segunda-feira, outubro 18, 2010

O povo e seu líder

REVISTA DO BRASIL

Ponto de vista

 

Os êxitos dos últimos oito anos não foram obra de economistas, mas da classe trabalhadora, que criou dirigentes capazes de governar e de lutar pelas melhores condições de vida nas fábricas e em seus lares

Por: Mauro Santayana

Publicado em 14/10/2010

Escrevemos estas notas no dia 5 de outubro, logo depois de contados os votos do primeiro turno e antes que se iniciasse a campanha para o segundo. Tudo começa de novo. Jornalismo não é profecia, embora possa reunir­ indícios, comparar fatos e apontar tendências. Preferimos, no entanto, fazer algumas considerações sobre o governo que termina. Qualquer que venha a ser o futuro político do presidente Lula, que deixa a chefia do Estado com os mais altos índices de reconhecimento nacional e internacional, a sua trajetória de vida e de liderança política garante-lhe lugar na História entre os mais importantes brasileiros de todos os tempos. Não é gênio intelectual, nem santo. Como seus inimigos gostam de dizer, é um apedeuta, ou seja, um homem do povo – que gosta de futebol, de se reunir com amigos para almoços descontraídos, de tomar sua cervejinha e torcer pelo seu time.

Exatamente assim tornou-se um dos homens mais importantes da História, e com ele o povo se sentiu protagonista. As elites contam com outros bens, com que se apegar, mas os pobres só têm a pátria, e só dela podem desfrutar nas cores da bandeira, na visão de sua paisagem, no orgulho das riquezas naturais, das quais nunca se aproveitam. “A pátria dos pobres está sempre no futuro, sempre na esperança”, resumia Tancredo Neves, para quem o Brasil só avança pela luta reivindicatória de seus pobres e a eles, queiram ou não os elitistas, cabe a vanguarda da História.

Os êxitos dos últimos oito anos não foram obtidos pelos economistas. Esses êxitos se devem à classe operária – que, com seus sindicatos, criou dirigentes capazes de lutar pelas melhores condições de vida nas fábricas e em seus lares, e lutar decididamente pela evolução política do Brasil. Sempre que essa consciência esmaece, o povo sofre com a perda da liberdade. Ou com o retrocesso econômico.

A grande importância do operário Luiz Inácio foi a de confrontar-se com a ditadura, ao romper as algemas a que estava submetido o movimento sindical, e liderar a primeira greve depois de muitos anos de arrocho e de silêncio. Era o povo que, na pessoa de um metalúrgico, só conhecido entre seus companheiros, se levantava para chamar outros brasileiros ao brio. É claro que, quando isso ocorreu, muitos outros brasileiros já haviam lutado, sofrido a ignomínia das prisões políticas e das torturas, e morrido em pleno martírio. Mas, com Lula, essa resistência saía da clandestinidade e das casas parlamentares, para voltar à luz do dia. Por isso, e de repente, o rapaz se torna a referência da Igreja e dos intelectuais, como porta-bandeira da plena redemocratização do país.

Ao chegar finalmente ao poder, Lula não foi o governante perfeito. Cometeu erros políticos, e em certos momentos deixou-se levar pela vaidade, diante do reconhecimento quase universal de suas virtudes. Como poucos de seus predecessores, soube falar de igual para igual com os governantes estrangeiros, e defender os povos historicamente marginalizados nas reuniões internacionais. Não se deixou embasbacar diante dos grandes do mundo, como fizera seu antecessor imediato, deslumbrado com as luzes de Buckingham e com as alamedas de Harvard.

Lula praticou, nos encontros com os dirigentes dos grandes países, a filosofia de outro homem do povo, Garrincha, para quem qualquer adversário era João. Sabe que representa um dos maiores países do mundo e um povo não é maior ou melhor do que os outros, tampouco é menor ou pior. Assim, não tinha por que se curvar.

O povo brasileiro se resumiu e se integrou na pessoa de seu presidente – com seus pecados, seus defeitos, mas, mais do que isso, com sua vontade de ser plenamente senhor do próprio destino. Completa-se o sonho de Vargas em sua carta testamento: “Este povo, do qual fui escravo, não será mais escravo de ninguém”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário