domingo, agosto 19, 2007

Breve notícia da Europa


Dois anos após França e Holanda rejeitarem o projeto constitucional da UE, Berlusconi, Aznar, Chirac, Shroeder e Blair foram embora e o futuro da Europa está nas mãos de Angela Merkel, Gordon Brown e Nicolas Sarkozy. A Europa está cada vez mais parecida com sua longa história.

A análise é de José Luís Fiori.
José Luís Fiori*


Como era de esperar, o longo impasse europeu está se transformando num conflito aberto. Dois anos depois da França e Holanda rejeitarem o projeto constitucional da UE, Berlusconi, Aznar, Chirac, Shroeder e Blair foram embora para casa, e o futuro da Europa está agora nas mãos de Angela Merkel, Gordon Brown e Nicolas Sarkozy, mas as divergências são cada vez maiores. Faz poucos dias, o presidente da Comissão Européia, José Manuel Barroso, comparou a criação da UE, com um “grande império”, e enfureceu o primeiro-ministro britânico. Não poderia ser diferente, porque logo depois da posse do novo governo trabalhista, seu secretário de relações exteriores, David Miliband, declarou ao jornal Financial Times, que a Grã Bretanha se transformou num “global hub” entre os principais pontos e povos da humanidade, e que portanto, não pode abrir mão de sua condição de potência global, e de ponte entre os EUA e a UE. Ou seja, Miliband anunciou ao mundo, com todas as letras, que o governo de Gordon Brown não se submeterá ao sistema monetário europeu, nem aceitará qualquer tipo de soberania imperial, ou de política externa unificada, sob o comando de Bruxelas.

Do outro lado do Canal, o novo presidente frances, Nicolas Sarkozy, empossado no mês de maio, já fez declarações e tomou decisões que colocam a França em confronto direto com a Alemanha, e com quase todos os seus pares da UE. Numa mesma semana, anunciou a decisão de atrasar o cumprimento francês do acordo de eliminação dos déficits orçamentários, estabelecido para 2010, e de levar a frente políticas protecionistas, para defender o emprego dos franceses ameaçado pela globalização liberal. E o que foi mais grave, defendeu a politização da política monetária do Banco Central Europeu, que segundo ele, deveria se submeter à uma estratégia européia de longo prazo, Além disto, a nova ministra da fazenda, Chistine Lagarde, conclamou os banqueiros e financistas a trocarem os Estados Unidos e a Grã Bretanha pela França, para transfomar Paris num grande centro financeiro global, situado na liderança de uma “economia nacional vibrante”, e em declarada competição com Londres e Frankfurt.

A resposta alemã foi imediata e dura: seu ministro da Fazenda, o social-democrata Peer Steinbruck, declarou em Bruxelas, no dia 10 de julho, com tom de deboche, que “ele não tinha nada contra o fortalecimento da moeda européia, pelo contrário, ele amava o euro forte”. E além disto, afirmou em tom mandatório, que todos os estados membros da UE terão que “zerar seus déficits orçamentários até 2010, sem nenhuma exceção”. A própria ministra Angela Merkel saiu à luz e deu uma entrevista seca à televisão alemã, exigindo que o presidente francês “pare de desestabilizar o euro, e a independência do Banco Central Europeu”. E deixou circular, paralelamente, a informação de que seu governo está preparando uma legislação especial - igual a que há nos EUA, Grã Bretanha e França - para impedir a desnacionalização de setores econômicos estratégicos para a segurança nacional alemã, como as telecomunicações, a energia e o setor bancário.

Paradoxalmente, esta briga está clarificando o cenário, depois de dois anos de pasmaceira generalizada. O governo de Angela Merkel unificou a elite política e empresarial alemã, e passou à ofensiva, assumindo a liderança agressiva da unificação européia, e da ocupação econômico-financeira da Europa Central. Além disto, acelerou seu projeto de integração econômica com a Rússia, independente do resto do continente, e voltou à sua posição de sheriff do rigor fiscal e monetário dos demais países europeus, com uma retórica econômica ortodoxa e liberal, característica das potências hegemônicas. Mas o jogo não terminou, e a França parece disposta a dobrar sua aposta. Enquanto Angela Merkel criticava o governo francês, o presidente Sarkozy viajou para a Argélia e a Tunísia, e propôs a criação de uma União Mediterrânea, incluindo os países da costa norte-africana, e a Turquia, sob a liderança francesa, e de costas para a Europa germânica, e para o “global hub” britânico. E ao mesmo tempo, no dia 12 de juilho, liderou um manifesto dos países mediterrâneos da UE, favorável à mudança da posição ocidental, frente à questão palestina, por cima das decisões e instâncias oficiais de Bruxelas.

Cabe saber se a França tem bala na agulha para sair do plano retórico. Mas de qualque maneira, é certo que o distanciamento entre a Alemanha, a França e a Grã Bretanha está se confirmando também no plano da disputa energética. A AIE difundiu nos últimos dias, um informe prevendo problemas graves de oferta de petróleo e gás, nos próximos cinco anos, e o aumento contínuo da sua demanda e dos seus preços. E frente a isto, cada uma das potências européias está buscando solução pelo seu lado: a França, com o petróleo do norte da África; a Grã Bretanha, com o dos países nórdicos; e a Alemanha, com o petróleo e gás, da Rússia.

Como se não fosse pouco, os Estados Unidos insistem em instalar seu “escudo anti-mísseis” na Polônia e Republica Checa, e não abrem mão da independência do Kosovo. Com isto os norte-americanos conseguem irritar a Rússia, e recolocá-la na tradicional posição do “príncipe negro”, que assusta os europeus, desde os tempos de Ivan o Terrível. Primeiro, os russos falaram em abandonar o Tratado das Forças Convencionais na Europa, assinado em 1990. Mas agora, o governo Putin anunciou que responderá ao “escudo” norte-americano, com a instalação de um novo sistema de foguetes em Kalingrado, o enclave russo situado entre a Lituânia e a Polônia, que já foi a capital da Prussia Oriental e terra natal de Immanuel Kant, o filósofo da “paz perpétua”. Todos estes movimentos lembram passos de um minueto, simétricos e previsíveis. Mas não há dúvida que a Europa voltou a se mexer, e está cada vez mais parecida consigo mesmo e com sua longa história passada. Até o papa alemão resolveu entrar na dança, e atacar os protestantes e a Igreja Anglicana, por conta de antiquíssimas divergencias teológicas. Mas neste ponto, pelo menos, a imprensa e todos os governos europeus estão de acordo: como já está se transformando num hábito, uma vez mais, o papa dos católicos exagerou na dose.

* José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Artigo publicado originalmente em espanhol, na revista Sin Permiso, da qual José Luís Fiori faz parte do Conselho Editorial.
Fonte Agência Carta Maior

Nenhum comentário:

Postar um comentário