Roldão Arruda, DOURADOS
Todos os dias, no fim da tarde, o movimento na estrada de acesso às Aldeias Jaguapiru e Bororó, na periferia de Dourados, em Mato Grosso do Sul, aumenta. É quando chegam os ônibus de trabalhadores rurais, após mais uma jornada nas usinas de açúcar e álcool da região. Vêm lotados de índios.
Nestes dias eles estão trabalhando no plantio da cana. Mais tarde serão mobilizados para o corte, numa rotina que constitui hoje a principal fonte de renda nas duas aldeias, onde moram 12 mil índios guaranis.
Com a chegada de novas usinas na região, a mão-de-obra guarani tem sido cada vez mais requisitada. De acordo com cálculos do Ministério Público do Trabalho, já chega a 13 mil o número de índios nas usinas.
Esse movimento preocupa autoridades trabalhistas e organizações não-governamentais de apoio aos índios. Na opinião do procurador Cícero Pereira, que até o ano passado chefiava a Procuradoria- Geral do Trabalho no Estado, a busca da mão-de-obra indígena deve-se sobretudo ao desinteresse de outros grupos: “Os não-indígenas não querem saber do trabalho dos canaviais, que é pesado e considerado de segunda categoria.”
A alternativa dos usineiros seria importar mão-de-obra do Nordeste ou de Minas. “Mas eles evitam isso, por causa do custo do transporte e porque os trabalhadores daquelas regiões são mais organizados e se mobilizam em casos de superexploraçã o”, continua o procurador. “Os índios suportam melhor as pesadas jornadas nos canaviais e são tidos como trabalhadores menos exigentes.”TRABALHO ESCRAVO
Para combater a superexploraçã o foi organizada uma comissão permanente de investigação das condições de trabalho, que reúne 32 instituições, de sindicatos a universidades. No ano passado, essa comissão e os fiscais do Ministério do Trabalho resgataram 1.568 pessoas que se encontravam em condições análogas à escravidão. A maioria era de índios. Só numa usina foram resgatados 820 guaranis.
As autoridades também procuram os donos de usina para a assinatura dos chamados termos de ajuste de conduta, com o objetivo de respeitar as tradições indígenas no local de trabalho. Um exemplo: anteriormente, os índios ficavam confinados nos canaviais, longe das famílias, por períodos de até 70 dias. Hoje, a cada 45 dias devem ser levados para as aldeias, de onde retornam quatro dias depois. Mesmo assim, os índios preferem trabalhar em usinas próximas de suas casas - o que permite ir e voltar no mesmo dia.
Outra norma da região: como os guaranis não gostam de permanecer longos períodos no mesmo local, podem pedir a rescisão do contrato de trabalho a cada final de temporada no canavial. Nestes casos, são demitidos sem justa causa, com liberação do FGTS e pagamento de uma multa de 40% sobre seu valor total. Além disso, os índios podem requerer, em anos alternados, o seguro-desemprego.
Nas ONGs, a preocupação é outra: com mais empregos, cai o nível de mobilização e de reivindicação dos índios por mais terras. De acordo com o historiador Antonio Brand, coordenador do Programa Guarani-Caiuá da Universidade Católica Dom Bosco, de Campo Grande, a maior parte dos problemas sociais que eles enfrentam em Mato Grosso do Sul está relacionada à falta de terras.
“Desde o início do século 20, eles estão sendo confinados à força em pequenas reservas. Isso inviabilizou sua estrutura social, organizada por laços de parentesco, e deu origem aos conflitos internos, alcoolismo, violência, uso de drogas, suicídios”, diz o historiador. “Agora, no momento em que esse grupo se encontra tão debilitado, lhe oferecem a possibilidade de trabalho nos canaviais, o que pode enfraquecer a luta pela demarcação de novas terras.”
Para os índios, que na maioria dos casos vivem dos programas públicos de distribuição de renda, as usinas são vistas como alternativa para melhorar seu padrão de vida. Muitos trabalham um período no canavial, retornam à aldeia, para tocar lavouras de subsistência, e depois pedem a recontratação.
Maciel Spindola, guarani-caiuá de 18 anos, conta que foi registrado pela usina. “Com horas extras, ganho entre R$ 600 e R$ 700 por mês”, diz o rapaz. Ele sai de casa às 6 horas da manhã e volta no início da noite. “Eles dão café da manhã, almoço e janta”, enfatiza.
Maciel conta que o trabalho é exaustivo e que os mais fracos costumam ser afastados das equipes de trabalho. Essas equipes são formadas e dirigidas por um “cabeçante” - que também é índio e tem salários maiores que os demais.
Juvenal Lederme, guarani-nhandeva de 24 anos, é um desses cabeçantes. Conta que nos períodos de pico do corte da cana, à frente de uma equipe de 11 cortadores, já chegou a ganhar R$ 2.900 por mês. “A pior parte do trabalho é ficar longe da família. Mas fazer o quê?”, diz o índio, pai de um garoto de 2 anos.
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