quarta-feira, abril 30, 2008

No Haiti, primeira tragédia da crise alimentar

POR NIDIA DÍAZ, — do Granma Internacional

O encarecimento dos alimentos provocou no frágil cenário haitiano a demissão do primeiro-ministro, ao menos cinco mortos, dezenas de feridos e uma situação político-social pouco maneável com conseqüências imprevisíveis.
Uma semana de levantes populares em quase todo o território haitiano, saque de supermercados, bloqueios e barreiras, obrigaram o presidente René Préval a utilizar as forças da Missão das Nações Unidas para a estabilização do Haiti (Minustah), que como em outras ocasiões não hesitaram em reprimir fundamentalmente os amotinados com gases lacrimogêneos e disparos nas cidades de Les Cayes e Porto Príncipe.
As ações, que segundo o governo foram estimuladas e financiadas por bandos de narcotraficantes e muambeiros, se realizaram contra o exorbitante aumento dos preços da cesta básica, numa nação onde, também, 80% dos habitantes vivem na pobreza.
Os apelos a reunir esforços para superar com urgência esta nova crise que poderia terminar na ingovernabilidade do país, ultrapassariam neste momento qualquer medida que fosse adotada em nível nacional.
O que muitos observadores e analistas vêm advertindo sobre as insuspeitas conseqüências que trará para a estabilidade mundial a crise alimentar que já está vindo, de que o aumento do preço dos alimentos é só a ponta do iceberg, é a primeira tragédia no Haiti, por ser o país mais vulnerável de nossa região.
Dados das Nações Unidas revelam que "os alimentos encareceram 45% nos últimos nove meses e, em dezembro passado, houve a alta de preços mensal mais elevada em quase 20 anos". Estatísticas da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) confirmam isso.
Segundo essas fontes, há três produtos que evidenciam, sem dúvida, o encarecimento mais abrupto em 2007: os cereais, com uma alta de 41%; óleos vegetais, 60%; e os lacticínios, 83%.
Tal situação, em lugar de recuar, tende para a aceleração, entre outras causas, pelos altos preços do petróleo e pela extensão do mercado de biocombustíveis, que se baseia na colheita dalguns produtos, como o milho ou a cana-de-açúcar, para produzir energia (como etanol), em vez de alimentos. Esta situação provocou que o valor de venda do trigo, para apenas dar um exemplo, disparasse para 130%.
Não é por acaso que os primeiros levantes populares tenham ocorrido no Haiti pela carestia dos preços dos alimentos. Nessa nação antilhana, sem dúvida, a estabilidade política, além das boas intenções do governo atual, depende fundamentalmente dos níveis de desenvolvimento que consigam para compensar os anos de atraso, levando-o a ocupar o 150º lugar entre os 177 países onde a ONU mede o Índice de Desenvolvimento Humano.
Tanto é assim que John Colmes, principal funcionário das Nações Unidas para Assuntos Humanitários advertiu que o aumento contínuo dos preços dos alimentos gerará inevitavelmente a imprevisível instabilidade política no mundo e, particularmente, naquelas regiões com estruturas econômicas e sociais subdesenvolvidas.
O presidente René Préval, durante a crise dos últimos dias, exortou à calma e adotou as poucas medidas que tem à mão: diminuir, por um mês, o preço atual do arroz e aceitar, sob protesto, a substituição exigida pelo Legislativo do primeiro-ministro Jacques Edourd Alexis, que responsabilizam de não ter aplicado uma política que freasse a pobreza e a carestia da vida.
Quando esta edição circular, haverá outro chefe de governo no Haiti, designado por consenso pela Câmara e pelo Senado, porque nenhum partido tem maioria parlamentar, o qual, a meu ver, é insignificante porque o problema vai mais da nomeação dele ou de outro.
O problema do Haiti como o de outras nações em nossa região tem a ver com séculos de atraso, marginalização e responsabilidade histórica daqueles que, de posições coloniais e neocoloniais, o mergulharam na miséria e ainda hoje não assumem um compromisso que os ajude a se levantarem.

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