mais recursos para moldar políticas do que terão os trabalhadores. Os empregadores terão mais para promover suas amenidades culturais (suas famílias desfrutarão um maior acesso a atividades educacionais, artísticas, recreativas, enquanto os trabalhadores descobrirão que tal acesso é cada vez mais difícil). A crescente desigualdade econômica, política e cultural desde a década de 70 ajudou a provocar a crise atual. Agora, a crise está piorando essa desigualdade. Recuperação?

O aumento da desigualdade também ameaça qualquer “recuperação econômica” que possa realmente começar. Os empregadores geralmente economizam mais e gastam menos de sua renda do que seus empregados. A economia norte-americana assolada pela crise obtém um “estímulo” benéfico com os trabalhadores gastando quase todos os seus rendimentos. Esse estímulo diminui quanto mais a renda flui para os empregadores e menos para os trabalhadores. Numa absurda distorção de nosso contraditório sistema econômico, quanto mais o governo gasta para “estimular” a nossa deprimida economia, menos a prática dos negócios deixa algo para gastar aos trabalhadores. Isso é uma combinação auto-derrotante que mina a real recuperação que todos necessitam.

A segundo série de números foi recolhida e publicada pelo US Federal Reserve [o banco central dos EUA]; esta série diz respeito à “capacidade ocupada”. A grosso modo, esses números medem a proporção da capacidade produtiva do país que está realmente sendo usada na produção. Em julho de 2009, a proporção da capacidade ocupada em toda a indústria era de 65,4%, ou, aproximadamente, dois terços. Mais de um terço das ferramentas, máquinas, equipamentos, fábricas, escritórios, etc., estava ocioso na indústria. Para comparação, de 1972 a 2009 a taxa média de capacidade ocupada na indústria foi de 79,6%. A crise, portanto, está aumentando o enorme desperdício do nosso sistema econômico – fracassando em fazer uso dele – numa porção muito significativa dos recursos produtivos do nosso país. Capacidade ociosa geralmente significa capacidade em deterioração. E isto depois de um ano de “pacotes de estímulo econômico” de Bush e Obama.

Consideremos o significado desse desperdício. Lado a lado com os 15 milhões de desempregados de hoje (sem falar nos subempregados), temos um terço da nossa capacidade industrial também desempregada. No entanto, necessidades sociais massivas continuam por ser contempladas (reconstrução dos centros das cidades, atender milhões de crianças, de doentes e de idosos, reparar décadas de danos ao ambiente, etc.). Da maneira como esse sistema econômico funciona, supõe-se que tenhamos de esperar até que empresas privadas vejam lucros na recontratação de desempregados e na utilização da capacidade disponível. Até então, supõe-se que assistamos e aceitemos a incapacidade desse sistema em combinar pessoas desempregadas com recursos desempregados para atender necessidades sociais óbvias.

As duas séries de números divulgadas neste mês de agosto revelam a realidade por trás da conversa de “recuperação”. A vasta maioria do povo vive e trabalha (ou não) naquela “outra” economia nacional que não está experimentando a “recuperação” que supostamente estamos aplaudindo.

· Professor Emérito de Economia na Universidade de Massachusetts–Amherst e professor visitante do programa de graduação em Relações Internacionais da New School University, Nova Iorque. Este artigo foi publicado originalmente na “Monthly Review”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário