quarta-feira, julho 02, 2008

Estrella: o pré-sal será a grande alavanca para o progresso do país

 

O diretor de Exploração e Produção da Petrobrás, Guilherme Estrella, há mais de 30 anos na estatal, é uma das maiores autoridades do setor. Geólogo, formado pela UFRJ, teve papel decisivo no desenvolvimento de tecnologias de exploração de óleo em águas profundas. Em 31 de janeiro de 2003 foi convocado pelo presidente Lula para assumir a tarefa de coordenar os trabalhos de exploração da companhia. Com extraordinária competência na interpretação geológica para fins de exploração de petróleo de grandes regiões e não só de blocos, estudou e mapeou conjuntos de bacias sedimentares inteiras, que resultou na descoberta de petróleo na camada pré-sal. De posse dos dados da mega reserva de Tupi levou ao presidente as informações da Petrobrás que resultou na retirada da nona rodada de licitação da ANP de todos os blocos que estavam na área do pré-sal. Estrella é presidente do Conselho de Administração da Petrobrás e membro do Conselho de Administração da subsidiária Gaspetro e da sua subsidiária Transportadora Associada de Gás S.A.. Em entrevista ao HP, ele afirma que o pré-sal é a grande oportunidade do Brasil, “de efetivamente nos alçarmos a um país com a importância que nós temos: um país deste tamanho, um povo espetacular, criativo, como o que nós temos”.

CLÓVIS MONTEIRO

HP - O que avançou no debate sobre o petróleo nacional a partir do anúncio da descoberta do pré-sal?
ESTRELLA - Está se consolidando na sociedade brasileira a consciência de que o país conta com uma reserva de um insumo energético fundamental para o seu desenvolvimento. O professor Bautista Vidal definiu há alguns anos nosso petróleo e gás como um patrimônio estratégico natural da nação brasileira. Não podemos considerar o petróleo e o gás como commodities, simples commodities. O petróleo e o gás são um patrimônio estratégico natural da Nação brasileira, que pertence ao povo brasileiro. O governo brasileiro tem entendido, tem emitido suas opiniões, também com esse conceito com que nós estamos lidando. Para mim, como diretor da companhia e como cidadão, é extremamente confortável ver o acionista majoritário da companhia, que é o governo brasileiro, emitir opiniões com as quais eu estou inteiramente de acordo.

Um segundo ponto é que a partir da consideração de que o petróleo é um bem estratégico, patrimônio natural da Nação brasileira, do território nacional, vislumbramos a inserção do petróleo no grande planejamento energético nacional. Pela primeira vez a sociedade brasileira tem em suas mãos as condições de fazer um planejamento energético que é fundamental para o desenvolvimento nacional, para a ascensão do Brasil à uma Nação socialmente justa, socialmente correta, e globalmente influente. Um planejamento energético de médio e longo prazo, do ponto de vista da estratégia nacional de desenvolvimento, da justiça social, da distribuição das riquezas brasileiras, de permitir que a sociedade em geral aufira as riquezas do nosso território, do nosso subsolo, do petróleo.

Considero que é fundamental o governo brasileiro deter a gestão dos recursos energéticos nacionais. A energia é fundamental para o desenvolvimento econômico. Não há país importante no mundo que não tenha uma base energética sólida e concreta. Portanto, é fundamental que o governo brasileiro detenha em seus limites de decisão - autônomo e soberano de acordo com os verdadeiros interesses do povo brasileiro – o poder de dispor desses recursos, com vista ao planejamento energético.

HP- É possível ao governo dispor desses recursos com a atual legislação?
ESTRELLA - Hoje, pela Constituição Federal, o subsolo pertence à União, portanto as reservas petrolíferas pertencem à União, mas a União não tem propriedade sobre o petróleo produzido. Na legislação atual o petróleo é de propriedade de quem o produz – é o regime de concessão. Isso, em se tratando da região do pré-sal, tem que ser modificado. O governo, a União, tem que ser proprietária do petróleo produzido.

Nós temos duas alternativas: uma é que a União tenha a titularidade do petróleo. É a chamada participação na produção simples: a empresa ganha uma licitação para produzir petróleo numa determinada área. No pré-sal, não há mais o risco exploratório, são áreas para a produção, não mais para a exploração. No modelo de partilha de produção simples, as empresas vão ganhar as áreas para produzir na base da partição entre a propriedade destas empresas do óleo e a titularidade da União. Elas podem produzir quanto quiserem, e o petróleo pertencente à União tem a titularidade da União. Neste modelo, a União não tem poder de regular e de determinar quanto vai ser produzido, como vai ser produzido, e onde.
Na minha opinião, a União deve deter a propriedade desse petróleo. Pode até ser um modelo de partilha da produção, mas concedendo à União a propriedade, não só a titularidade, mas a propriedade do óleo produzido. Seja na partilha da produção ou no contrato de serviço - o modelo a ser adotado é secundário, é até uma decorrência dessa premissa básica da União ser proprietária do petróleo. Isso vai permitir ao governo, de maneira soberana e autônoma, fazer um planejamento a longo prazo da produção – na que vai certamente abastecer o mercado nacional e na que vai ser exportada.

HP - E sobre a criação de uma nova empresa estatal para o pré-sal. Isso esvaziaria a Petrobrás?
ESTRELLA - Há exemplos de governos que possuem essas empresas dentro de sua área de atuação, e têm, também, outras, de controle estatal, como a Petrobrás. São exemplos absolutamente exitosos. Naturalmente, uma empresa sob controle estatal, mas com grande participação privada dentre seus acionistas, impõe certas condições que diferem de uma gestão direta estatal numa empresa pública. São interesses diferentes que convivem. Mas há exemplos mundiais em que convivem perfeitamente uma empresa absolutamente estatal, 100% estatal, e uma empresa em que o governo detém o controle acionário, como acionista majoritário, mas que também tem interesses privados, de Bolsa, interferindo na gestão. A aplicação de modelos depende das peculiaridades dos países em que o modelo é aplicado. Eu trabalhei na Braspetro, na Petrobrás internacional, e me perguntavam: você não é a favor do monopólio estatal do petróleo? Como é que está trabalhando na Petrobrás em outro país? Há uma aparente incoerência. Eu respondia: não há. Porque cada país sabe dos seus interesses, tem as suas peculiaridades. Eu não posso ensinar, eu não tenho direito de ensinar a outros países o que é melhor para suas sociedades. Para o Brasil eu sempre disse, e digo ainda hoje, que o monopólio estatal do petróleo é a melhor solução. Não deveria ter sido mudado, na minha opinião como cidadão brasileiro. Mas, para as peculiaridades brasileiras de hoje, a sociedade tem que discutir qual é o modelo melhor. Se é o maior fortalecimento da Petrobrás, se é a criação de uma empresa pública que vai também atuar neste assunto. Não tenho ainda uma posição definida. Ainda que possa haver opiniões de um lado e de outro, a solução vai vir desta discussão.

HP - O governo poderia aumentar sua participação acionária dentro da Petrobrás, a partir da descoberta do pré-sal?

ESTRELLA - É uma possibilidade concreta e muito interessante. A grande maioria das empresas nacionais de petróleo controladas pelo Estado têm uma participação acionária estatal muito mais elevada do que a Petrobrás. Uma elevação, um aumento da participação do governo no conjunto das ações da Companhia é muito interessante. É uma empresa que tem um portfólio de projetos que garantem o seu futuro a longo prazo. Além de dar ao governo uma condição acionária mais confortável em termos de gestão da empresa, a União também iria auferir melhores e maiores resultados, maior participação nos resultados da companhia. Por suas políticas de distribuição de renda, terá mais condições de investir no país a partir desse maior ingresso de recursos decorrente da maior participação na companhia.
Todas essas coisas formam um conjunto de iniciativas e alternativas que tem de ser pensado. Não podemos nos fechar a um movimento de internacionalização e globalização que está em curso. Eu sou favorável a uma inserção soberana, para citar o Brizola. O grande interesse brasileiro é participar das soluções para o planeta inteiro.

HP - Em relação ao pré-sal que já está sendo perfurado, o senhor falou na formação de um cluster, de uma unitização, um pólo. Como está sendo pensado isto? [NOTA: A “unitização”, prevista no artigo 27 da atual Lei do Petróleo, significa que quando uma jazida - como é o caso do pré-sal - se estende por mais de um bloco contíguo, pertencentes a concessionários diferentes, as atividades de desenvolvimento e de produção devem ser realizadas conjuntamente pelas empresas concessionárias].

ESTRELLA - Os resultados que nós temos obtido indicam que há uma grande probabilidade das descobertas que realizamos, junto com os sócios, extrapolarem os limites dos nossos blocos de concessão exploratório. Isso faz com que nessa área do pólo pré-sal, que antigamente a gente chamava de cluster, na Bacia de Campos, provavelmente em muitos locais, nós teremos que unitizar com a União. Esta é a novidade. Unitizar com a União e com outros blocos em que nós somos operadores, mas com outros parceiros. A lei do petróleo diz que a União pode participar como componente da unitização de vários blocos. É uma experiência nova para nós, mas que eu considero inescapável. Vamos ter que sentar à mesa com as outras empresas que compõem os nossos consórcios – só em um bloco nós não somos operadores, que é o bloco da Esso – e com a União, que é proprietária das áreas entre os blocos.

HP - Durante este período, até uma nova lei do petróleo, as licitações de blocos em áreas petrolíferas continuarão, ou isso não é prudente?

ESTRELLA - Nós estamos num processo de mudança que pode ser decisivo para o planejamento energético nacional. Nessa situação, o melhor é darmos uma parada no processo que está hoje em vigor, mas que reflete condições do passado, completamente diferentes das atuais. As condições de contorno do problema mudaram radicalmente. Portanto, há riscos se nós mantivermos esse processo em andamento tal como está. O principal risco está na realização de novas licitações com respeito ao pré-sal. No restante, não, nas outras regiões do país as licitações podem continuar. Mas, com respeito ao pré-sal, nós temos que dar uma parada, discutir com a sociedade, ver qual o novo marco legal que vai reger e organizar esta área.

HP - Como será o impacto industrial deste processo, já que estamos multiplicando por várias vezes a produção?
ESTRELLA - Talvez este seja o ponto principal, depois de estabelecidas aquelas premissas básicas de considerar o petróleo como um bem estratégico nacional e dar ao governo as ferramentas de propriedade do óleo para poder decidir e realizar um planejamento energético nacional. Boa parte da fabricação do projeto, concepção, instalação desses novos sistemas de produção ainda é importada. E nesta importação existe muito de tecnologia. A tecnologia é um quesito que individualmente não é muito caro, não é o preponderante do ponto de vista financeiro, mas ela governa e decide o futuro. Existe uma coisa importantíssima inserida na tecnologia, que é a inteligência, a competência de criar novos conhecimentos. Temos de aproveitar o pré-sal, onde a escala dos investimentos é gigantesca, a quantidade de equipamentos é extremamente grande, para que aquela parte tecnológica que ainda não está nacionalizada nos nossos projetos atuais seja efetivamente nacionalizada com a inteligência brasileira, com a universidade brasileira, com a participação brasileira no desenvolvimento tecnológico. Essa é a grande oportunidade do pré-sal. Iniciamos com o conteúdo nacional para gerar emprego, que é uma dívida social que temos com a sociedade brasileira, mas agora configura-se a segunda etapa. Geramos emprego, mas também vamos gerar conhecimento, tecnologia, inteligência neste conteúdo nacional, de maneira que, fazendo um prognóstico de 10 ou 15 anos, nós tenhamos as coisas fabricadas no Brasil, com inteligência brasileira, com desenvolvimento tecnológico brasileiro, e competindo internacionalmente. A soberania não é só na produção de bens primários, o que também é importante, mas também na produção de bens com alto valor tecnológico agregado.

HP - O senhor poderia dar exemplos de áreas em que isto ocorrerá?
ESTRELLA - Por exemplo, barcos de apoio. Nós acabamos de lançar um programa de mais de cem barcos de apoio. Esses barcos de apoio são projetados no exterior. Os motores vêm do exterior, as partes mais tecnologicamente elaboradas são projetadas do exterior, o sistema de posicionamento dinâmico são projetados e a maior parte construídos no exterior. Não é possível nós recebermos o 146º barco com projeto no exterior. Quando vem o projeto do exterior, até as escotilhas e maçanetas são projetadas no exterior. É inaceitável. Nós temos que chegar a um barco projetado no Brasil, construído no Brasil, com inteligência brasileira para suprir nossas necessidades. Nós temos que inserir o projeto da engenharia nacional no pré-sal. Quando a gente fala de engenharia é, lato sensu, não só o engenheiro - é o geólogo, o geofísico e todas as ciências correlatas. É inserir a inteligência brasileira num grande projeto de melhoria e elevação da nossa competência como sociedade geradora de tecnologia.

HP - Então, o pré-sal pode ser a grande alavanca do desenvolvimento?
ESTRELLA - O pré-sal tem que ser a grande alavanca. Governo, sociedade brasileira como um todo, políticos, empresários brasileiros envolvidos nisso. Essa é a grande oportunidade do Brasil, de efetivamente nos alçarmos a um país com a importância que nós temos: um país deste tamanho, um povo espetacular, criativo, como o que nós temos.

HP - A parceria com a Nuclep na construção de plataformas é um exemplo para desenvolvermos esta inteligência?
ESTRELLA - Nuclep é um exemplo da competência brasileira na engenharia de projeto e construção de grandes estruturas. Estou procurando o Ministério de Ciência e Tecnologia para montarmos um grande projeto de desenvolvimento tecnológico nacional baseado no pré-sal. Entrarão a Nuclep, as universidades brasileiras, os centros de pesquisa. Não será aceitável que com essa riqueza toda nós venhamos a produzi-la sem a inteligência brasileira.

O país está com uma grande oportunidade de, afinal, levantar o gigante adormecido e se fazer presente, de uma forma pacífica, não preconceituosa, solidária, que marca a característica do povo brasileiro. Esta é a grande contribuição que podemos dar à humanidade. Um país pujante, ensolarado, com um povo que ama a vida, mas também tecnologicamente avançado, com criação de conhecimentos. Temos intolerâncias, mas em menor nível que outros países. Somos um povo solidário, trabalhador. Acho que o Brasil tem as condições para dar uma grande contribuição.

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