terça-feira, junho 17, 2008

Irlanda diz “Não” à submissão da Europa à ditadura dos monopólios


O Tratado de Lisboa foi rejeitado nas urnas pelos irlandeses por abrir as portas para privatizações, corte dos direitos sociais e trabalhistas e redução da democracia. Não teve nada a ver com “voto contra a União Européia”, mas repúdio ao neoliberalismo

O Tratado de Lisboa – a versão enxuta da defunta “constituição” pró-monopólios da União Européia – foi rejeitada na Irlanda no referendo realizado no dia 12 de junho, por 53,4 % a 46,6%, com o “Não” vencendo em 33 dos 42 colégios eleitorais e na capital, Dublin, ou seja, no país inteiro. A “Campanha pelo Não”, que congregou o Sinn Fein (organização herdeira do IRA) e vários pequenos partidos de esquerda, sindicatos, organizações estudantis, entidades de mulheres e personalidades, galvanizou a opinião pública, apesar da disparidade de meios, graças às denúncias que apresentou sobre o Tratado e suas conseqüências: privatizações, thatcherismo, corte dos direitos, redução da democracia, fim da neutralidade da Irlanda e subtração de espaços atualmente assegurados ao país na comunidade européia.
A derrota forçou os governos europeus a iniciarem, às pressas, reuniões de emergência para buscar uma saída, já que o Tratado, para entrar em vigor, o que deveria ocorrer a partir do ano que vem, tem de ser aprovado por todos os atuais 27 países membros. Não foi um “voto contra a União Européia” – como, desinteressadamente, algumas viúvas do Tratado de Lisboa, e certos poodles dos EUA, se apressaram a insinuar -, já que os principais setores da campanha do “Não” defendem uma Europa integrada e deixaram isso claro em suas declarações. Mas um voto contra a submissão dos povos da Europa aos interesses de meia dúzia de monopólios, à especulação e ao neoliberalismo.
VÉSPERA
Na véspera do referendo – obrigatório de acordo com a constituição irlandesa -, o governo de Dublin já admitia a derrota. O Tratado havia sido acochambrado há dois anos, após franceses e holandeses rechaçarem, nas urnas, a “constituição” que estabelecia garantias máximas para corporações e bancos e “livre mercado” de ponta a ponta e, para os trabalhadores, instituía um cínico rebaixamento de direitos conquistados, há décadas, pelos povos europeus.
Escaldados pelo malogro nesses referendos – e em outros desde Maastricht - os formuladores do “Tratado de Lisboa” e das novas regras da EU haviam cuidado de fugir, nos demais países, das urnas e só passar o tratado via parlamentos. As mazelas do Tratado foram expostas com muita precisão pela “Campanha do Não”. Como a substituição do “direito ao trabalho”, previsto constitucionalmente em praticamente todos os países, por um vago “direito a se engajar no trabalho”. No lugar do “direito à previdência”, um tal “direito ao acesso à previdência” – com a clara intenção de deixar aberta a porta para a privatização.
Em outros direitos fundamentais, como educação e saúde, cláusulas semelhantes. A ponto da confederação que reúne as centrais sindicais européias, a CSE, ter classificado tal “carta” como “uma corrida ao fundo” para os direitos trabalhistas e sociais, e salários, e virtual “dumping social”. A “Campanha” também denunciou que novos mecanismos postos em vigor pelo tratado eram usados contra os direitos dos trabalhadores. Como a decisão de uma corte européia autorizando uma empresa polonesa contratada para prestar serviços na Alemanha a pagar a seu pessoal a metade do salário mínimo alemão vigente.
MILITARIZAÇÃO
A “Campanha” também denunciou que o tratado, se ratificado, “consolidaria e centralizaria o poder de instituições não eleitas da EU” – como um presidente com 2,5 anos de mandato, no lugar da presidência rotatória de seis meses, e o novo Comissário de Relações Externas e Segurança; “estenderia a militarização da Europa e avançaria suas ambições neocoloniais, e aceleraria a privatização dos serviços públicos da Europa”. De acordo com as novas regras, a Irlanda, só teria como ministro europeu um representante seu em cinco de cada quinze anos, e muitas deliberações, atualmente por consenso, passariam a ser por maioria qualificada, com o voto do país valendo proporcionalmente menos do que atualmente. A neutralidade da Irlanda, advertiram, já vem sendo ameaçada, e isso deverá se agravar – tropas do país estão participando “humanitariamente” da intervenção francesa no Chad. A mesma mídia que fez campanha pelo “Sim” e perdeu, buscou ocultar esse caráter da vitória do “Não”. Seja atribuindo-a ao fato de os irlandeses serem “católicos e contra o aborto”, supostamente favorecido pelos novos poderes legislativos da União Européia, ou à prédica pelo “Não” de uma entidade de milionários, Libertas, contra o “aumento de taxação das empresas”.

ANTONIO PIMENTA
Manifesto de Dublin: “As propostas de reduzir a democracia e privatizar serviços públicos foram rejeitadas”

“O povo irlandês se pronunciou. Contrariamente às predições de distúrbios sociais e políticos, acreditamos que centenas de milhões de pessoas por toda a Europa saudarão a rejeição do Tratado de Lisboa”, afirmou a “Campanha do Não”, em manifesto divulgado em Dublin logo após a vitória. “As propostas de reduzir a democracia, militarizar a EU e deixar os negócios privados tomarem os serviços públicos foram rejeitadas. ‘Lisboa’ está morto. Junto com a constituição da EU, da qual provém, deverá ser agora enterrado”, assinalou.
MUDANÇA
A “Campanha” convocou “uma mudança de direção”. “Conclamamos ao fim da privatização dos serviços públicos, e à exclusão dos serviços públicos dos diktats do mercado”. O manifesto exigiu, também, “um fim ao papel dado aos mercados e aos bancos nas decisões de como a sociedade deve ser dirigida”, e “medidas sérias para parar ‘a corrida para o fundo’ dos direitos dos trabalhadores, e para sua proteção”, assim como para enfrentar “o desemprego e a pobreza”.
DIREITOS
“Onde ‘Lisboa’ representava a negação da democracia à maioria esmagadora da população da área da EU, nós convocamos agora os povos da Europa a reclamarem seu direito democrático de decidir seu próprio futuro”, afirmaram os líderes irlandeses da vitória do “Não”. O documento acrescentou que a votação na Irlanda “mostra o fosso que existe entre os políticos e as elites da Europa, e as opiniões do povo. Como na França e na Holanda, os líderes políticos e o establishment fizeram tudo que podiam para sua imposição – e fracassaram.”
A.P.

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