quarta-feira, setembro 17, 2008

A IMPORTÂNCIA DE UMA DEFINIÇÃO DE TERRORISMO

 

Existe uma divergência notória da comunidade internacional em relação à definição de terrorismo. O que é ou não é terrorismo tem sido uma das grandes questões com que os principais atores políticos internacionais se têm debatido. Não há ainda nenhuma definição unanimemente aceite pela comunidade internacional. Pelo contrário, várias definições coexistem e o consenso parece longe de ser alcançado. Nós, os ocidentais pecamos freqüentemente pelo discurso hegemônico sobre terrorismo. Temos a tendência de assumir que o que fazemos é contra-terrorismo, algo não desejável, mas necessário para atingir um bem maior. Pelo contrário, o que “eles”, os terroristas, fazem é abominável e injustificável. Os “nossos” erros são considerados de caráter excepcional, os erros “deles” são vistos como intencionais e intrínsecos à sua própria natureza. Por outras palavras, ”eles” fazem reféns, “nós” detenções.

Torna-se extremamente urgente a criação de uma definição de terrorismo aceite pela comunidade internacional de forma a reduzir as tensões entre as nações e resolver as crises internacionais. A falta da tal definição, principalmente no seio das Nações Unidas, dificulta os esforços internacionais contra esta ameaça. Na base da divergência sobre a formulação de uma definição de terrorismo estão dois pontos de vista que, embora parecendo teoricamente complementares, na prática são irreconciliáveis. Para uns a proteção do Estado e dos seus valores democráticos está no centro do debate, para outros, o mais importante é a não opressão dos designados “ freedom fighters ”. O que este artigo pretende é dar um contributo para a definição de terrorismo, distinguindo-o de outras formas de violência.

Há autores que definem terrorismo pelo Efeito produzido. É fácil de medir esta variável, mas no entanto um ladrão de bancos não é, geralmente, considerado terrorista se a sua ação não contiver um objetivo político. Definir terrorismo através do seu Método parece simples também, mas será que um sniper americano que faz uso de um método terrorista, é considerado terrorista? A Intenção, dizem alguns, também deve ser equacionada. É difícil estabelecer um ato como sendo terrorista baseado exclusivamente na intenção, mas é precisamente isso que distingue um ladrão de bancos terrorista, que atua com um objetivo político, de outro ladrão de bancos, que vulgarmente atua com objetivos econômicos. Outros acrescentam que se pode definir uma ação terrorista pelo Contexto , ou seja, que uma definição deve refletir a percepção popular de que o terrorismo usado durante uma luta pela libertação contra uma ocupação opressiva é mais justificável do que quando usado numa luta contra um “justo” ocupador. Todas estas nuances tornam a definição de uma definição de terrorismo muito relativa.

Terrorismo também não é guerrilha. Primeiro, terrorismo é, geralmente, materializado, num local calmo, ao contrário da guerrilha que se associa geralmente ao ambiente de guerra. Segundo, o alvo do terrorismo são não-combatentes ao contrário da guerrilha em que o alvo são combatentes. Terceiro, o número de baixas resultantes do terrorismo tem por base razões político-psicológicas, ao contrário da guerrilha, em que as razões são político-militares. Quarto, o terrorismo é normalmente materializado num ambiente urbano, enquanto que a guerrilha se associa mais ao ambiente rural. Quinto, enquanto que guerrilha se verifica em unidades geográficas e territoriais bem definidas, no terrorismo isso não se verifica, podendo ocorrer em áreas territoriais e geográficas difusas e previamente indefinidas. Sexto, freqüentemente a organização que está por trás da atividade terrorista não é visível, é quase sempre feita num underground level , enquanto que a organização das atividades de guerrilha é geralmente bem visível. Sétimo, o terrorismo opera a partir de pequenas células ao contrário da guerrilha, em que há um grupo de dimensão considerável. Oitavo, enquanto que a guerrilha faz, normalmente, parte de um movimento popular de grandes dimensões, o terrorismo não encontra tanta base de apoio popular. Nono e último, o número de baixas na guerrilha é significativamente maior que no terrorismo: Vietnam/Afeganistão: 1 milhão; 11 de Setembro: aproximadamente 3337.

Terrorismo também é diferente de genocídio. Enquanto que no genocídio o alvo é a totalidade de um dado grupo, sendo o objetivo a sua completa extinção, o terrorismo não tem como alvo o todo. Ou seja, no terrorismo o alvo é uma terceira parte envolvida, para além das próprias vitimas que são instrumentalizadas para atingir essa tal terceira parte em conflito, enquanto que no genocídio o alvo é as próprias vítimas, não há uma terceira parte a influenciar.

O que distingue atos terroristas de crime, insanidade ou outras formas de guerra, é que os atos terroristas são geralmente motivados politicamente, fazem parte de uma estratégia, são muito dramáticos, as vítimas não são combatentes, e essas mesmas vítimas têm o “valor” estratégico de direcionar a mensagem para uma terceira parte.

Por fim, o famoso chavão “one man"s terrorist is another man"s freedom fighter” é falsa. Um indivíduo pode ser só uma coisa ou ambas. “Freedom fighting” é definido com referência a um objetivo, terrorismo refere-se a um método. Porque terrorismo é um método, apesar de alguns o terem elevado a ideologia, e porque Estados e entidades não estatais usam terrorismo, parece mais correto falar em métodos terroristas do que em movimentos terroristas. Sendo assim, definindo por oposição ao outro só serve para retirar legitimidade à noção de “ freedom fighting ” e para complicar deliberações políticas. Exemplos de ações de “ freedom fighting ” são a primeira intifada Palestina; a luta Indiana pela independência ou o movimento pelos direitos civis nos EUA.

Estabelecidas as devidas distinções, pode definir-se terrorismo como um método premeditado, politicamente motivado, comunicador de violência ou uma ameaça de violência contra não-combatentes em que as mortes das vítimas têm um valor mais psicológico do que estratégico-funcional e que procura influenciar uma terceira parte, geralmente a parte que dirige a comunidade que é alvo das ações. Em suma, e para ilustrar melhor esta definição de terrorismo acima mencionada, vejamos alguns casos práticos. Não é terrorismo: o assassinato de J.F. Kennedy; massacres em escolas; assassinatos de oficiais espanhóis pela ETA; ataque suicida do Hezbollah contra os marines norte-americanos ( grey area - se esses oficiais estiverem a dormir ou não estiverem ao serviço já pode ser considerado terrorismo); a operação militar americana no Afeganistão. É terrorismo: assassinatos de banqueiros pela RAF (outra grey area – se os banqueiros são vistos como oficiais do sistema capitalista-imperialista não é terrorismo); castigo coletivo das forças israelitas aos Palestinos; os bombardeamentos aliados em Dresden ou Hiroshima; treino americano aos Contras com o objetivo de aterrorizar a população de Nicarágua.

Ana Manuel Ferreira Malheiro de Magalhães,
Jornal Defesa, Portugal

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