terça-feira, agosto 14, 2007

Efeito dominó de calote e títulos podres detonam crise nos EUA



Só da Bear Stearns, a quinta maior corretora de investimento dos EUA, evaporaram três fundos especulativos, antes avaliados em US$ 20 bilhões, um deles associado a Merrill Lynch

O abalo, nas bolsas do mundo inteiro e em alguns dos principais bancos e corretoras, na semana passada, trouxe à luz do dia a crise que vem grassando, há pelo menos um ano, nos EUA – o estouro da bolha do setor imobiliário. Em menos de um mês, a quinta maior corretora de investimentos norte-americana, a Bear Stearns; a maior corretora de hipotecas dos EUA, a Countrywide Financial, e a décima maior, a American Home Mortgage Investment; e ainda bancos estrangeiros que também lá operavam fundos especulativos, como o maior banco francês, o BNP Paribas, confessaram o colapso das suas operações de pirâmide financeira ligadas à hipotecas nos EUA. As operações mais especul-ativas ficaram conhecidas como “subprime”, por serem voltadas para aqueles com histórico de inadim-plência e sem capacidade de pagamento, comprovação de renda ou garantias.
A coisa já tinha vindo à tona há um ano atrás, quando o HSBC anunciou que um fundo de hipotecas evaporara, e só se agravou desde então. Em junho de 2007, a maior corretora dos EUA, a Merrill Lynch, se engalfinhou com a Bear Stearns, sobre quem ficaria com o mico de um fundo posto a pique. Ao todo, até aqui, foram três os fundos especulativos da Bear que naufragaram, antes avaliados em US$ 20 bilhões. Assim, era um colapso anunciado, mas os bancos, corretoras e os fundos especulativos aceleraram, no ano passado, sua disseminação, até os chamados empréstimos “subprime” atingirem 30% do total, comparados com 6% em 2002.

HIPOTECAS

O esquema funciona por meio de oferecimento de crédito predatório, com as pessoas sendo empurradas para hipotecas de longo prazo “financiadas” por titulos de curto prazo, que eram rolados entre seguradoras, corretoras e bancos, garantindo polpudas comissões e juros. De acordo com o “Wall Street Journal”, “o acumulado dessas dívidas excede o valor dos investimentos”. Resumindo: nem vendendo a casa dá pra pagar a dívida; e quem não pagar o banco toma a casa. Mas a coisa foi tão longe que, mesmo se executar a casa, o banco, ou quem quer que seja que esteja com o mico na mão, não consegue recuperar o dinheiro que emprestou. Na realidade, a situação que os especuladores estão vivendo é que os títulos de sua pirâmide virtualmente vaporizaram no meio do caminho.

MICO

Bem ao estilo da vigarice neoliberal, a velha pirâmide recebeu nomes pomposos, como “collateralised debt obligations (CDOs)” – o que apenas significava que os empréstimos sem cobertura, ou de duvidosa validade e documentação incompleta podiam ter seu risco disfarçado através dos chamados “derivativos”, negociados e renegociados entre especuladores. Lotes de empréstimos bichados podiam ser disfarçados junto a títulos menos podres, e assim por diante. Até o mico. Naturalmente, a teoria dos derivativos é que eles vão funcionar perfeitamente a menos de uma “problema sistêmico” generalizado. Mas como se sabe há bom tempo, o “sistema”, apesar daquela gente que acreditava no fim da história, é sujeito periodicamente a crises. Aliás, crise é o que não tem faltado: quebra da bolsa de Wall Street em 1987; quebra do México em 1994; da Ásia e do fundo LTCM em 1998; dos ponto.com em 2000; “credit crunch” após o 11 de Setembro em 2001; e novo abalo da bolsa em 2003.
Não faltou inventiva para tentar manter inchada a pirâmide. Havia até a modalidade “Ninja” – a revelação é da “The Economist” – um tipo de empréstimo em que o comprador da casa, ou a pessoa que a hipotecava para arrumar dinheiro para pagar outra dívida, squer precisava de ter emprego. No “interest-only loan” típico, a vítima pagava por um curto período, em geral dois anos, só os juros, e a seguir começava a pagar os juros e o principal; momento em que ia a pique. Há ainda as modalidades “híbridas”, combinando várias formas de atrair incautos. No mais, era aquela ciranda, entre corretoras hipotecárias, fundos de derivativos, corretoras e bancos – e a enrolação de bancar 30, 40, 50 anos de hipoteca com títulos rolados no overnight. Um “Frankenstein”, como definiu a revista inglesa.

US$ 300 BILHÕES

As perdas não são pequenas. Apenas nos últimos dias, para amenizar o impacto do “aperto de crédito” – o interbancário parou na maioria do mundo porque os bancos não sabem o que sobrou dos fundos de derivativos de hipoteca – foram liberados recursos, por bancos centrais, de mais de 300 bilhões de dolares.
Agora, não há mais como esconder a crise. Ainda segundo “The Economist”, “o boom do Mercado habitacional foi o principal motor do crescimento econômico Americano nos últimos anos”. Foi, acrescentou, “a principal razão” pela qual a economia dos EUA “manteve um desempenho melhor do que o esperado” após o estouro de Wall Street no início da década. “Desde 2000, o salário real da maioria dos trabalhadores americanos praticamente não subiu, mas a disparada dos preços das moradias permitiu que os consumidores continuassem gastando”. Trata-se, segundo a publicação inglesa, “da maior bolha [imobiliária] da história dos EUA: em termos reais, os preços das moradias cresceram pelo menos três vezes mais do que em qualquer boom anterior no mercado imobiliário”. Situação que possibilitou “contrabalançar tanto a queda nos preços das ações como o débil crescimento dos salários”. Segundo a Merrill Lynch, a construção civil e o “efeito riqueza” – as pessoas se sentindo “mais ricas” e usando suas casas “como um grande caixa automático para obter dinheiro mediante empréstimos”, responderam por “mais da metade do crescimento do PIB em 2005”. Mas a inelutável realidade é que essas famílias estavam sendo induzidas a um consumo excessivo, além das suas possibilidades efetivas, para manter na tona os bancos praticamente quebrados junto com a bolsa no início da década, o que foi feito via juros quase negativos estabelecidos por Greenspan. A diferença entre os gastos das famílias americanas e os respectivos salários já chegou a um saldo negativo correspondente a 5,1% do PIB - poupança negativa. Até onde vão arrastar o endivida-mento amplo e geral?
ANTONIO PIMENTA

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