Rede mundial reavalia neoliberalismo econômico pós-OMC
Articulação de mais de 150 organizações mundiais, rede “Nosso Mundo não Está à Venda” se reúne em São Paulo para avaliar processos de aplicação das teorias neoliberais, base dos acordos de livre-comércio.
Verena Glass - Carta Maior
Data: 18/11/2006 SÃO PAULO – Ao se completarem 20 anos da Rodada Uruguai do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) - que, em 1995, resultou na criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) -, alcançar os objetivos de uniformizar um sistema econômico mundial que dite regras e procedimentos para o comércio internacional parece cada vez mais distante. Não tem sido fácil encontrar consensos entre os 150 países membros da OMC. Travadas em sua última reunião de cúpula em Hong Kong, ocorrida em dezembro do ano passado, as negociações parecem ter chegado a um ponto morto em que conflitos de interesses entre países ricos e pobres vêm se configurando como obstáculos aparentemente intransponíveis.
A falta de acordos no principal foro de debates sobre o comércio mundial, no entanto, não tem brecado o avanço da agenda neoliberal em outros espaços de negociação, como os diversos Tratados de Livre Comércio (TLCs) bi e multilaterais e regionais, instrumentos que, pelo poder econômico dos países ricos, têm facilitado a imposição de sua agenda aos “parceiros” em desenvolvimento, com conseqüências bastante desfavoráveis para os seus setores mais vulneráveis.
Esta reflexão tem sido adotada como linha condutora dos movimentos antiglobalização desde 1999, quando grandes manifestações sociais paralisaram os trabalhos da OMC em Seattle. Desde então, reunidas na articulação mundial “Nosso Mundo não Está à Venda” (ou OWINFS, em sua sigla em inglês), estas organizações têm se especializado não apenas em protestos e mobilizações contra a OMC – como aconteceu nas cúpulas de Cancún, em 2003, e em Hong Kong, em 2005 –, mas também em um acompanhamento sistemático das negociações setoriais em Genebra, sede da organização, e na capacitação dos movimentos para o entendimento dos procedimentos, das burocracias, da linguagem e das entrelinhas do comércio mundial.
Entre os dias 10 e 12 deste mês, cerca de 60 representantes das mais de 150 organizações-membro do OWINFS se reuniram em São Paulo para avaliar e reorganizar as estratégias do movimento, uma vez que, enquanto a OMC continua paralisada, os TLCs têm avançado com muita rapidez.
Fazendo uma rápida retrospectiva dos últimos anos, o economista Martin Khor, diretor do da ONG Third World Network, baseada na Malásia, avaliou que, entre os principais acertos do OWINFS, se inclui a pressão sobre os governos dos países em desenvolvimento. O diálogo com os negociadores oficiais não apenas pautou o debate sobre pobreza e assimetrias, mas levou à retirada dos Temas de Cingapura - investimentos, compras governamentais, políticas de concorrência e facilitação do comércio - da pauta da OMC, exemplifica.
O fortalecimento das redes e articulações sociais tem sido fundamental para este processo, e, em regiões como a América Latina, desempenharam o papel de evidenciar o fracasso da proposta neoliberal – questionada inclusive por parte dos governos, a exemplo do descarte da Alca no ano passado.
Agora, no entanto, seria preciso avançar não apenas para além da OMC - o que significa incluir na pauta o acompanhamento dos TLCs e das negociações com Instituições Financeiras Internacionais (IFIs), que muitas vezes usam as condicionalidades em seus empréstimos para impor a agenda do capital aos países pobres -, mas também estar atento às estratégias transversais deste capital, bem como propor alternativas concretas.
“Não é mais tão difícil sermos ouvidos quando falamos em desvantagens de certos acordos econômicos com os governos mais pobres. A liberalização do comércio tem sido vista de forma crítica. Mas sabemos que comércio não é apenas movimentação de produtos. Hoje, um dos aspectos mais perigosos são os investimentos, sempre bem acolhidos pelos governos. As empresas estrangeiras acabam sendo instrumentos terríveis de exploração da população e dos recursos naturais. Um estudo da Unctad (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento) acaba de apontar que as patentes das transnacionais são feitas por suas filias nos países em desenvolvimento. Investimentos nestes países às vezes é mais estratégico do que comércio”, exemplifica a sul-africana Dot Keet, especialista em macroeconomia de países em desenvolvimento.
Alternativas e estratégias
Na avaliação dos rumos do OWINFS, a experiência latino-americana teve um grande destaque não apenas em função dos logros na oposição à Alca, mas pelo estágio avançado dos debates regionais sobre alternativas ao neoliberalismo.
Ainda em 2002, a Aliança Social Continental, articulação hemisférica de organizações e movimentos sociais, elaborou uma proposta política para a região chamada “Alternativa para as Américas”, documento que foi aproveitado posteriormente como base da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), proposta pelo presidente venezuelano Hugo Chávez em resposta à Alca. Também surgiu aqui, pelas mãos do presidente boliviano Evo Morales, o contraponto aos TLCs, com os chamados TLPs (Tratados de Comércio dos Povos). Não que estas propostas se transformem em receitas para o resto do mundo, ponderou a assembléia do OWINFS, mas poderão ser um ponto de partida.
O fato de que campanhas como “Água fora da OMC”, que pretende retirar o debate sobre recursos hídricos do âmbito comercial e transformá-lo em pauta dos Direitos Humanos, podem ser bancadas por governos – como prometeu a administração boliviana neste assunto específico – levou à reafirmação da importância do diálogo com estes setores, mas se avaliou que é imprescindível fortalecer os movimentos sociais, com quem OWINFS deve estreitar laços através de processos de capacitação, por um lado, e adoção de suas demandas, por outro, e com outras redes, como o movimento contra a guerra, o movimento contra as bases militares americanas, a bandeira pela soberania alimentar, defendida pela Via Campesina.
Tomando em conta as diferenças regionais em termos de grau de organização dos movimentos e de demandas e conjunturas particulares, o OWINFS buscou estabelecer alguns princípios para suas ações, como a luta pela erradicação da pobreza, a regulação do comércio e do fluxo de capital mundial, a não sobreposição de políticas globais às domésticas, apoio às iniciativas regionais de integração, que as questões ambientais e recursos naturais sejam excluídos das negociações comerciais, e que os acordos da Unesco e da Organização Internacional do Trabalho tenham prioridade sobre o comércio, entre outros.
“Nosso foco começou sendo a OMC, mas agora ele se amplia para todo o sistema multilateral de comércio, a globalização corporativa, as Instituições Financeiras Internacionais. Uma das atividades é treinar e capacitar os atores locais a compreender os mecanismos de negociação e a tratar com os governos, mas o OWINFS traduz as demandas das bases, o que é o seu dia a dia, para os demais setores. Nosso objetivo maior é lincar os vários grupos de luta contra a globalização neoliberal para maximizar os impactos de nossas lutas”, explica Margrete Strand, da ONG americana Public Citizen.
A falta de acordos no principal foro de debates sobre o comércio mundial, no entanto, não tem brecado o avanço da agenda neoliberal em outros espaços de negociação, como os diversos Tratados de Livre Comércio (TLCs) bi e multilaterais e regionais, instrumentos que, pelo poder econômico dos países ricos, têm facilitado a imposição de sua agenda aos “parceiros” em desenvolvimento, com conseqüências bastante desfavoráveis para os seus setores mais vulneráveis.
Esta reflexão tem sido adotada como linha condutora dos movimentos antiglobalização desde 1999, quando grandes manifestações sociais paralisaram os trabalhos da OMC em Seattle. Desde então, reunidas na articulação mundial “Nosso Mundo não Está à Venda” (ou OWINFS, em sua sigla em inglês), estas organizações têm se especializado não apenas em protestos e mobilizações contra a OMC – como aconteceu nas cúpulas de Cancún, em 2003, e em Hong Kong, em 2005 –, mas também em um acompanhamento sistemático das negociações setoriais em Genebra, sede da organização, e na capacitação dos movimentos para o entendimento dos procedimentos, das burocracias, da linguagem e das entrelinhas do comércio mundial.
Entre os dias 10 e 12 deste mês, cerca de 60 representantes das mais de 150 organizações-membro do OWINFS se reuniram em São Paulo para avaliar e reorganizar as estratégias do movimento, uma vez que, enquanto a OMC continua paralisada, os TLCs têm avançado com muita rapidez.
Fazendo uma rápida retrospectiva dos últimos anos, o economista Martin Khor, diretor do da ONG Third World Network, baseada na Malásia, avaliou que, entre os principais acertos do OWINFS, se inclui a pressão sobre os governos dos países em desenvolvimento. O diálogo com os negociadores oficiais não apenas pautou o debate sobre pobreza e assimetrias, mas levou à retirada dos Temas de Cingapura - investimentos, compras governamentais, políticas de concorrência e facilitação do comércio - da pauta da OMC, exemplifica.
O fortalecimento das redes e articulações sociais tem sido fundamental para este processo, e, em regiões como a América Latina, desempenharam o papel de evidenciar o fracasso da proposta neoliberal – questionada inclusive por parte dos governos, a exemplo do descarte da Alca no ano passado.
Agora, no entanto, seria preciso avançar não apenas para além da OMC - o que significa incluir na pauta o acompanhamento dos TLCs e das negociações com Instituições Financeiras Internacionais (IFIs), que muitas vezes usam as condicionalidades em seus empréstimos para impor a agenda do capital aos países pobres -, mas também estar atento às estratégias transversais deste capital, bem como propor alternativas concretas.
“Não é mais tão difícil sermos ouvidos quando falamos em desvantagens de certos acordos econômicos com os governos mais pobres. A liberalização do comércio tem sido vista de forma crítica. Mas sabemos que comércio não é apenas movimentação de produtos. Hoje, um dos aspectos mais perigosos são os investimentos, sempre bem acolhidos pelos governos. As empresas estrangeiras acabam sendo instrumentos terríveis de exploração da população e dos recursos naturais. Um estudo da Unctad (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento) acaba de apontar que as patentes das transnacionais são feitas por suas filias nos países em desenvolvimento. Investimentos nestes países às vezes é mais estratégico do que comércio”, exemplifica a sul-africana Dot Keet, especialista em macroeconomia de países em desenvolvimento.
Alternativas e estratégias
Na avaliação dos rumos do OWINFS, a experiência latino-americana teve um grande destaque não apenas em função dos logros na oposição à Alca, mas pelo estágio avançado dos debates regionais sobre alternativas ao neoliberalismo.
Ainda em 2002, a Aliança Social Continental, articulação hemisférica de organizações e movimentos sociais, elaborou uma proposta política para a região chamada “Alternativa para as Américas”, documento que foi aproveitado posteriormente como base da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), proposta pelo presidente venezuelano Hugo Chávez em resposta à Alca. Também surgiu aqui, pelas mãos do presidente boliviano Evo Morales, o contraponto aos TLCs, com os chamados TLPs (Tratados de Comércio dos Povos). Não que estas propostas se transformem em receitas para o resto do mundo, ponderou a assembléia do OWINFS, mas poderão ser um ponto de partida.
O fato de que campanhas como “Água fora da OMC”, que pretende retirar o debate sobre recursos hídricos do âmbito comercial e transformá-lo em pauta dos Direitos Humanos, podem ser bancadas por governos – como prometeu a administração boliviana neste assunto específico – levou à reafirmação da importância do diálogo com estes setores, mas se avaliou que é imprescindível fortalecer os movimentos sociais, com quem OWINFS deve estreitar laços através de processos de capacitação, por um lado, e adoção de suas demandas, por outro, e com outras redes, como o movimento contra a guerra, o movimento contra as bases militares americanas, a bandeira pela soberania alimentar, defendida pela Via Campesina.
Tomando em conta as diferenças regionais em termos de grau de organização dos movimentos e de demandas e conjunturas particulares, o OWINFS buscou estabelecer alguns princípios para suas ações, como a luta pela erradicação da pobreza, a regulação do comércio e do fluxo de capital mundial, a não sobreposição de políticas globais às domésticas, apoio às iniciativas regionais de integração, que as questões ambientais e recursos naturais sejam excluídos das negociações comerciais, e que os acordos da Unesco e da Organização Internacional do Trabalho tenham prioridade sobre o comércio, entre outros.
“Nosso foco começou sendo a OMC, mas agora ele se amplia para todo o sistema multilateral de comércio, a globalização corporativa, as Instituições Financeiras Internacionais. Uma das atividades é treinar e capacitar os atores locais a compreender os mecanismos de negociação e a tratar com os governos, mas o OWINFS traduz as demandas das bases, o que é o seu dia a dia, para os demais setores. Nosso objetivo maior é lincar os vários grupos de luta contra a globalização neoliberal para maximizar os impactos de nossas lutas”, explica Margrete Strand, da ONG americana Public Citizen.
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