quinta-feira, maio 17, 2007

“Ação da Cargill em Santarém agride à dignidade nacional”

Frente em Defesa da Amazônia:

Padre Edilberto Moura Sena, da Frente em Defesa da Amazônia, denuncia multinacional norte-americana pela privatização da praia de Vera Paz e pelo vertiginoso crescimento da devastação, da contaminação ambiental, da concentração fundiária e da violência desmedida praticada contra trabalhadores rurais na cidade do Oeste paraense

LEONARDO WEXELL SEVERO, DE SANTARÉM-PA
O fechamento do porto da Cargill em Santarém, determinado pela Procuradoria Geral do Estado do Pará, assim como a sua absurda reabertura sem a apresentação do Estudo de Impacto Ambiental, as ameaças de morte contra a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade, Maria Ivete Bastos, o crescimento das áreas devastadas e o reconhecimento nacional e internacional à luta da Frente em Defesa da Amazônia, são o pano de fundo desta entrevista, dada na cidade portuária vitimada pela multinacional norte-americana.
Para o representante da Frente, padre Edilberto Moura Sena, a gravidade dos desmandos da multinacional aponta para a necessidade de que a lei chegue para fazer justiça frente à mega-exploração. Recentemente, padre Edilberto acompanhou Maria Ivete Bastos, à Índia, onde ela recebeu das mãos da ativista e escritora Wandana Shiva, dirigente da Navdanya, entidade que luta pela defesa das sementes tradicionais, o prêmio Mahatma Gandhi.
Qual a sua posição sobre a instalação da Cargill em Santarém?
Eu me preocupo de ver o imbróglio da Cargill. Uma empresa estrangeira, que se instala no nosso país violando a Constituição brasileira e depois briga com muito recurso para se manter funcionando, é uma agressão à nossa dignidade nacional. Mas, lamentavelmente, uma parte da nossa população, especialmente a elite econômica e política da região, defende essa empresa estrangeira instalada à revelia da lei aqui no Pará.
Quando começaram os abusos?
Isso já vem desde 1999, quando a Cargill chegou aqui e resolveu destruir uma praia popular, bem na frente da cidade, a praia de Vera Paz. Com isso, ela destruiu duas coisas: uma praia popular e a geração de renda para muitas famílias pobres que comercializavam no local. Além disso, a empresa aterrou um sítio arqueológico, o que foi comprovado pela arqueóloga Ana Roosevelt. Este foi o primeiro grave problema na época, com a conivência do governo do Estado do Pará e das Docas do Pará, que é um departamento federal, que estava contente em arrendar uma área do seu porto – que eu não sei exatamente nem quanto paga anualmente. Até hoje não se sabe quanto o governo do Pará ganhou neste jogo, mas apenas que deu uma “licença” provisória que é ilegal.
Armação descarada...
Foi baseada nesta “licença” que a Cargill construiu seu monstro de Lago Ness, isto é, o monstro do Rio Tapajós. Deste porto você pode colocar a foto na reportagem, porque é uma agressão a uma cidade preparada pela natureza e por Deus para ser uma cidade turística. Invadiu o rio Tapajós, privatizou não apenas a praia, mas a enseada do Rio. Hoje, se algum pobre colocar um bote ali naquela enseada, imediatamente vem um guarda da Cargill, quer dizer privatizou tudo.
Como a denúncia contra a Cargill ganhou essa proporção?
Nós, da frente em Defesa da Amazônia, denunciamos este fato da empresa estar fazendo uma agressão à Constituição. O Ministério Público Federal, à época na responsabilidade de Felício Pontes, que hoje é o procurador geral do Estado, acatou a nossa denúncia e processou a Cargill. Como a Cargill é poderosa financeiramente e arrogante na sua política, e você deve ter muitos exemplos da arrogância dela no Sul do país, lá na Índia e em outros lugares do mundo, ela não ligou para o Ministério Público e continuou seu trabalho. No ano 2000 um juiz federal em Santarém sentenciou a Cargill, mandando-a paralisar o serviço e realizar o Estudo de Impacto Ambiental. Este é o xis da questão, o EIA-Rima. A Cargill não ligou, recorreu, e assim, de liminar em liminar, os anos foram correndo e chegou até agora quando finalmente o Tribunal Regional Federal decretou que o juiz de Santarém estava certo desde aquela época e que a ordem era a de paralisar o porto e fazer o Estudo. Foi então que o Ibama paralisou o porto (há dois meses). A Cargill não se conformou e recorreu novamente, embora conforme o Tribunal dizia, não cabia mais recurso... Ela recorreu. Agora, a Cargill veio com outra conversa dizendo que estava disposta a fazer o EIA-Rima, contanto que deixasse o porto funcionando, pois ela iria ter prejuízo econômico, iria prejudicar os produtores de soja da região. Agora ela admite que errou, mas quer um ajuste de conduta. Quer dizer, qualquer réu que comete um crime vai para o presídio, paga o crime e depois é solto. A Cargill não quer ir para a prisão, quer deixar o seu porto aberto. Aqui está o grande problema.
Desde a chegada da Cargill, o que mudou?
De 1999, quando a Cargill chegou aqui, até hoje, os impactos ambientais vêm se avolumando. Na época, o processo aberto pelo Ministério Público Federal era em cima do porto, que não poderia ser construído sem o EIA-RIMA. Mesmo assim, a Cargill construiu à revelia, em 2003 o porto começou a funcionar e de lá para cá já exportou mais de 2 milhões de toneladas de soja por ele. Isso à revelia da lei e da Constituição. Pois bem, ainda estamos aguardando o julgamento da ação principal de 1999, que estava restrita ao porto. Agora, nós vamos apresentar novos fatos ao tribunal, porque hoje os impactos ambientais não estão mais restritos ao porto, ao local, já atingem toda área de influência da Cargill, que é onde se produz soja, até o Mato Grosso, que é de onde vem a soja. 95% da soja da multinacional no porto provém de Mato Grosso. Ou seja, Santarém até agora é 5%, o que parece mínimo. No entanto, para nossa região de floresta, é um impacto tremendo. Só neste ano, são 17 mil hectares plantados, que serão colhidos daqui há pouco.
E as ameaças de morte feitas contra a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém, Maria Ivete Bastos?
Quando um grileiro que tem capangas, e dos mais perigosos, começou a ameaçar a Ivete, a questão ganhou maior repercussão. Ele já foi preso, solto, mas não fica preso. O procurador Felício Pontes cunhou uma expressão para os conflitos mais ao sul, falando de um consórcio da morte, a partir do assassinato da irmã Dorothy. O que eu sinto é que os sojeiros estão acuados com esta crise da Cargill e aí está o perigo, porque se o cidadão não tem o mínimo de civilidade e se vê acuado, fica como cachorro, morde o dono. São perigosos.

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