terça-feira, dezembro 09, 2008

Escorregamentos e enchentes seguem matando. E daí?




Enchentes renovaram o ambientalismo catarinense  ? ? ? ? ? ? ? ?

 

Após a tragédia, cresce a pressão contra o projeto de Lei do governo catarinense, que institui o Código do Meio Ambiente Estadual. Inconstitucional segundo a Procuradora da República, Analúcia Hartmann, o projeto reduz matas ciliares a uma linha de 5m de largura e ameaça unidades de conservação na área afetada pela enchente.

Guilherme Floriani

 

O governador Luis Henrique da Silveira (PMDB) anunciou a maior tragédia da história, mais de 100 vítimas fatais. Estes se somaram às 340 mortes das 5 maiores enchentes ocorridas desde 1974 no Estado. As chuvas torrenciais seriam uma profecia ambientalista, mas mudanças climáticas globais já enviaram o furacão Catarina em 2004, um ciclone extratropical e totalmente inesperado.

Desta vez, uma enorme repercussão na mídia, e pronta resposta governamental, em socorro às vítimas. De lideranças locais à senadora Marina Silva partiram manifestos destacando a ingerência ambiental na escalada dos efeitos da chuva. O silêncio dos políticos da situação a respeito inspirou ainda maior desconfiança. Muito ocupados no socorro às vítimas ou sentem-se comprometidos com o tenebroso panorama instalado.

Os 283 litros despejados num dia em cada metro quadrado de Blumenau parecem ter sido a gota d'água para transbordar a pressão reacionária na política ambiental nacional. A ampla comoção social pode instar uma tomada de consciência dos milhares que sofrem diariamente suas tragédias individuais decorrentes do mau uso do ambiente. Um possível divisor de águas no curso ambientalista brasileiro, pois Santa Catarina serve de alerta dos efeitos da degradação do Planeta que ameaçam todo o Brasil, bem como, em todo o país, ocorrem neste momento fortes ameaças ao meio-ambiente.

Sinal deste novo tempo catarinense é a pressão contra o Projeto de Lei Estadual 238/2008 do governador catarinense, que institui o Código do Meio Ambiente Estadual. Inconstitucional segundo a Procuradora da República Analúcia Hartmann, fere a Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, o Código Florestal brasileiro, reduzindo matas ciliares a uma linha de 5m de largura. Ameaçaria Unidades de Conservação na área afetada pela enchente, e afogaria o processo de licenciamento, autorizando automaticamente os empreendimentos não vistoriados pelo órgão ambiental em 60 dias.

A proposta encontrava eco na Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (FIESC), Sindicatos da Construção Civil (SINDUSCON) e Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado (FETAESC), que compõem o "setor produtivo" e consideram a legislação atual muito restritiva ao desenvolvimento.

Antes da água baixar iniciou um abaixo-assinado contra o projeto de lei, mas o documento base de pesquisadores apontando causas do desastre anunciado só foi publicado como matéria paga no maior jornal do Estado, do Grupo RBS (filiado à Globo). Outras matérias relacionadas não fazem referência ao fato de Santa Catarina ter liderado o desmatamento no país em 2007, nem às falcatruas no licenciamento ambiental como denunciou a operação Moeda Verde da Polícia Federal. Artigos de renomados ambientalistas também pouparam nomes dos responsáveis por ataques à legislação, uma fragilidade intervencionista no atual cenário político nacional.

Rendo-me à Marilena Chauí. Em "uma ideologia perversa" a ética passou a ser inseparável da ideologia do consenso ao enfatizar o sofrimento individual e coletivo, e por isso obtém consenso de opinião: somos "éticos" porque nos solidarizamos às vítimas da enchente. Mas a contrapartida dessa ideologia é clara: não nos perguntem sobre como ser ético para evitar novas catástrofes, isso divide as opiniões, e a modernidade, como se sabe, é o consenso. Apóia-se a ética do bem ao enviar alimentos, fazer doações, mas não se promove autonomia individual para estabelecer normas de uso coletivo do ambiente. Nem co-responsabilidades ou controle social são provocados.

Por isso, seria oportunismo ambientalista apenas ameaçar a recorrência do problema, nem cabe pautar miraculosas obras de engenharia para conter enchentes, como provou New Orleans (EUA). Pois o cuidado de todo o ambiente, muito mais que matas ciliares, promoverá segurança à população, produção de água e alimentos de qualidade ou conservação da biodiversidade.

Da questão multifacetada e metatecnológica, surge uma ética que renova o ambientalismo? Há alguns dias, o diálogo caminhava para flexibilizar a legislação, e o Ministério Público firmou vultoso Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o "setor florestal". Para aqueles que perderam tudo, suas casas e parentes, o consenso agora deve ser outro. Talvez a tragédia não seja suficiente para mudar a sociologia provada perversa, mas pode provocar um renovado movimento social de diálogo com a natureza em Santa Catarina.


Guilherme Floriani reside em Lages (SC) e é Engenheiro Florestal


Meio Ambiente| 04/12/2008 | Copyleft

TRAGÉDIA EM SANTA CATARINA

 

A questão essencial é que estão sendo ocupadas pela urbanização, à vista e com o beneplácito oficial, áreas que por suas condições geológicas jamais poderiam ser utilizadas para tal fim. Pior, estão sendo ocupadas utilizando-se de expedientes técnicos (desmatamento, cortes, aterros, disposição viária) totalmente contra-indicados para tais situações. A análise é do geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos.

Álvaro Rodrigues dos Santos(*)

A tragédia geológica que, a propósito de chuvas intensíssimas, abateu-se sobre a população de várias cidades de Santa Catarina atinge a sociedade brasileira pela dor das mortes e tanto sofrimento humano, mas também como pungente peça acusatória pela histórica e acomodada omissão dos agentes sociais públicos e privados que a poderiam ter evitado.

Impossível não nos ficar a impressão que autoridades e mídia, e talvez uma boa parte da sociedade, já assimilaram como fatos naturais do destino brasileiro as horríveis mortes por soterramento e enchentes que anualmente fazem dezenas de vítimas nessas épocas de chuvas mais intensas. Diluem-se assim comodamente nesse cenário de pretenso destino compulsório as responsabilidades públicas e privadas na verdade responsáveis por tantas vidas violentamente ceifadas.

A tipologia desses acidentes é sobejamente conhecida e invariavelmente associada à ocupação habitacional de encostas de alta declividade e margens e várzeas de cursos d'água, situações presentes em muitas de nossas cidades: Rio, Petrópolis, Nova Friburgo, Belo Horizonte, Ouro Preto, São Paulo, Salvador, Recife, Campos do Jordão, Santos, Caraguatatuba, Guarujá, municípios do médio e baixo Vale do Itajaí, em Santa Catarina, os municípios do litoral sudeste brasileiro que tangem os flancos da Serra do Mar e, de uma forma geral, todos os municípios situados em regiões serranas

A questão essencial é que estão sendo ocupadas pela urbanização, à vista e com o beneplácito oficial, áreas que por suas condições geológicas jamais poderiam ser utilizadas para tal fim. Pior, estão sendo ocupadas utilizando-se de expedientes técnicos (desmatamento, cortes, aterros, disposição viária...) totalmente contra-indicados para tais situações.

Na maior parte das vezes essas tragédias atingem a população de baixa renda, mas, como no próprio caso do Vale do Itajaí, são também atingidas edificações associadas a uma classe média alta, certamente em situações de evidente legalidade fundiária e urbanística, o que evidencia de forma ainda mais aguda a total falta de controle da administração pública sobre a gestão de seu território.

Para uma mais acurada compreensão do problema e para o correto equacionamento de sua solução, é indispensável considerar separadamente dois aspectos fundamentais, mas bem diversos, dessa questão; o fator técnico e o fator político-social-econômico.

Do ponto de vista estritamente técnico, e tendo em conta que as expansões urbanas tendem, nos municípios referidos, progressivamente a atingir relevos topograficamente mais acidentados e, portanto, mais instáveis geotecnicamente, vale registrar categoricamente que não há uma questão técnica sequer envolvida no problema que não já tenha sido estudada e perfeitamente equacionada, com suas soluções resolvidas e disponibilizadas pela Geologia e pela Engenharia Geotécnica brasileiras.

Cartas Geotécnicas, Cartas de Risco (indicando as áreas que não podem ser ocupadas em hipótese alguma e as áreas passíveis de ocupação uma vez obedecido um elenco de restrições e providências), tipologia de obras adequadas a contenção de taludes e encostas, tipologia de projetos de ocupação urbana adequados a áreas topograficamente mais acidentadas, mapeamento de situações críticas, metodologia e tecnologia de Planos de Defesa Civil são parte desse abundante ferramental necessário para o enfrentamento do problema em sua componente técnica preventiva (que se dá especialmente no âmbito de uma eficiente gestão do uso do solo sob a ótica geológica e programas emergenciais de defesa civil) e corretiva, que se dá especialmente no âmbito de programas de consolidação geotécnica (incluindo a indispensável remoção de edificações instaladas em áreas de alto risco com realocação das famílias envolvidas em áreas geologicamente adequadas).

O segundo aspecto a ser considerado, e de fundamental importância, refere-se às componentes sociais, políticas e econômicas do problema. A enorme explosão demográfica urbana que a partir da década de 50 atingiu as cidades brasileiras deu-se em uma velocidade tal que as despreparadas, e muitas vezes descompromissadas, administrações públicas dos três níveis não foram capazes de acompanhá-las em sua função intrínseca de planejamento urbano e provimento de infra-estrutura de serviços públicos. Nesse cenário, são justamente as áreas caracterizadas por fatores de periculosidade e insalubridade (especialmente encostas íngremes e fundos de vale) que acabam oferecendo-se à população mais pobre como solução habitacional orçamentariamente compatível com seus parcos recursos.

Ficam assim técnica e socialmente criadas as condições para a ocorrência dessas terríveis tragédias. Conjunção que coloca claramente às autoridades responsáveis a indispensável aplicação combinada de duas ações públicas: a gestão geológica do uso do solo e programas habitacionais especialmente voltados à população de menor renda.

Constitui providência nesse sentido auspiciosa o Programa de Recuperação Socioambiental da Serra do Mar, atualmente em desenvolvimento pelo Governo do Estado de São Paulo junto aos chamados Bairros Cota, enormes aglomerações urbanas que temerariamente se desenvolveram às margens da Via Anchieta em seu trecho da Serra do Mar. O sucesso da implementação desse programa, com sua projetada extensão para todos os municípios paulistas contíguos à Serra do Mar, certamente poderá, a exemplo das ações de consolidação geotécnica nos morros de Recife e outros casos pontuais de sucesso, vir a se constituir em um virtuoso paradigma para a gestão de situações similares.

* É geólogo, ex-diretor de Planejamento e Gestão do IPT e ex-diretor da Divisão de Geologia da mesma entidade; autor dos livros "Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática", "A Grande Barreira da Serra do Mar", "Cubatão" e "Diálogos Geológicos" e consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente.

Artigo publicado originalmente no portal Ambiente Brasil



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Cordialmente,

Profº Jeferson Pitol Righetto
http://profjefersongeo.blogspot.com/

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