O xisto da questão
LUCIANO MARTINS COSTA (*)
Os jornais vêm tratando, nos últimos dias, da decisão do governo norte-americano de estimular a extração do gás de xisto, encontrado em vários tipos de rochas laminadas, e que pode substituir em parte a produção de petróleo. A estratégia dos Estados Unidos é tratada pela imprensa nacional como uma novidade revolucionária e é divulgada pouco depois de a Agência Nacional de Petróleo ter aprovado estudos semelhantes e anunciar leilões para exploração dessa fonte de energia em pelo menos cinco estados brasileiros.
O assunto ganha espaço e já se define a tendência opinativa dos principais jornais: para a imprensa nacional, os americanos são mais espertos por saberem explorar sua diversidade de fontes de energia e o Brasil teria errado ao apostar no petróleo do pré-sal.
O noticiário não se aprofunda na questão do risco ambiental representado pela extração e tratamento do xisto, trabalha o assunto superficialmente e despreza outros aspectos relativos a essa matéria-prima, como sua aplicação na indústria de insumos agrícolas. Um exemplo: parceria da Petrobras com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desenvolve há alguns anos, no Paraná, subprodutos do xisto para aplicação como fertilizante.
O xisto é explorado no Brasil desde meados de 1950, a refinaria instalada no Paraná funciona desde 1972, e em 1991 a Petrobras anunciou a obtenção de tecnologia própria para tratamento das rochas betuminosas.
O Brasil possui, no território coberto pelos estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Goiás, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, uma das maiores reservas do mundo. A tecnologia brasileira de extração e refino para produção de óleo, gás, nafta, enxofre e outros derivados produziu algumas patentes importantes e não fica a dever aos métodos usados nos Estados Unidos.
A diferença de preços entre a tecnologia usada pelos americanos e a produção brasileira se deve basicamente a uma questão de mercado: como o governo dos Estados Unidos decidiu usar estrategicamente o xisto para reduzir sua dependência de fornecedores externos, esse produto passou a representar mais de 20% da produção de gás daquele país, criando-se uma expectativa de queda no preço do insumo usado em muitas indústrias, pelo aumento da oferta.
Não se trata, como dizem os jornais, de uma "revolução energética" – na verdade, é a reocupação de um setor que ficou em segundo plano enquanto havia fartura de petróleo a custo competitivo.
Legítimo orgulho americano
O noticiário e o opiniário dos jornais brasileiros sobre o assunto têm alguns problemas a serem analisados. O primeiro deles é o afloramento do velho complexo de vira-latas: tudo que se faz nos Estados Unidos é melhor do que qualquer coisa que seja tentada pelos tupiniquins. Aliás, a imprensa adora chamar os brasileiros de tupiniquins, com sentido pejorativo.
O segundo aspecto a ser observado é a falta de informações precisas sobre o tema: há, evidentemente, uma mudança no mercado pela crescente oferta do gás americano a preços reduzidos, mas os jornais não informam o tamanho desse impacto. Também faltam informações técnicas, como, por exemplo, o tempo necessário para o aumento da produção brasileira de xisto e ampliação da capacidade de refino em território nacional.
Há um terceiro aspecto, relacionado à conveniência de os Estados Unidos mandarem um recado a determinados fornecedores de petróleo e gás, como a Rússia, que usam a dependência americana para criar obstáculos aos interesses dos Estados Unidos no campo político. Por outro lado, resta ainda a ser discutida a questão ambiental, que a imprensa brasileira deixou em segundo plano.
Aliás, a Petrobras acaba de fazer a segunda maior emissão no mercado global de títulos corporativos neste ano, captando US$ 11 bilhões em investimento, e a imprensa não explora a contradição entre esse êxito e a suposta desvantagem em relação ao xisto americano. Por trás da questão, ainda está para ser discutida a perspectiva real das fontes não renováveis. Afinal, quanto tempo vão durar as reservas mundiais?
Curiosamente, a melhor reportagem sobre as chances do Brasil no mercado de subprodutos do xisto não saiu em nenhum jornal brasileiro: foi publicada no site da agência alemã Deutsche Welle na segunda-feira (13/5) e afirma que o Brasil pode se tornar o 10º maior produtor mundial do gás.
A reportagem da agência alemã não adota a expressão "revolução tecnológica" citada com legítimo orgulho americano pela imprensa brasileira, explicando que os Estados Unidos vêm investindo mais na exploração do xisto desde 2005. O texto também cita os riscos ambientais e explica de maneira simples as diferenças nos processos de extração.
Tudo isso em português, de graça e sem ganidos de vira-latas.
(*) Do Observatório da Imprensa
Proibido em países da Europa, polêmico método é condenado por oferecer riscos ao meio ambiente. Agência Nacional do Petróleo garante monitorar o tema, mas ONGs alertam para perigo de contaminação da água e do solo.
Uma polêmica técnica de extração de gás natural, proibida em alguns países da Europa, será testada pela primeira vez no Brasil. O fraturamento hidráulico (fracking, em inglês) é questionado pela falta de estudos sobre possíveis danos ambientais.
A extração de gás natural por meio de fraturamento hidráulico é considerada uma alternativa diante do esgotamento das reservas naturais mais acessíveis. Para extrair o gás, é preciso "explodir" as rochas. O processo começa com uma perfuração até a camada rochosa de xisto. Após atingir uma profundidade de mais de 1,5 mil metros, uma bomba injeta água com areia e produtos químicos em alta pressão, o que amplia as fissuras na rocha. Este procedimento liberta o gás aprisionado, que flui para a superfície e pode então ser recolhido.
Uma referênca sobre o tema é um estudo feito pela Duke University, na Pensilvânia, em que os cientistas chamaram a atenção para o aumento da concentração de metano na água potável em locais próximos aos poços usados para o fraturamento hidráulico.
Entidades de defesa do meio ambiente questionam falta de debate público sobre os impactos da prática
Potencial promissor
De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), com o fraturamento hidráulico o Brasil poderia chegam à 10ª posição no ranking de maiores reservas mundiais de gás de xisto, também conhecido como gás não convencional. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) pretende realizar em outubro um leilão sobre a exploração desse gás. As bacias cotadas para entrar nesta rodada são a do Parecis (MT), do Parnaíba (entre Maranhão e Piauí), do Recôncavo (BA), além das bacias do rio Paraná (entre Paraná e Mato Grosso do Sul) e do Rio São Francisco (entre Minas Gerais e Bahia).
Mas embora seja promissora economicamente, a técnica controversa é criticada por ambientalistas. "Há uma clara vontade política para que isso aconteça [a exploração por meio de fraturamento hidráulico], especialmente após as recentes avaliações muito otimistas sobre o potencial de gás de xisto em terra no Brasil", disse à DW Brasil Antoine Simon, da divisão europeia da organização internacional Amigos da Terra. A entidade assinou, junto com o Greenpeace e outras organizações de proteção ao meio ambiente, uma carta pública em que expõe os motivos para o posicionamento contrário ao procedimento.
Para as entidades, parece não haver qualquer debate sobre as questões ambientais, sociais e de saúde sobre os impactos gerados por essa atividade. A própria ANP reconhece a falta de estudos sobre os impactos ambientais da prática. "O tema fraturamento hidráulico tem causado alvoroço na imprensa mundial, pois seus riscos não foram esclarecidos plenamente", admitiu a assessoria de imprensa da entidade. Na avaliação da ANP, o método possibilita aumentar a produção de gás natural, mas ainda apresenta altos custos e complexidade nas operações.
Polêmica foi parar em Hollywood: no filme "Terra Prometida", um rebanho morre após beber água contaminada
Risco de contaminação
Entre os principais impactos ambientais alertados pelos especialistas estão a contaminação da água e do solo, riscos de explosão com a liberação de gás metano, consumo excessivo de água para provocar o fracionamento da rocha, além do uso de substâncias químicas para favorecer a exploração. Ainda há a preocupação de que a técnica possa estimular movimentos tectônicos que levem a terremotos.
Para o coordenador do programa Mudanças Climáticas e Energia da organização ambientalista WWF-Brasil, Carlos Rittl, os aspectos sociais e ambientais são totalmente ignorados: "o único argumento por trás da exploração é o econômico", observa. "Essa tecnologia não se provou segura em nenhum lugar do mundo."
Outro ponto questionado pelo especialista é o fato de o Brasil investir na exploração de combustíveis fósseis, em vez de apostar em fontes renováveis. Ele lembra que pelo menos 2/3 das reservas mundiais conhecidas precisam permanecer no subsolo para evitar o aquecimento global.
"O Brasil é muito abundante em fontes de energia de baixo impacto. O governo investe muito menos em energia eólica e solar, em aproveitamento da própria biomassa da cana-de-açúcar e de resíduos de madeira, por exemplo", considera.
Proibido na França e na Bulgária
O fraturamento hidráulico é motivo de controvérsia em todo o mundo. De acordo com a organização Amigos da Terra, o método é permitido na Polônia e no Reino Unido, mas proibido na França e na Bulgária. Outros países europeus declararam moratória à técnica de extração, com o objetivo de fazer uma análise mais aprofundada sobre os impactos ambientais. É o caso da Irlanda, República Tcheca, Romênia, Alemanha e Espanha.
O Greenpeace se posicionou oficialmente contra o método. A instituição diz ter sérias preocupações com os impactos diretos e indiretos sobre a saúde individual e pública. Segundo a entidade, muitos desses impactos não são só locais, mas podem ser sentidos em nível regional e mesmo global.
Uma das preocupações é de que a técnica possa favorecer movimentos tectônicos que levem a terremotos
Produção de gás de xisto
De acordo com a ANP, há registros de operações de fraturamento hidráulico convencional desde 1950 no Brasil. A agência afirma que, desde então, mais de 6 mil operações foram realizadas utilizando baixas pressões e vazões, sem registros de incidentes graves. Não há experiência no Brasil de realização de fraturamento com volumes de fluido e potência hidráulica nos níveis utilizados nos Estados Unidos, onde se concentra a produção.
De acordo com a IEA, a experiência norte-americana mostra que o gás não convencional pode ser explorado economicamente. A produção de gás de xisto nos Estados Unidos aumentou de forma acentuada a partir de 2005. Cinco anos depois, o gás de xisto já representava mais de 20% da produção de gás do país.
- Data 13.05.2013
- Autoria Magali Moser
- Edição Francis França
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