segunda-feira, abril 14, 2008

Fed admite recessão e perdas com subprime chegam a US$ 1 trilhão

O Federal Reserve dos EUA registrou em ata a iminência de “prolongada e severa retração econômica”. Simultaneamente, o FMI divulgou a avaliação sobre o colossal montante das perdas com a pirâmide financeira que ruiu nos Estados Unidos
Depois de fugir como o diabo foge da cruz da palavra “recessão” há meses, o Federal Reserve dos EUA registrou, afinal, em ata, a iminência de “prolongada e severa retração econômica”. Foi na última reunião de março – não aquela do domingo sangrento da Bear Stearns – mas a regulamentar do dia 18, em que, não por acaso, estabeleceu juros básicos reais negativos (menos 1,75%). A divulgação dos termos da ata do Fed coincidiu com o anúncio, pelo Fundo Monetário Internacional, de que as perdas com a pirâmide financeira que desabou nos EUA já chegam a US$ 1 trilhão. Prossegue o “credit crunch” – o aperto de crédito -, o problema da negativa de bancos concederem empréstimos, inclusive a outros bancos, por temor da montanha de papéis podres em andamento.
PITONISA
Com o tamanho do rombo que abalroa todo o sistema financeiro dos EUA, dos maiores bancos e corretoras, às seguradoras e fundos de agiotagem, chega a ser curioso o esforço da pitonisa de plantão no Fed para nublar a singela palavra “recessão”. Afinal, desde a constituição do capital monopolista financeiro, é em torno dos bancos que gira toda a economia, e como poderia esse quadro de generalizada quebradeira, e aperto de crédito, não se estender, e levar a crise, ao conjunto da produção? Ainda assim, em depoimento ao Congresso dos EUA no dia 3 de abril o presidente do Fed Ben Bernanke tentou atenuar o que ficara registrado nas atas do dia 18 de março, declarando-se “ainda não pronto” para dizer se a economia dos EUA “iria ou não enfrentar tal situação” – a recessão, que admitiu “possível”. Para mais de dois - terços dos americanos, de acordo com pesquisa da NBC/WSJ, os EUA já estão em recessão. No quarto trimestre de 2007, o crescimento da economia caíra, oficialmente, para 0,6% - quando fora de mais de 4% um trimestre antes.
MORADIAS
Em alguns setores, já não há o que discutir. O Índice Case/Schiller das 20 maiores cidades dos EUA, mostrou que o preço das casas encolheu 10,7% no ano passado, enquanto as vendas de moradias desabaram 23% em relação ao ano anterior. O que significa que o valor das casas encolheu em US$ 2 trilhões. O Índice de Confiança dos Consumidores da Universidade de Michigan caiu para 69,6 em fevereiro – o mais baixo desde fevereiro de 1992. Em janeiro, havia sido de 78,4. A atividade fabril no estado de Nova Iorque caiu para o índice mais baixo em cinco anos, e a indústria automobilística sofreu forte retrocesso em janeiro no país inteiro. A queda aguda nos lucros ou receitas – já verificada entre os bancos -, agora alcança outros setores. Como a gigante do alumínio Alcoa, que teve um redução nos lucros de 54% no primeiro trimestre do ano, e a fabricante de chips de computador AMD, cujas vendas despencaram 15% no período. Isso não significa que todos os setores já estão em contração, mas assinala como ela se expande. Na aviação, recomeçou a crise; três empresas estão falindo (ATA Airlines, Skybus e Aloha Air) e as de maior porte estão reduzindo o número de vôos. Quanto aos empregos, segundo o Escritório de Estatística do Departamento de Trabalho, foram cortados 98 mil postos de trabalho no país em março, a metade na indústria. Em fevereiro, o setor privado cortou 101 mil empregos.
Nos últimos anos, foi à hipoteca de suas casas que muitas famílias recorreram, diante da situação de virtual congelamento, ou queda, do poder aquisitivo sob Bush, para resolver problemas como a insolvência no cartão de crédito, uma urgência médica ou a faculdade para os filhos. Para garantirem lucros extraordinários, comissões extras e bônus, bancos, corretoras, seguradoras e agências de classificação de risco manipularam essas necessidades, até a pirâmide hipotecária explodir, quando as pessoas não tiveram mais como arcar com os pagamentos. Famílias tiveram de entregar suas casas aos bancos, mas as casas já valiam menos que o empréstimo concedido, que estava calçado em títulos de classificação AAA sem fundos. Começou a quebradeira que, quando atingiu o Bear Stearns, não houve mais como abafar. Na seqüência, bancos do porte do Citibank e Bank of América, e do UBS e HSBC, mais corretoras como a Merril Lynch, Goldman Sachs, Lehman Brothers e outros, tiveram de declarar grandes rombos e correr atrás de novos aportes de capital.
BEAR STEARNS
Muito já foi escrito sobre a quebra da Bear Stearns, mas possivelmente é uma notícia do jornal inglês “Telegraph” que melhor dá conta da orgia especulativa. “Bear Stearns tinha posições totais (derivativos) de US$ 13,4 trilhões. Isso é maior do que o Produto Nacional Bruto dos EUA, ou igual a um quarto do Produto Nacional Bruto do mundo – pelo menos em termos ‘nocionais’”. O jornal acrescenta que esse “impensado edifício” de papéis estava erguido “sobre uma base de ativos de US$ 80 bilhões no máximo”. No final do quarto trimestre, o Fed avaliou que os já então US$ 32 bilhões do Bear em ativos e capacidade de empréstimo eram suficientes para operar por 20 meses. Como se sabe, não resistiu a três dias. O analista de mercado Mark Gongloff assinalou a “alavan-cagem” das mais conhecidas pirâmides no final do ano passado: Morgan Stanley, de 32,6 para 1; Bear, de 32,8 para 1; Carlyle, de 32 para 1; Lehman Brothers, de 30,7 para 1; Merril Lynch, de 27, 8 para 1; e Goldman Sachs, com 26,2 para 1. Um castelo de cartas. Além disso, as corretoras e bancos entrelaçavam suas “garantias”, “opções”, fundos e contrapartidas.
No depoimento de Bernanke, um deputado republicano do Texas, Kevin Brady, perguntou a ele “quantas balas o Federal Reserve ainda tem”. O encanador do dinheiroduto de US$ 30 bilhões para o Bear/JP Morgan Chase respondeu que “temos sido muito criativos até agora”. Aliás, é o tipo de criatividade que os Morgan e os Rockefeller adoram. Quanto às balas na agulha, a conta pode não ser bem assim. Segundo a “Bloomberg”, dos US$ 709 bilhões que o Tesouro dispunha para prover liquidez para o sistema bancário, 60% já foram torrados. Mas, como aconteceu no Japão pós-bolha imobiliária dos anos 90, não é muito provável que os bancos usem toda essa “liquidez” proporcionada gentilmente pelo Fed, para evitar que o país afunde na recessão. Informa o “Wall Street Journal”, que os americanos “estão investindo muito do seu dinheiro no exterior”. Como analisou Michal Hudson no site “Counter-punch”, os bancos estão pegando o dinheiro emprestado do Fed a juro baixo e comprando títulos estrangeiros em euros, de juro maior – e no processo, realizando um ganho em divisas conforme o euro sobe em relação aos ativos em dólar”.
ANTONIO PIMENTA

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