domingo, setembro 07, 2008

Escassez de talentos irá comprometer o crescimento


04/09/2008

O grande empecilho para o crescimento das empresas no Brasil e na Índia será a escassez de profissionais qualificados. A falta de talentos hoje é uma questão mundial e pode ser a maior restrição aos negócios. Está acima do capital e da tecnologia, diz Shumeet Banerji, CEO da Booz & Co. Entre os BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China), ele acredita que o único país que se preparou para enfrentar o problema foi a China. O país investiu não só nas universidades, mas no ensino técnico, pensou dez anos para frente, afirma.

No fim de maio, Banerji, PhD pela renomada escola de negócios Kellogg, assumiu o comando da Booz & Co, uma das maiores consultorias globais. A empresa é resultado da separação entre o negócio global de consultoria de alta gestão e o de serviços para o governo americano da Booz Allen Hamilton. Seu faturamento é de US$ 1 bilhão. São 3,3 mil funcionários e 200 sócios atuando em 52 países.

Desde que está no cargo, Banerji já visitou Rússia, China e Índia. Recentemente, veio conhecer a operação brasileira, iniciada há 43 anos, pela então Booz Allen Hamilton. Hoje, o país representa aproximadamente 10% dos negócios globais da Booz & Co. Segundo o CEO, o país é estratégico para a consultoria. Nosso desafio é crescer conforme a nossa capacidade de recrutar bons profissionais, diz. Isso leva tempo.

Em sua passagem por São Paulo, concedeu uma entrevista exclusiva ao Valor. Nela, criticou a sede com que as empresas desses países têm feito aquisições no exterior para aumentar de tamanho, sem medir o real valor da empreitada. Não se trata de adicionar números, é preciso uma boa razão, diz o CEO. A seguir alguns trechos da entrevista:

Que semelhanças o senhor vê entres as companhias dos BRICs?

Shumeet Banerji: As empresas do Brasil têm mais pontos convergentes com as da Índia do que com as dos outros BRICs. Em comum, vejo a confiança e a vontade de ser uma companhia global. Numa visão mais macroeconômica, todos são muito bem sucedidos. Há uma estabilização e existe uma relativa melhora nas políticas fiscais, com algumas diferenças entre eles. Os setores fazem mais sentido. Foram reformados para isso. Tudo contribuiu para que as companhias melhorassem. O segundo estágio agora para as empresas é olhar para o mundo. Ser bem sucedido no meu país é o suficiente? Então é o momento das aquisições no exterior.

Como o senhor avalia a performance das novas multinacionais brasileiras nesse cenário?

Banerji: É cedo para dizer. Este é um fenômeno recente. Vemos diferentes razões para as brasileiras fazerem aquisições fora. A primeira é para adquirir capacidades. Existem aquisições para expandir, diversificar as fontes de suprimentos. E outras para se chegar a um novo patamar. Nós achamos que existe muita ênfase em aquisições para se conquistar uma posição melhor no ranking global. Mas, ser apenas o número um ou dois ou três em termos de tamanho não faz de você uma boa companhia. O grande desafio para as empresas brasileiras é saber operar a empresa adquirida. Não é uma questão de adicionar números, ontem tínhamos US$ 2 bilhões, agora temos US$ 5 bilhões. Acho que é preciso razões maiores que essa para se fazer uma aquisição.

Faltam planos de negócios mais estratégicos?

Banerji: Muitas companhias têm bons planos. Hoje existe muito dinheiro e recursos nos BRICs que levam a essas aquisições. Mas não é só adquirir capacidades e tecnologia, existe o time, o processo de negócios, a cultura corporativa da outra companhia. Algumas empresas são capazes de ir para outros mercados longe de casa e integrar tudo isso, outras não.

Como o senhor percebe o Brasil hoje?

Banerji: É uma das maiores economias. Tornou-se uma força significativa. Antigamente, na hiperinflação era impossível pensar no longo prazo. Agora com a estabilização, as companhias podem fazer isso. É bom ver que existem investimentos em infra-estrutura. O Brasil tem um papel importante em commodities e agronegócios e em todo o debate sobre energia. Além da economia é um país crítico em outros aspectos importantes para o mundo, como o meio-ambiente. Hoje precisamos prestar atenção em companhias no Brasil que serão players globais. Como consultoria, queremos conectar as discussões entres os países do BRIC, porque algumas questões que as companhias brasileiras estão enfrentando hoje são as mesmas de algumas indianas. Umas podem aprender com as outras.

Qual o maior desafio para as empresas brasileiras e indianas atualmente?

Banerji: No estágio que estão hoje, vejo que a questão mais importante é a falta de talentos. A economia vai bem, as companhias crescem, mas de onde virão as pessoas para viabilizar este crescimento? Esse também é um problema mundial. Entre os BRICs, cada país lida com esse problema de uma forma. Quem combate isso mais sistematicamente é a China. Eles não investem só em universidades, mas em escolas técnicas, vocacionais, no treino de linguagem. Eles olham dez anos para frente. Não faltam só engenheiros. É preciso ter gente treinada para lidar com a mecânica das máquinas. Na Índia, o maior desafio não é encontrar talentos no nível gerencial, mas um pouco mais abaixo. Uma das coisas que companhias sabem é que não dependem apenas do governo para cuidar desse gap. As indústrias e associações têm que cumprir esse papel. A falta de talentos pode ser a maior restrição ao negócio, não o capital ou a tecnologia.

Qual a importância desse movimento de talentos no mundo?

Banerji: Existem dois aspectos importantes. O primeiro é que se você é uma empresa global, os seus administradores precisam ter conhecimento sobre o que acontece em outros países. Essa á uma grande questão porque muitas companhias estão servindo o mundo e precisam entender o mercado no qual estão entrando para serem bem sucedidas. Para isso, terão que recrutar as pessoas talentosas, onde elas estiverem. Não dá para só buscar nas melhores universidades dos EUA, por exemplo. Os conselhos das empresas globais hoje são muito mais diversificados, têm gente de todas as partes.

A aposentadoria dos profissionais em alguns setores em alguns anos pode agravar esse busca por gente qualificada?

Banerji: Veja a área de petróleo. É um problema difícil. A força de trabalho agora está chegando aos 50 anos. E as universidades ao longo dos anos não produziram engenheiros de petróleo suficientes. De onde eles virão? Na maior parte dos países da OCDE, existirá um percentual muito pequeno da população sustentando outra parte e isso tem a ver com talentos também. O modelo tradicional de formação profissional previa que as pessoas atingiriam uma certa idade e depois iriam embora do mercado. O envelhecimento da população nos fará repensar o modelo de carreira.

Como o senhor avalia a falta de talento em países com população mais jovem como o Brasil?

Banerji: A questão da escassez do talento nos países mais jovens é diferente. Você cada vez mais verá a demanda pelas pessoas crescer, mas elas não terão qualificação. É um problema social que precisa ser resolvido.

O que lhe chama a atenção nos CEOs brasileiros?

Banerji: Antes, o mercado local, o network, os políticos garantiam o acesso ao capital, em países como o Brasil ou a Índia. Ser hábil para operar nesse ambiente era muito importante. Agora é diferente, o que conta é saber operar a companhia, levantar dinheiro, agir estrategicamente, fazer boas aquisições, construir times de liderança. Esses mercados estão mais maduros, o fluxo de dinheiro é livre, você vê que os CEOs respondem hoje aos mesmos incentivos.

Fonte: Por Stela Campos / Valor Econômico

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