sábado, fevereiro 17, 2007

Privatistas depredaram Estado e advogam cadeia para menores

Privatistas depredaram Estado e advogam cadeia para menores

Uma sociedade que não se preocupa com seus jovens está morta ou condenada a morrer. É o que a mídia dos monopólios quer para o Brasil

A terrível morte do menino João Hélio como veu intensamente todos nós, como era inevitável que comovesse. Somente uma completa aberração emocional ficaria insensível diante de um crime tão brutal e covarde. No entanto, se é muito triste a morte de João Hélio, é repugnante a tentativa oportunista, sem caráter e irresponsável de se aproveitar dela, de manipular o sentimento alheio, de incitar a que as pessoas se rebaixem ao nível de bandidos, feita, exatamente, por quem são os mais responsáveis pela situação que mata, todos os anos, milhares de crianças.

É esse o pano de fundo da atual gritaria sobre a redução da maioridade penal. Em toda a nossa História, o aumento da maioridade penal sempre foi considerado um índice do progresso da civilização sobre a barbárie. Assim, a maioridade penal no Império era atingida aos 10 anos. Na República Velha, passou para 14 anos. E, finalmente, o presidente Getúlio Vargas, na década de 40 do século passado, aumentou-a para 18 anos.

Um país que não se preocupa com suas crianças e seus jovens está morto ou condenado à morte. Sempre se considerou que a sociedade, através do Estado, não pode abster-se da sua responsabilidade em relação aos seus membros mais jovens, menos maduros. O aumento da idade penal é o aumento do número de membros da sociedade sobre os quais esta assume responsabilidade direta por sua formação, reconhecendo explicitamente que se um deles transgride suas normas, há algo errado não apenas com ele, mas com a própria sociedade. Como disse o presidente Lula, reduzir a maioridade significa “absolver o Estado, responsável pela formação de uma geração de jovens empobrecidos e desesperançados”.

AJUSTES

Esta é a questão. O Estatuto da Criança e do Adolescente necessita de ajustes. O principal é aumentar o tempo de tutela (hoje em 3 anos) dos menores infratores. Porém, não é aperfeiçoá-lo o que querem os porta-vozes de monopólios privados que durante anos impediram a ação social do Estado em relação às crianças e jovens, assaltando o dinheiro e a propriedade do povo, desempregando milhões, dilacerando famílias, deixando os bairros populares à mercê de quadrilhas de traficantes, arrasando o ensino público e qualquer oportunidade cultural - em suma, marginalizando uma ampla gama de jovens.

Pelo contrário, esses elementos anti-sociais e sua mídia querem que tudo fique como está – ou que fique pior. Não defendem que o Estado faça investimentos sociais ou que o governo impulsione o crescimento econômico, o emprego e o aumento de renda das famílias. Isso eles são contra. Ao invés, defendem que aqueles a quem sua política esmagou e triturou – e não só estes, mas qualquer jovem que cometa qualquer delito - sejam entregues aos cuidados das penitenciárias que eles mesmos entregaram aos bandidos maiores, aos PCCs e CVs que cevaram durante oito anos de abjeção.

A maior parte dos países adota a maioridade penal aos 18 anos ou mais (Cf. o estudo do criminólogo Túlio Kahn, baseado em dados da ONU, “Delinqüência juvenil se resolve aumentando oportunidades e não reduzindo idade penal”). Entretanto, a mídia tem publicado, a esse respeito, tabelas errôneas, tendo como fonte a Unicef – instituição que, nas palavras de um ex-embaixador brasileiro em Genebra, o que menos faz é cuidar das crianças, preferindo atender às carências de seus próprios burocratas (não por acaso, acrescentamos nós, altamente influenciados pelos EUA, inclusive quanto à questão da maioridade penal).

ABERRAÇÃO

Os países com maioridade penal abaixo de 18 anos são, segundo a pesquisa “Crimes Trends”, da ONU, citada por Kahn: Bermudas, Chipre, Estados Unidos, Grécia, Haiti, Índia, Inglaterra, Marrocos, Nicarágua, São Vicente e Granada.

Na verdade, desses países apenas um interessa aos propagandistas da redução da maioridade penal: os EUA. É daí que eles tiram suas, digamos assim, idéias. Houve até quem propusesse que parte das nossas leis criminais tivessem, como nos EUA, caráter estadual. Como se isso resolvesse alguma coisa – e como se não fosse um retrocesso em relação à superior unidade nacional que nós conquistamos.

De resto, é notória a hedionda situação penal dos jovens, e, inclusive, das crianças norte-americanas. Lá, somente 13 estados têm definição de idade penal, em geral por volta dos sete anos. Todos nós, que já tivemos essa idade, sabemos como são responsáveis por seus atos as crianças de sete ou oito anos. Mas, nos outros 37 estados nem maioridade penal existe – o que explica que crianças ainda no jardim de infância sejam levadas à julgamento, sob acusação de “assédio sexual”, por haver pespegado um beijo numa colega. Resumindo, trata-se de um país onde o Estado, seqüestrado por monopólios privados, não se responsabiliza nem formalmente pelas crianças. Assim, condenar à morte, como há algum tempo, um menino de 12 anos, além disso retardado mental, não é uma aberração para o Estado norte-americano.

Porém, leitor, que necessidade o Brasil tem de reduzir a maioridade penal, além da necessidade permanente dos reacionários de retroagir o relógio da História? Pelo que falam, estaríamos vivendo uma epidemia de crimes cometidos por menores.

No Brasil, os menores são 10% dos que transgridem a lei – abaixo da média mundial (11,6%). Kahn observa que no Japão os menores são 42,6% dos transgressores da lei “e ainda assim a idade penal é de 20 anos. Se o Brasil chama a atenção por algum motivo é pela enorme proporção de jovens vítimas de crimes e não pela de infratores”.

Vejamos os dados referentes às modalidades de crimes. Para que algum tucano não venha argumentar com a suposta “tendência de queda” dos crimes nos últimos anos, peguemos as estatísticas da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo – um dos dois Estados que concentram a maioria dos crimes no Brasil - referentes a 2003. A participação de menores em homicídios dolosos foi de 0,97%; em latrocínios, 2,6%; em roubos, 1,5%; em roubo de carros, 0,6%. Os números só aumentam quando se trata de tráfico de drogas (12,8%) e porte ilegal de armas (14,8%). Estes números têm se mantido relativamente estáveis de ano para ano, ou seja, com pequena variação.

O que isso mostra é um tremendo problema social – por isso os números se elevam nos dois últimos itens. Mas revelam que, apesar da agressão a que foram submetidos os lares e bairros populares, é pequena a participação de menores em crimes. É possível deduzir, inclusive, que, mesmo nas camadas mais desfavorecidas da população, os infratores são um número muito pequeno em relação ao total de jovens.

Por que, então, reduzir a maioridade penal? Porque o objetivo é esconder o verdadeiro problema, que é o seguinte: depredam o Estado, roubando seus recursos através de juros, apropriando-se de seu patrimônio. Evidentemente, quando o Estado deixa de agir, o crime ocupa, pelo menos em parte, o seu lugar. Solução de quem quer continuar roubando o Estado: cadeia para as vítimas mais imaturas, desesperadas e ensandecidas por essa política.

Evidentemente, isso não é solução de nada - e para nada. Não há outra, senão o Estado voltar ao seu lugar, empregando os recursos do povo em benefício do povo. Essa retomada do papel do Estado iniciou-se desde a primeira posse do presidente Lula. Mas é isso o que os monopólios que parasitam o país, e seus servos na mídia, não querem. Por isso a campanha contra todas as iniciativas sociais do governo. Por isso, também, quando aparecem de forma trágica as conseqüências dos anos de descaso e entreguismo, querem atribuir o problema não ao que fizeram no país, mas à tênue e, na verdade, insuficiente proteção que as leis garantem aos mais jovens. Talvez porque saibam que não são os menores que merecem cadeia.

CARLOS LOPES

Hora do Povo

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