Política |
|
“Nós vivemos na era da globalização, tudo converge, os limites vão desaparecendo”. Quem não ouviu, no mínimo, uma destas expressões nos últimos anos? A globalização é um chavão de nosso tempo, uma discussão que está na moda, onde opiniões fatalistas conflitam com afirmações críticas, e o temor de uma homogeneização está no centro do debate. Suposições de uma sociedade mundial, de uma paz mundial ou, simplesmente, de uma economia mundial, surgem seguidamente, cujas conseqüências levariam a processos de unificação e adaptação, aos mesmos modelos de consumo e a uma massificação cultural. Mas há que se perguntar: trata-se apenas de conceitos em disputa ou há algo que aponte, de fato, nesta direção? Quais são, afinal, os efeitos culturais da globalização? |
ANTÔNIO INÁCIO ANDRIOLI O processo de constituição de uma economia de caráter mundial não é nada novo. Já no período colonial houve tentativas de integrar espaços intercontinentais num único império, quando a idéia de “dominar o mundo” ficou cada vez mais próxima. Por outro lado, a integração das diferentes culturas e povos como “um mundo” já foi desejada há muito tempo e continua como meta para muitas gerações. Sob esta ótica, o conceito de globalização poderia ter um duplo sentido, se ele não fosse tão marcado pelo desenvolvimento neoliberal da política internacional. Conforme o sociólogo alemão Ulrich Beck, com o termo globalização são identificados processos que têm por conseqüência a subjugação e a ligação transversal dos estados nacionais e sua soberania através de atores transnacionais, suas oportunidades de mercado, orientações, identidades e redes. Por isso, ouvimos falar de defensores da globalização e de críticos à globalização, num conflito pelo qual diferentes organizações se tornam cada vez mais conhecidas. Neste sentido, não se trata de um conflito stricto sensu sobre a globalização, mas sobre a prepotência e a mundialização do capital. Esse processo, da forma como ele atualmente vem acontecendo, não deveria sequer ser chamado de globalização, já que atinge o globo de forma diferenciada e exclui a sua maior parte – se observamos a circulação mundial de capital, podemos constatar que a maioria da população mundial (na Ásia, na África e na América Latina) permanece excluída. Essa forma de globalização significa a predominância da economia de mercado e do livre mercado, uma situação em que o máximo possível é mercantilizado e privatizado, com o agravante do desmonte social. Concretamente, isso leva ao domínio mundial do sistema financeiro, à redução do espaço de ação para os governos – os países são obrigados a aderir ao neoliberalismo – ao aprofundamento da divisão internacional do trabalho e da concorrência e, não por último, à crise de endividamento dos estados nacionais. Condições para que essa globalização pudesse se desenvolver foram a interconexão mundial dos meios de comunicação e a equiparação da oferta de mercadorias, das moedas nacionais e das línguas, o que se deu de forma progressiva nas últimas décadas. A concentração do capital e o crescente abismo entre ricos e pobres (48 empresários possuem a mesma renda de 600 milhões de outras pessoas em conjunto) e o crescimento do desemprego (1,2 bilhões de pessoas no mundo) e da pobreza (800 milhões de pessoas passam fome) são os principais problemas sociais da globalização neoliberal e que vêm ganhando cada vez mais significado. É evidente que essa situação tem efeitos sobre a cultura da humanidade, especialmente nos países pobres, onde os contrastes sociais são ainda mais perceptíveis. Em primeiro lugar, podemos falar de uma espécie de conformidade e adaptação. Em função da exigência de competitividade, cada um se vê como adversário dos outros e pretende lutar pela manutenção de seu lugar de trabalho. Os excluídos são taxados de incompetentes e os pobres tendem a ser responsabilizados pela sua própria pobreza. Paralelamente a isso, surge nos países industrializados uma nova forma de extremismo de direita, de forma que a xenofobia e a violência aparecem entrelaçada com a luta por espaços de trabalho. É claro que a violência surge também como reação dos excluídos, e a lógica do sistema, baseada na competição, desenvolve uma crescente “cultura da violência” na sociedade. Também não podemos esquecer que o próprio crime organizado oferece oportunidades de trabalho e segurança aos excluídos. Embora tenham sido desenvolvidos e disponibilizados mais meios de comunicação, presenciamos um crescente isolamento dos indivíduos, de forma que as alternativas de socialização têm sido, paradoxalmente, reduzidas. A exclusão de muitos grupos na sociedade e a separação entre camadas sociais têm contribuído para que a tão propalada integração entre diferentes povos não se efetive; pelo contrário, isso têm levado a um processo de atomização da sociedade. O valor está no fragmento, de modo que o engajamento político da maioria ocorre de forma isolada como, por exemplo, o feminismo, o movimento ambientalista, movimentos contra a discriminação ética e sexual, etc. Tudo isso sem que se perceba um fio condutor que possa unificar as lutas isoladas num projeto coletivo de sociedade. Nessa perspectiva fala-se de um “fim das utopias”, que se combina com uma nova forma de relativismo: “a verdade em si não existe; a maioria a define”. No que se refere à educação, cresce a sobrevalorização do pragmatismo, da eficiência meramente técnica e do conformismo. O mais importante é a formação profissional, concebida como único meio de acesso ao mercado de trabalho. A idéia é a de que, com uma melhor qualificação técnica, se tenha maiores possibilidades de conseguir um emprego num mercado de trabalho em declínio. Em conseqüência a isso, a reflexão sobre os problemas da sociedade assume cada vez menos importância; e valores como engajamento, mobilização social, solidariedade e comunidade perdem seus significados. Importante é o luxo, o lucro, o egocentrismo, a “liberdade do indivíduo” e um lugar no “bem-estar dos poucos”. Esses valores são difundidos pelos grandes meios de comunicação e os jovens são, nisto, os mais atingidos. A diminuição do sujeito/indivíduo surge como decorrência, pois o ser humano é cada vez mais encarado como coisa e estimulado a satisfazer prazeres supérfluos. Os excluídos são descartados sem perspectiva e encontram cada vez menos espaço na sociedade que, afinal de contas, está voltada aos consumidores, enquanto o acesso público é continuamente reduzido. Por outro lado, há reações que se desenvolvem internacionalmente contra essa tendência. A ampliação das possibilidades de comunicação tem contribuído para que protestos isolados pudessem se encontrar e constituir redes. O lema: “pensar globalmente e agir localmente” pôde ser superado, de forma que uma ação global se tornou possível, o que alterou a visão de mundo e os limites de tempo e espaço. Para além das diferenças étnicas, religiosas e lingüísticas dos povos, podemos falar de uma nova divisão do mundo: de um lado, uma minoria que é beneficiada pela globalização neoliberal e, de outro, a maioria que é prejudicada com a ampliação do livre mercado. Esse conflito está no centro do debate atual da humanidade, cujos efeitos caracterizam o espírito do nosso tempo e influenciarão a cultura da humanidade futura. Se a imagem das futuras gerações será fragmentada ou mais homogeneizada ainda não se sabe, mas a possibilidade de uma crescente desumanização é muito grande. (Autor) Adrioli é doutorando em Ciências Sociais na Universidade de Osnabrück - Alemanha. |
Creio que educar é basicamente habilitar as novas gerações no exercício de uma visão não ingênua da realidade, de maneira que seu olhar tenha em conta o mundo, não como uma suposta realidade objetiva em si mesma, mas como o objeto de transformação ao qual o ser humano aplica sua ação. Mario Luiz Rodrigues Cobos - o Silo, "A Paisagem Humana", capítulo 'A Educação'
terça-feira, novembro 21, 2006
Efeitos culturais da globalização
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário