Tecnologia
O que você acha de uma bola de sorvete com menos calorias do que uma cenoura? Ou um hambúrguer que baixa sua taxa de colesterol? E de um amendoim que não tenha traços de nada que possa provocar uma reação alérgica?
O que você acha de uma bola de sorvete com menos calorias do que uma cenoura? Ou um hambúrguer que baixa sua taxa de colesterol? E de um amendoim que não tenha traços de nada que possa provocar uma reação alérgica?
Bem-vindo ao mundo dos nanoalimentos, onde quase tudo é possível. Onde a comida pode ser manipulada numa escala atômica para parecer tão deliciosa como você quiser, tão saudável como você sonha e ainda permanecer fresca sabe-se lá por quanto tempo. Um mundo em que pesticidas inteligentes serão inofensivos até chegarem ao estômago de insetos indesejáveis? Onde embalagens inteligentes detectarão e destruirão microorganismos que fazem a comida apodrecer e deteriorar? Resumindo, um paraíso para quem sonha com o fim da obesidade e da desnutrição. E uma maldição para quem acredita que a segurança dos nanoalimentos está longe de ser provada. Uma coisa é certa: após a controvérsia que cercou os alimentos geneticamente modificados, a nanocomida deve estar no centro da próxima batalha na cozinha.
A nanotecnologia tem suas raízes na palestra feita em 1959 pelo físico Richard Feynman na Sociedade Americana de Física. Ele previu uma época em que átomos e moléculas poderiam ser usados para construir produtos a partir de um conjunto de minúsculas ferramentas. A escala de que Feynman falava desafia a imaginação. Um nanômetro (do grego nanos, anão) equivale à bilionésima parte de um metro. Algumas comparações para se ter uma idéia de como isso é diminuto: uma célula vermelha do sangue tem cerca de 7 mil nanômetros (nm), um fio de cabelo humano, 80 mil nanômetros de espessura e uma molécula de água um pouco menos de 0,3 nm.
A nanotecnologia compreende geralmente a região entre 0,1 nm e 100 nm.A ciência por trás da teoria tornou-se realidade na década de 1980 com a invenção de microscópios que permitiram aos cientistas ver como átomos e moléculas se comportam em diferentes condições. Manipulando essas condições - com substâncias químicas, calor, umidade, eletromagnetismo e outras maneiras - , podia-se encorajar átomos e moléculas a assumir formas úteis. Isso resultou na criação de materiais fabricados em nível atômico que prometem revolucionar tudo, da química à aeronáutica. Alguns produtos nanotecnológicos já estão no mercado e são bastante conhecidos. Filtros solares, por exemplo, são feitos de óxido de titânio, TiO2.
Em grandes escalas, o TiO2 é um produto branco, opaco e um bom bloqueador de luz ultravioleta. Em nanoescala, torna-se transparente, porém mantendo suas propriedades bloqueadoras de ultravioleta, tornando-se perfeito para a proteger a pele dos raios nocivos do Sol.Com a comida, da fazenda ao supermercado, a nanotecnologia mudará cada etapa da cadeia de alimentos. Diminutos sensores que informam aos agricultores, via rádio, o que está acontecendo dentro das sementes das plantas ou no corpo dos animais não são novidade.
Logo, a nanotecnologia estará presente no campo também na forma de pesticidas inteligentes, ou nanocidas, que empresas como Syngenta, Monsanto e Basf já desenvolvem ou estão pesquisando e que prometem serem menos perigosos para o ambiente e as pessoas e mais mortais para as pragas.Vários desses produtos já passaram pelos testes de segurança e estão licenciados para uso nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha. Seus princípios ativos são usados há anos sem causar problemas. Apenas o método de aplicação mudou. Agora, há um sistema de liberação controlada do agrotóxico, que é alojado em pequenas cápsulas de um polímero (plástico) programadas para se fixarem às partes das plantas, onde se mantêm inertes até serem ativadas por uma substância alcalina presente no estômago de certos insetos. Só então o veneno entra em ação, matando a praga.
As embalagens também devem mudar. Revestimentos feitos de nanopartículas inteligentes capazes de "cheirar" os gases resultantes do processo de amadurecimento irão sinalizar, por meio de cores no rótulo, quando a comida começará a se estragar. O rótulo também dirá quando um produto está maduro.
Mais de 400 empresas ao redor do mundo estão trabalhando ativamente em pesquisa, desenvolvimento e produção de produtos relacionados à nanocomida. Os Estados Unidos lideram as pesquisas, seguidos por Japão e China. Em 2010, a Ásia, que concentra mais de metade da população mundial, será o grande mercado, com a China na posição de liderança.O potencial é imenso, especialmente para aumentar as propriedades nutricionais dos alimentos.
Por exemplo, quando se espreme uma laranja e se toma o suco na hora, aproveita-se a vitamina C da fruta. Mas se esperarmos algum tempo, ela desaparecerá. A nanotecnologia poderá resolver isso adicionando a vitamina C ao suco dentro de nanocápsulas, de onde será liberada aos poucos.
O nanotecnologia também poderá ser útil para fixar os nutrientes no alimento. O ferro e gorduras essenciais como o ômega-3, por exemplo, não resistem muito tempo estáveis em líquidos. Rapidamente, oxidam e mudam a cor, o odor e o gosto do produto. A nanotecnologia poderá para manter as propriedades nutricionais, e isso será benéfico para pessoas com anemia.E quanto à segurança?
Na Europa, todo nanoalimento deve receber aprovação de um departamento da Comissão Européia, que toma suas decisões com base em uma diretriz introduzida em 1997 para regular os produtos geneticamente modificados ou manipulados em nível molecular. A norma exige que esses produtos sejam avaliados pelos Estados membros antes de serem licenciados. Na Grã-Bretanha, na União Européia e nos EUA, movimentos estão sendo feitos no sentido de introduzir voluntariamente regras de conduta para pesquisas e fabricação em nanotecnologia.
Um relatório de 2004 da Real Sociedade (uma espécie de academia de ciências) e da Real Academia de Engenharia britânicas expressou preocupação com a pouca quantidade de conhecimento disponível sobre o comportamento das nanopartículas para o ambiente e recomendou que todo resíduo contendo esses elementos seja tratado como perigoso até prova em contrário. Desde então, a Real Sociedade e o Conselho de Ciência e Tecnologia, o principal órgão do governo britânico para questões científicas, têm criticado ministros por falharem na adoção de medidas para avaliar os riscos ambientais da nanotecnologia.
- Há uma necessidade premente de um programa governamental que pesquise os efeitos toxicológicos, ambientais e para a saúde decorrentes das nanotecnologias - diz John Beringer, do subgrupo de nanotecnologias do Conselho de Ciência e Tecnologia.
Lynn Frewer, professor de segurança alimentar da Universidade Wageningen (Holanda), conhece os potenciais benefícios que a nanotecnologia pode trazer, mas, quando perguntado sobre os riscos, ele diz:
- O problema com a digestão de nanopartículas é que não sabemos em que parte do corpo de uma pessoa elas vão parar. Se são pequenas o suficiente para viajar através das paredes dos intestinos, como algumas nanopartículas são projetadas para fazer, elas podem ir parar em qualquer lugar. Como se acumularão e viajarão pela cadeia alimentar? Simplesmente não sabemos.Mike Bushell, pesquisador da Syngenta, empresa de biotecnologia voltada para a área de alimentos, não concorda. Ele argumenta que as nanopartículas se degradam mais facilmente e de modo mais seguro no ambiente.
Há, portanto, muitas dúvidas sobre uma indústria que está a sua em infância e não tem ainda padrões internacionais de segurança estabelecidos. No ano passado, o instituto de pesquisas independente Woodrow Wilson (EUA) publicou um relatório chamado Nanotecnologia na Agricultura e na Comida. Expressando preocupação com a falta de pesquisas, o relatório conclui: "Nem indústria nem governos parecem estar fazendo o dever de casa. Produtos podem acabar no supermercado sem que seus riscos sejam adequadamente investigados.
The Guardian
07 de abril de 2008 N° 15564Alerta
Nenhum comentário:
Postar um comentário