terça-feira, dezembro 09, 2008

Escorregamentos e enchentes seguem matando. E daí?




Enchentes renovaram o ambientalismo catarinense  ? ? ? ? ? ? ? ?

 

Após a tragédia, cresce a pressão contra o projeto de Lei do governo catarinense, que institui o Código do Meio Ambiente Estadual. Inconstitucional segundo a Procuradora da República, Analúcia Hartmann, o projeto reduz matas ciliares a uma linha de 5m de largura e ameaça unidades de conservação na área afetada pela enchente.

Guilherme Floriani

 

O governador Luis Henrique da Silveira (PMDB) anunciou a maior tragédia da história, mais de 100 vítimas fatais. Estes se somaram às 340 mortes das 5 maiores enchentes ocorridas desde 1974 no Estado. As chuvas torrenciais seriam uma profecia ambientalista, mas mudanças climáticas globais já enviaram o furacão Catarina em 2004, um ciclone extratropical e totalmente inesperado.

Desta vez, uma enorme repercussão na mídia, e pronta resposta governamental, em socorro às vítimas. De lideranças locais à senadora Marina Silva partiram manifestos destacando a ingerência ambiental na escalada dos efeitos da chuva. O silêncio dos políticos da situação a respeito inspirou ainda maior desconfiança. Muito ocupados no socorro às vítimas ou sentem-se comprometidos com o tenebroso panorama instalado.

Os 283 litros despejados num dia em cada metro quadrado de Blumenau parecem ter sido a gota d'água para transbordar a pressão reacionária na política ambiental nacional. A ampla comoção social pode instar uma tomada de consciência dos milhares que sofrem diariamente suas tragédias individuais decorrentes do mau uso do ambiente. Um possível divisor de águas no curso ambientalista brasileiro, pois Santa Catarina serve de alerta dos efeitos da degradação do Planeta que ameaçam todo o Brasil, bem como, em todo o país, ocorrem neste momento fortes ameaças ao meio-ambiente.

Sinal deste novo tempo catarinense é a pressão contra o Projeto de Lei Estadual 238/2008 do governador catarinense, que institui o Código do Meio Ambiente Estadual. Inconstitucional segundo a Procuradora da República Analúcia Hartmann, fere a Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, o Código Florestal brasileiro, reduzindo matas ciliares a uma linha de 5m de largura. Ameaçaria Unidades de Conservação na área afetada pela enchente, e afogaria o processo de licenciamento, autorizando automaticamente os empreendimentos não vistoriados pelo órgão ambiental em 60 dias.

A proposta encontrava eco na Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (FIESC), Sindicatos da Construção Civil (SINDUSCON) e Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado (FETAESC), que compõem o "setor produtivo" e consideram a legislação atual muito restritiva ao desenvolvimento.

Antes da água baixar iniciou um abaixo-assinado contra o projeto de lei, mas o documento base de pesquisadores apontando causas do desastre anunciado só foi publicado como matéria paga no maior jornal do Estado, do Grupo RBS (filiado à Globo). Outras matérias relacionadas não fazem referência ao fato de Santa Catarina ter liderado o desmatamento no país em 2007, nem às falcatruas no licenciamento ambiental como denunciou a operação Moeda Verde da Polícia Federal. Artigos de renomados ambientalistas também pouparam nomes dos responsáveis por ataques à legislação, uma fragilidade intervencionista no atual cenário político nacional.

Rendo-me à Marilena Chauí. Em "uma ideologia perversa" a ética passou a ser inseparável da ideologia do consenso ao enfatizar o sofrimento individual e coletivo, e por isso obtém consenso de opinião: somos "éticos" porque nos solidarizamos às vítimas da enchente. Mas a contrapartida dessa ideologia é clara: não nos perguntem sobre como ser ético para evitar novas catástrofes, isso divide as opiniões, e a modernidade, como se sabe, é o consenso. Apóia-se a ética do bem ao enviar alimentos, fazer doações, mas não se promove autonomia individual para estabelecer normas de uso coletivo do ambiente. Nem co-responsabilidades ou controle social são provocados.

Por isso, seria oportunismo ambientalista apenas ameaçar a recorrência do problema, nem cabe pautar miraculosas obras de engenharia para conter enchentes, como provou New Orleans (EUA). Pois o cuidado de todo o ambiente, muito mais que matas ciliares, promoverá segurança à população, produção de água e alimentos de qualidade ou conservação da biodiversidade.

Da questão multifacetada e metatecnológica, surge uma ética que renova o ambientalismo? Há alguns dias, o diálogo caminhava para flexibilizar a legislação, e o Ministério Público firmou vultoso Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o "setor florestal". Para aqueles que perderam tudo, suas casas e parentes, o consenso agora deve ser outro. Talvez a tragédia não seja suficiente para mudar a sociologia provada perversa, mas pode provocar um renovado movimento social de diálogo com a natureza em Santa Catarina.


Guilherme Floriani reside em Lages (SC) e é Engenheiro Florestal


Meio Ambiente| 04/12/2008 | Copyleft

TRAGÉDIA EM SANTA CATARINA

 

A questão essencial é que estão sendo ocupadas pela urbanização, à vista e com o beneplácito oficial, áreas que por suas condições geológicas jamais poderiam ser utilizadas para tal fim. Pior, estão sendo ocupadas utilizando-se de expedientes técnicos (desmatamento, cortes, aterros, disposição viária) totalmente contra-indicados para tais situações. A análise é do geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos.

Álvaro Rodrigues dos Santos(*)

A tragédia geológica que, a propósito de chuvas intensíssimas, abateu-se sobre a população de várias cidades de Santa Catarina atinge a sociedade brasileira pela dor das mortes e tanto sofrimento humano, mas também como pungente peça acusatória pela histórica e acomodada omissão dos agentes sociais públicos e privados que a poderiam ter evitado.

Impossível não nos ficar a impressão que autoridades e mídia, e talvez uma boa parte da sociedade, já assimilaram como fatos naturais do destino brasileiro as horríveis mortes por soterramento e enchentes que anualmente fazem dezenas de vítimas nessas épocas de chuvas mais intensas. Diluem-se assim comodamente nesse cenário de pretenso destino compulsório as responsabilidades públicas e privadas na verdade responsáveis por tantas vidas violentamente ceifadas.

A tipologia desses acidentes é sobejamente conhecida e invariavelmente associada à ocupação habitacional de encostas de alta declividade e margens e várzeas de cursos d'água, situações presentes em muitas de nossas cidades: Rio, Petrópolis, Nova Friburgo, Belo Horizonte, Ouro Preto, São Paulo, Salvador, Recife, Campos do Jordão, Santos, Caraguatatuba, Guarujá, municípios do médio e baixo Vale do Itajaí, em Santa Catarina, os municípios do litoral sudeste brasileiro que tangem os flancos da Serra do Mar e, de uma forma geral, todos os municípios situados em regiões serranas

A questão essencial é que estão sendo ocupadas pela urbanização, à vista e com o beneplácito oficial, áreas que por suas condições geológicas jamais poderiam ser utilizadas para tal fim. Pior, estão sendo ocupadas utilizando-se de expedientes técnicos (desmatamento, cortes, aterros, disposição viária...) totalmente contra-indicados para tais situações.

Na maior parte das vezes essas tragédias atingem a população de baixa renda, mas, como no próprio caso do Vale do Itajaí, são também atingidas edificações associadas a uma classe média alta, certamente em situações de evidente legalidade fundiária e urbanística, o que evidencia de forma ainda mais aguda a total falta de controle da administração pública sobre a gestão de seu território.

Para uma mais acurada compreensão do problema e para o correto equacionamento de sua solução, é indispensável considerar separadamente dois aspectos fundamentais, mas bem diversos, dessa questão; o fator técnico e o fator político-social-econômico.

Do ponto de vista estritamente técnico, e tendo em conta que as expansões urbanas tendem, nos municípios referidos, progressivamente a atingir relevos topograficamente mais acidentados e, portanto, mais instáveis geotecnicamente, vale registrar categoricamente que não há uma questão técnica sequer envolvida no problema que não já tenha sido estudada e perfeitamente equacionada, com suas soluções resolvidas e disponibilizadas pela Geologia e pela Engenharia Geotécnica brasileiras.

Cartas Geotécnicas, Cartas de Risco (indicando as áreas que não podem ser ocupadas em hipótese alguma e as áreas passíveis de ocupação uma vez obedecido um elenco de restrições e providências), tipologia de obras adequadas a contenção de taludes e encostas, tipologia de projetos de ocupação urbana adequados a áreas topograficamente mais acidentadas, mapeamento de situações críticas, metodologia e tecnologia de Planos de Defesa Civil são parte desse abundante ferramental necessário para o enfrentamento do problema em sua componente técnica preventiva (que se dá especialmente no âmbito de uma eficiente gestão do uso do solo sob a ótica geológica e programas emergenciais de defesa civil) e corretiva, que se dá especialmente no âmbito de programas de consolidação geotécnica (incluindo a indispensável remoção de edificações instaladas em áreas de alto risco com realocação das famílias envolvidas em áreas geologicamente adequadas).

O segundo aspecto a ser considerado, e de fundamental importância, refere-se às componentes sociais, políticas e econômicas do problema. A enorme explosão demográfica urbana que a partir da década de 50 atingiu as cidades brasileiras deu-se em uma velocidade tal que as despreparadas, e muitas vezes descompromissadas, administrações públicas dos três níveis não foram capazes de acompanhá-las em sua função intrínseca de planejamento urbano e provimento de infra-estrutura de serviços públicos. Nesse cenário, são justamente as áreas caracterizadas por fatores de periculosidade e insalubridade (especialmente encostas íngremes e fundos de vale) que acabam oferecendo-se à população mais pobre como solução habitacional orçamentariamente compatível com seus parcos recursos.

Ficam assim técnica e socialmente criadas as condições para a ocorrência dessas terríveis tragédias. Conjunção que coloca claramente às autoridades responsáveis a indispensável aplicação combinada de duas ações públicas: a gestão geológica do uso do solo e programas habitacionais especialmente voltados à população de menor renda.

Constitui providência nesse sentido auspiciosa o Programa de Recuperação Socioambiental da Serra do Mar, atualmente em desenvolvimento pelo Governo do Estado de São Paulo junto aos chamados Bairros Cota, enormes aglomerações urbanas que temerariamente se desenvolveram às margens da Via Anchieta em seu trecho da Serra do Mar. O sucesso da implementação desse programa, com sua projetada extensão para todos os municípios paulistas contíguos à Serra do Mar, certamente poderá, a exemplo das ações de consolidação geotécnica nos morros de Recife e outros casos pontuais de sucesso, vir a se constituir em um virtuoso paradigma para a gestão de situações similares.

* É geólogo, ex-diretor de Planejamento e Gestão do IPT e ex-diretor da Divisão de Geologia da mesma entidade; autor dos livros "Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática", "A Grande Barreira da Serra do Mar", "Cubatão" e "Diálogos Geológicos" e consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente.

Artigo publicado originalmente no portal Ambiente Brasil



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Cordialmente,

Profº Jeferson Pitol Righetto
http://profjefersongeo.blogspot.com/

sábado, dezembro 06, 2008

TRAGÉDIA EM SANTA CATARINA

 

Escorregamentos e enchentes seguem matando. E daí?

A questão essencial é que estão sendo ocupadas pela urbanização, à vista e com o beneplácito oficial, áreas que por suas condições geológicas jamais poderiam ser utilizadas para tal fim. Pior, estão sendo ocupadas utilizando-se de expedientes técnicos (desmatamento, cortes, aterros, disposição viária) totalmente contra-indicados para tais situações. A análise é do geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos.

Álvaro Rodrigues dos Santos(*)

A tragédia geológica que, a propósito de chuvas intensíssimas, abateu-se sobre a população de várias cidades de Santa Catarina atinge a sociedade brasileira pela dor das mortes e tanto sofrimento humano, mas também como pungente peça acusatória pela histórica e acomodada omissão dos agentes sociais públicos e privados que a poderiam ter evitado.
Impossível não nos ficar a impressão que autoridades e mídia, e talvez uma boa parte da sociedade, já assimilaram como fatos naturais do destino brasileiro as horríveis mortes por soterramento e enchentes que anualmente fazem dezenas de vítimas nessas épocas de chuvas mais intensas. Diluem-se assim comodamente nesse cenário de pretenso destino compulsório as responsabilidades públicas e privadas na verdade responsáveis por tantas vidas violentamente ceifadas.
A tipologia desses acidentes é sobejamente conhecida e invariavelmente associada à ocupação habitacional de encostas de alta declividade e margens e várzeas de cursos d'água, situações presentes em muitas de nossas cidades: Rio, Petrópolis, Nova Friburgo, Belo Horizonte, Ouro Preto, São Paulo, Salvador, Recife, Campos do Jordão, Santos, Caraguatatuba, Guarujá, municípios do médio e baixo Vale do Itajaí, em Santa Catarina, os municípios do litoral sudeste brasileiro que tangem os flancos da Serra do Mar e, de uma forma geral, todos os municípios situados em regiões serranas
A questão essencial é que estão sendo ocupadas pela urbanização, à vista e com o beneplácito oficial, áreas que por suas condições geológicas jamais poderiam ser utilizadas para tal fim. Pior, estão sendo ocupadas utilizando-se de expedientes técnicos (desmatamento, cortes, aterros, disposição viária...) totalmente contra-indicados para tais situações.
Na maior parte das vezes essas tragédias atingem a população de baixa renda, mas, como no próprio caso do Vale do Itajaí, são também atingidas edificações associadas a uma classe média alta, certamente em situações de evidente legalidade fundiária e urbanística, o que evidencia de forma ainda mais aguda a total falta de controle da administração pública sobre a gestão de seu território.
Para uma mais acurada compreensão do problema e para o correto equacionamento de sua solução, é indispensável considerar separadamente dois aspectos fundamentais, mas bem diversos, dessa questão; o fator técnico e o fator político-social-econômico.
Do ponto de vista estritamente técnico, e tendo em conta que as expansões urbanas tendem, nos municípios referidos, progressivamente a atingir relevos topograficamente mais acidentados e, portanto, mais instáveis geotecnicamente, vale registrar categoricamente que não há uma questão técnica sequer envolvida no problema que não já tenha sido estudada e perfeitamente equacionada, com suas soluções resolvidas e disponibilizadas pela Geologia e pela Engenharia Geotécnica brasileiras.
Cartas Geotécnicas, Cartas de Risco (indicando as áreas que não podem ser ocupadas em hipótese alguma e as áreas passíveis de ocupação uma vez obedecido um elenco de restrições e providências), tipologia de obras adequadas a contenção de taludes e encostas, tipologia de projetos de ocupação urbana adequados a áreas topograficamente mais acidentadas, mapeamento de situações críticas, metodologia e tecnologia de Planos de Defesa Civil são parte desse abundante ferramental necessário para o enfrentamento do problema em sua componente técnica preventiva (que se dá especialmente no âmbito de uma eficiente gestão do uso do solo sob a ótica geológica e programas emergenciais de defesa civil) e corretiva, que se dá especialmente no âmbito de programas de consolidação geotécnica (incluindo a indispensável remoção de edificações instaladas em áreas de alto risco com realocação das famílias envolvidas em áreas geologicamente adequadas).
O segundo aspecto a ser considerado, e de fundamental importância, refere-se às componentes sociais, políticas e econômicas do problema. A enorme explosão demográfica urbana que a partir da década de 50 atingiu as cidades brasileiras deu-se em uma velocidade tal que as despreparadas, e muitas vezes descompromissadas, administrações públicas dos três níveis não foram capazes de acompanhá-las em sua função intrínseca de planejamento urbano e provimento de infra-estrutura de serviços públicos. Nesse cenário, são justamente as áreas caracterizadas por fatores de periculosidade e insalubridade (especialmente encostas íngremes e fundos de vale) que acabam oferecendo-se à população mais pobre como solução habitacional orçamentariamente compatível com seus parcos recursos.
Ficam assim técnica e socialmente criadas as condições para a ocorrência dessas terríveis tragédias. Conjunção que coloca claramente às autoridades responsáveis a indispensável aplicação combinada de duas ações públicas: a gestão geológica do uso do solo e programas habitacionais especialmente voltados à população de menor renda.
Constitui providência nesse sentido auspiciosa o Programa de Recuperação Socioambiental da Serra do Mar, atualmente em desenvolvimento pelo Governo do Estado de São Paulo junto aos chamados Bairros Cota, enormes aglomerações urbanas que temerariamente se desenvolveram às margens da Via Anchieta em seu trecho da Serra do Mar. O sucesso da implementação desse programa, com sua projetada extensão para todos os municípios paulistas contíguos à Serra do Mar, certamente poderá, a exemplo das ações de consolidação geotécnica nos morros de Recife e outros casos pontuais de sucesso, vir a se constituir em um virtuoso paradigma para a gestão de situações similares.
* É geólogo, ex-diretor de Planejamento e Gestão do IPT e ex-diretor da Divisão de Geologia da mesma entidade; autor dos livros "Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática", "A Grande Barreira da Serra do Mar", "Cubatão" e "Diálogos Geológicos" e consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente.
Artigo publicado originalmente no portal Ambiente Brasil

terça-feira, dezembro 02, 2008

Xiii... Deu branco!

 

O enfrentamento das provas dos vestibulares mais concorridos do país talvez seja o primeiro grande desafio profissional dos jovens. É fácil mensurarmos esse desafio: a conquista de uma vaga em uma universidade pública no curso de medicina, por exemplo, significa obter um prêmio de cerca de R$ 225.000,00 – preço médio que o aluno pagaria pelo curso em uma universidade particular. Um candidato que não apresentar um grau de excelência nos quesitos técnico (conhecimento do conteúdo programático) e psicológico (administrar a ansiedade no momento da prova) terá sérias dificuldades para obtenção de êxito. Nesse espaço, estou preocupado com o equilíbrio psicológico. Por que tanta gente “derrapa” no momento da prova? O que faz com que candidatos capacitados em termos de conhecimento fiquem tão nervosos que não consigam reverter em pontos o que sabem – têm brancos e sensações físicas como: taquicardia, suor excessivo, tremores, entre outros?
Inicio a reflexão sobre isso com um pensamento:

“Os homens são perturbados não pelas coisas em si, mas pelo que pensam sobre elas”. (Epitectus, 70 a.C.)

Exatamente isso. São os pensamentos que contam. Sempre que você experimenta um estado de ansiedade intensa, existem pensamentos que definem e fortalecem esse estado. Alguns leitores podem estar questionando se é possível os pensamentos produzirem as reações físicas observadas durante o nervosismo. Não é difícil comprovarmos isso: imagine um limão bem suculento. Agora, mentalmente corte esse limão, pegue uma das metades e esprema-a em sua boca. Se você fez esse exercício com concentração, provavelmente salivou. Isso comprova que os pensamentos produzem reações físicas. Mas como isso pode ocorrer durante a prova? Observe:

batimento cardíaco um pouco aumentado
(reação física)

estou ficando nervoso
(pensamento)

respiração superficial e aceleração dos batimentos cardíacos
(reações físicas)

não estou me lembrando de nada, não vou conseguir
(pensamento)

respiração mais superficial e menos oxigênio para o cérebro
(reações físicas)

eu sabia que ia ficar nervoso, me deu branco!
(pensamento)

Observe que uma seqüência de pensamentos intensificou as reações físicas e culminou no famoso branco. Mas como impedir que isso aconteça? É importante que você identifique o que está pensando e verifique a veracidade dos seus pensamentos antes de agir:

batimento cardíaco um pouco aumentado
(reação física)

estou ficando nervoso
(pensamento)

é perfeitamente comum ficar um pouco nervoso no início de uma prova. Tenho certeza de que quem está levando essa prova a sério também está nervoso.
(pensamento compensador)

.............

não estou me lembrando de nada, não vou conseguir
(pensamento)

é impossível se lembrar de tudo. Não me lembrar de alguns assuntos não quer dizer que eu não vou conseguir. Vou dar o máximo de mim.
(pensamento compensador)

Estar vigilante aos pensamentos e considerar o maior número possível de ângulos de um determinado problema pode levar a pessoa a novas conclusões e desfechos. É importante ter em mente que:

  • se para ter paz, você precisa da certeza de que irá passar, então você nunca terá paz, pois essa certeza é impossível;

  • se para ter paz, você precisa lembrar-se de tudo, então você jamais terá paz, pois é impossível se lembrar de tudo;

  • se para ter paz, você acredita ser necessário dar tudo certo no dia da prova, então você não terá paz. É perfeitamente possível que algo dê errado sem que isso o prejudique a ponto de impedir a conquista de sua vaga.

Embora a identificação e a modificação dos pensamentos sejam um ponto central para a diminuição da ansiedade, colocá-las em prática exige treino e vigilância. Treine bastante e boas provas!

Celso Lopes de Souza

  • Médico formado pela Escola Paulista de Medicina (UNIFESP).

  • Membro do grupo de estudos de TDAH (Transtorno do Déficit da Atenção/ Hiperatividade) da UNIAD/UNIFESP.

  • Ministra palestras na área de psiquiatria – incluindo o tabagismo.
  • Autor de artigos técnicos sobre os mecanismos cerebrais de dependência da nicotina, além de dirigir uma clínica antitabagista.
  • Autor do livro
    A Última Tragada, publicado pela editora HARBRA.

segunda-feira, novembro 24, 2008

Grandes expectativas: o que é possível esperar de Obama?

TARIQ ALI

 

O significado histórico da eleição de Obama não deve ser subestimado. Basta lembrar que ocorreu em um país onde a Ku-Klux-Klan chegou a ter milhões de membros capazes de executar uma campanha de terror e morte contra cidadãos negros com o apoio de um sistema jurídico discriminatório. É um momento horroroso para ser eleito presidente, mas também é um desafio. Que tipo de mudanças podemos esperar com Obama que assume um país em processo de desindustrialização e fortemente dependente das finanças globais?

Tariq Ali - Sin Permiso

A vitória de Barack Obama supõe uma mudança geracional e sociológica decisiva na política dos Estados Unidos. É difícil, nestes momentos, predizer seu impacto, mas as expectativas suscitadas entre a gente jovem que impulsionou Obama seguem sendo grandes. Talvez não tenha sido uma vitória arrasadora, mas foi suficientemente ampla para permitir que os democratas ficassem com mais de 50% do eleitorado (62,4 milhões de votantes) e colocassem uma família negra na Casa Branca.
O significado histórico deste fato não deveria ser subestimado. Basta lembrar o que ocorreu no país em que a Ku-Klux-Klan chegou a ter milhões de membros capazes de executar uma campanha de terror e morte contra cidadãos negros com o apoio de um sistema jurídico discriminatório. Como esquecer aquelas fotos de afroamericanos linchados diante do olhar complacente de famílias brancas que desfrutavam seus piqueniques enquanto contemplavam – para dizê-lo na voz memorável de Billie Holliday – “corpos negros balançando-se com a brisa do sul, um fruto estanho pendurado nos álamos”?
Mais tarde, as lutas dos anos 60 pelos direitos civis forçaram a reversão da segregação e impulsionaram as campanhas a favor do voto negro, mas também conduziram ao assassinato de Martin Luther King e de Malcom X ( justo quando este começava a insistir na unidade dos brancos e negros contra um sistema que oprimia a ambos). Tornou-se um lugar comum assinalar que Obama não faz parte desta lista. Não é assim, contudo, como mostram os 96% de afroamericanos que saíram de casa para votar nele. Pode ser que se desiludam, mas por enquanto celebram a vitória e ninguém pode culpá-los por isso.
Há apenas duas décadas, Bill Clinton advertia seu rival, o progressista governador de Nova York, Mario Cuomo, que os Estados Unidos não estavam preparados para eleger a um presidente cujo nome acabasse em “o” ou em “i”. Há apenas alguns meses, os Clinton cediam abertamente ao racismo insistindo que os votantes da classe trabalhadora rechaçariam a Obama, lembrando aos democratas que Jesse Jackson também tinha ido bem nas primárias. Uma nova geração de eleitores demonstrou que eles estavam equivocados: cerca de 66% dos que tinham entre 18 e 29 anos, ou seja, 18% do eleitorado, votou por Obama; 52% dos que tinham entre 30 e 44 – uns 37% do eleitorado – fez o mesmo.
A crise do capitalismo desregulado e de livre mercado fez disparar os apoios a Obama em estados até então considerados território republicano ou de democratas brancos, acelerando o processo que derrotaria a dupla Bush/Cheney e seu bando de neo-cons. No entanto, o fato de que a dupla McCain/Palin obteve, apesar de tudo, 55 milhões de votos, é uma lembrança da força que a direita estadunidense ainda conserva. Os Clinton, Joe Biden, Nancy Pelosi e muitos outros pesos pesados do Partido Democrata utilizaram este dado para pressionar Obama a fim de que ele permanecesse fiel ao roteiro que lhe permitiu ganhar a eleição. Não obstante, os slogans bem-intencionados e anódinos não serão suficientes para garantir um segundo mandato. A crise avançou demasiado e as questões que preocupam aos cidadãos estadunidenses (como pude comprovar estando lá, há algumas semanas) têm a ver com o emprego, a saúde (40 milhões de cidadãos sem seguro de saúde) e a habitação.
Só com retórica não é possível enfrentar a queda da economia: as dívidas do setor financeiro superam a casa de um trilhão de dólares e ainda ameaçam gigantes bancários; o declínio da indústria automobilística gerará desemprego em uma escala mais ampla e seguirão os efeitos do salto ao vazio ao qual Wall Street hipotecou as futuras gerações de norte-americanos. As medidas adotadas, em meio ao pânico, pela administração Bush, medidas desenhadas e adotados pelo amigo dos banqueiros e secretário do Tesouro Paulson, privilegiaram uns poucos bancos e foram subsidiadas com fundos públicos.
Os democratas e Obama apoiaram os acordos e será difícil para eles desdizer-se e mover-se em outra direção. O aprofundamento da crise, no entanto, pode forçá-los a fazê-lo. As medidas de austeridade sempre atingem aos menos privilegiados, e a maneira como o novo presidente e sua equipe enfrentarão o novo cenário será determinante para seu futuro.
É um momento horroroso para ser eleito presidente, mas também é um desafio. Franklin Roosevelt aceitou esse desafio nos anos 30 e impôs um regime social-democrata de regulação da economia, baseado em empregos públicos e em um apelo imaginativo à cultura popular. A existência de um forte movimento operário e a esquerda estadunidense contribuíram decisivamente para o surgimento do New Deal. E a existência dos Reagan-Clinto-Bush para liquidar seu legado. O que há agora, portanto,é uma economia nova, um país desindustrializado e fortemente dependente das finanças globais.
Terá Obama a visão ou a força para voltar ao tempo e avançar ao mesmo tempo? Em matéria de política externa, a posição de Obama/Biden não diferiu muito da de Bush ou Mc Cain. Um New Deal para o resto do mundo exigiria uma saída rápida do Iraque e Afeganistão e um ponto final a estas aventuras em qualquer outra região do planeta. Biden, praticamente, se comprometeu com a balcanização do Iraque. Mas esta alternativa resulta cada vez mais improvável: o resto do país, o Irã e a Turquia se opõem, se bem que por razões diferentes, à criação de um protetorado norte-americano-israelense no norte do Iraque com bases permanentes dos EUA. Na verdade, alguém deveria aconselhar Obama a anunciar uma retirada rápida e completa. Sobretudo levando em conta que, com a crise, os custos de permanecer no Iraque tornaram-se proibitivos.
O mesmo se pode dizer de um eventual deslocamento de tropas do Iraque para o Afeganistão: só recriaria o mesmo problema em outro lugar. Como numerosos especialistas em inteligência, militares e diplomatas britânicos advertiram, a guerra no sul da Ásia está perdida. Sem dúvida, Washington está consciente disso. Daí as negociações, propiciadas pelo medo, com os neo-talibãs. Só resta esperar que os conselheiros de Obama em matéria de política externa forcem uma retirada também nesta frente.
E o que dizer da América do Sul? Seguramente Obama deveria imitar a viagem de Nixon a Beijing, voar a Havana e acabar com o bloqueio diplomático e econômico a Cuba. Inclusive Colin Powell deu-se conta de que o regime havia feito muito por sua gente. Será difícil para Obama predicar as virtudes do livre mercado, mas, em troca, os cubanos poderiam ajudá-lo a estabelecer um sistema de saúde decente nos EUA. Essa é uma mudança que a maioria dos estadunidenses desejaria. Outros países da América do Sul que previram a crise do capitalismo neoliberal e começaram a reconstruir suas economias há uma década também poderiam oferecer algumas lições.
Se a mudança acabar em nenhuma mudança, então poderá ocorrer que, passados alguns anos, quem apoiou Obama para a Casa Branca decida que a criação de um partido progressista nos Estados Unidos tornou-se uma necessidade.
Tariq Ali é membro do conselho editorial de Sin Permiso. Seu último livro publicado é “The Duel: Pakistan on the Flight Path of American Power”.
Tradução: Katarina Peixoto

terça-feira, novembro 11, 2008

O declínio da hegemonia dos EUA e os desafios para um projeto de esquerda

MONIZ BANDEIRA

O declínio da hegemonia dos EUA e os desafios para um projeto de esquerda

A hegemonia dos EUA na América Latina se desvanece como decorrência do fracasso das ditaduras militares e das políticas neoliberais aplicadas por governos democráticos. O neoliberalismo desmoralizou-se, o Estado voltou assumir função de organização do sistema produtivo. Mas a esquerda segue sem uma plataforma. "Grande parte da esquerda, sem conhecer o pensamento de Marx, continua a pensar conforme os parâmetros gerados ao tempo de Stalin", avalia o cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira.

Redação - Carta Maior

Data: 03/11/2008

Ganhe quem ganhar as eleições desta terça-feira, o novo presidente dos EUA tomará posse em 20 de janeiro de 2009, em meio a uma crise mundial que alguns avaliam como igual, ou pior que a de 1929. Daquela emergiu a liderança transformadora de Franklin Roosevelt nos EUA; mas também houve Hitler, na Alemanha e ambos se viabilizaram através de uma Guerra Mundial.
A única certeza, desta vez, é que não será uma simples troca de guarda no trono do império. Os EUA constituem o epicentro de um colapso que marca o fim da supremacia dos mercados financeiros desregulados em todo o planeta. A implosão dessa engrenagem liberou massas de instabilidade descomunais. Dia a dia sua propagação avança em movimentos assimétricos, sem que se possa antever ainda, com toda clareza, qual será a real extensão dos abalos econômicos, bem como os desdobramentos políticos que ela trará.
Um marcador inaugural do ciclo que agora se fecha poderia ser 11 de setembro de 1973.
O local, o Chile, de Salvador Allende. A parteira da história: as baionetas, metralhadoras e caças aéreos mobilizados para atacar La Moneda, o palácio presidencial onde o médico socialista Salvador Allende morreria. Pelas mãos da Junta militar liderada pelo General Augusto Pinochet, o neoliberalismo radical de Hayek e Friedman deixaria os laboratórios de economia de Chicago para voltar à história. O ensaio chileno antecederia em quase uma década as políticas consagradas pelo Consenso de Washington que agora desabam ruidosamente.
Depois de um ciclo que começou em sangue, e termina agora em desastre econômico planetário, qual será o passo seguinte da história? Que lições o passado oferece ao futuro para evitar a repetição de erros, ilusões e tragédias? Em que medida a crise amplia ou restringe o espaço de autonomia política dos povos latino-americanos? Até que ponto ela enfraquece a capacidade de intervenção norte-americana, inviabilizando novos golpes e ações violentas como a que derrubou Allende? Quais os trunfos, e limites, para um avanço das agendas progressistas na região?
Para responder a essas e outras urgências, Carta Maior entrevistou o cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira. Professor titular de História da Política Exterior do Brasil na Universidade de Brasília (UnB), hoje aposentado, Moniz Bandeira é autor de mais de 20 livros que o credenciam como uma voz obrigatória nesse momento. O título de sua obra mais recente, lançada simultaneamente no Brasil e no Chile, sintetiza essa pertinência: “Fórmula para o caos – A derrubada de Salvador Allende (1970-1973)”.
Da Alemanha onde mora há treze anos, tendo sido professor visitante nas Universidades de Heidelberg e Colônia, Moniz Bandeira respondeu por email às perguntas de Carta Maior. Suas palavras estão marcadas pela ênfase nas diferenças entre a América Latina de Allende e a atual de Lula, Chávez e Morales. Ainda que anteveja um declínio do intervencionismo norte-americano, por conta da crise em marcha, o cientista lembra que a CIA não deixou de operar na região. Ele não vê risco de a crise enfraquecer as lideranças regionais, transformando-as potencialmente em novos “Allendes”, mas insiste que não há espaço para erros de avaliação estratégica. A natureza e a extensão das transformações regionais, no seu entender, obedece a limites impostos pelo grau de desenvolvimento do capitalismo na realidade latino-americana.
A seguir entrevista de Moniz Bandeira à Carta Maior:
De Martí a Fidel
Carta Maior - O título do seu livro mais recente, “Fórmula para o Caos – A derrubada de Salvador Allende, 1970 1973”, sinaliza desde logo a interferência de forças desestabilizadoras na trajetória das lutas sociais na América Latina. Mas sua análise tampouco hesita em apontar equívocos nos projetos abraçados pelos partidos e organizações progressistas da região. Poderia ter sido diferente no Chile, se a esquerda tivesse conduzido o processo com maior flexibilidade política?
Moniz Bandeira – No prefácio à sua obra "Crítica à Economia Política" (Zur Kritik der Politschen Ökonomie), Karl Marx sustentou, como conclusão de suas pesquisas, que uma formação social nunca desmorona sem que as forças produtivas dentro dela estejam suficientemente desenvolvidas, e que as novas relações de produção superiores jamais aparecem, antes de que as condições materiais de sua existência sejam incubadas nas entranhas da própria sociedade antiga. Este não era o caso do Chile, um país economicamente muito mais atrasado que o Brasil, inserido no mercado mundial capitalista, do qual pesadamente dependia para suas exportações de cobre e até mesmo para a importação de alimentos. E Marx jamais concebeu o socialismo como via de desenvolvimento ou modelo alternativo para o capitalismo, senão como conseqüência da expansão das forças produtivas do capitalismo.
O próprio Lenin acentuou, por volta de 1905, que o proletariado russo sofria mais por causa do atraso do capitalismo do que pelo seu desenvolvimento. E a Rússia possuía um parque industrial, com 4 milhões de operários, quando correu a revolução de 1917. Não obstante, o presidente Salvador Allende tentou mudar o modo de produção no Chile, isto é, implantar o socialismo em um país imensamente mais atrasado que a Rússia em 1917, sem que houvesse condições econômicas e sociais, bem como condições externas, alinhando-se com Cuba e a União Soviética, dentro do contexto da Guerra Fria. No meu livro "Fórmula para o Caos" analiso todos esses problemas, tanto do ponto de vista teórico quanto empírico, com base nos documentos da época.
CM - Como o senhor avalia esse mesma relação no enfrentamento vivido hoje por governantes progressistas fortemente acossados por oposições conservadoras?
MB - Embora fale em “socialismo do século XXI”, “revolução bolivariana”, conceitos que nunca definiu nem explicou do que se trata, Chávez não está tentando mudar o modo de produção capitalista na Venezuela, de modo radical como o fez Salvador Allende, que tinha um programa elaborado e sobre o qual a Unidade Popular se constituíra. Chávez apenas estatizou algumas empresas, mediante pagamento de indenizações, o que também fez Morales, na Bolívia. Este não é o caso da Argentina, onde a presidente Cristina Kirchner não tomou qualquer medida radical, atingindo empresas de outros países, ainda que indenizando-as. O que ela busca, com uma política nacionalista e em concertação com o Brasil, é restaurar o parque industrial destruído pelas políticas neoliberais da ditadura militar e do governo do presidente Carlos Meném. E a situação internacional é outra.
Naturalmente, Chávez e Morales estão enfrentando sérias dificuldades internas e externas. Mantém-se no governo porque os Estados Unidos cada vez mais perdem influência na região, sobretudo depois do fracasso das ditaduras militares e das políticas neoliberais dos anos 1990, e também porque no Brasil o presidente que está no governo é Lula. A posição do Brasil, inclusive de suas Forças Armadas, mudou muito desde o fim do regime militar. E, justiça seja feita, o presidente Fernando Henrique Cardoso também se opôs ao golpe empresarial militar que os Estados Unidos encorajaram contra o governo de Chávez, em abril de 2002.
“O poder intervencionista dos Estados Unidos na América Latina já se reduziu e tende a reduzir-se cada vez mais, em virtude de sua crise financeira. Isto não significa, porém, que a CIA deixe de operar na região.”
Moniz Bandeira com Miterrand
CM - Em que medida o componente novo da integração sul-americana (ainda que engatinhe em fraldas) amplia a margem de manobra dos governantes hoje, em relação ao isolamento vivido por Allende nos anos 70? O golpe contra Allende seria viável nas condições atuais da geopolítica sul-americana?
MB – A integração sul-americana não engatinha em fraldas. Toda integração é demorada e se processa em meio a contradições e divergências, como, por exemplo, ainda existem dentro da União Européia. Mas o golpe contra Allende seria viável, mesmo atualmente, porque o esforço de socialização, com a estatização acelerada de empresas e a ocupação de terras como aconteceu no Chile, um país relativamente atrasado, o que ainda é, desorganizaria todo o aparelho produtivo e ele não teria condições de sustentar-se no governo. Porém, um golpe militar, com a implantação de uma ditadura, como aconteceu em 1973, é que decerto não ocorreria, dados os acertos internacionais, que instituíram a Cláusula Democrática, na Carta da OEA, aprovada em 2001.
Esta cláusula foi argüida pelo Brasil para impedir o reconhecimento do golpe contra Chávez, em 2002, isolando os Estados Unidos, que terminaram capitulando. Quanto a Chávez e Morales, ao contrário de Salvador Allende e da Unidade Popular, eles não têm nenhum projeto definido, visando à mudança do modo de produção, e ainda assim as iniciativas que tomam defrontam-se com enorme resistência interna, tanto na Venezuela quanto na Bolívia. Ambos os países estão politicamente fraturados e não se pode dizer que a situação, sobretudo na Bolívia, seja estável.
CM - Alguns analistas avaliam que a formação de um colar de governos progressistas na América Latina não resultaria especialmente de avanços na organização política da região. Antes, refletiria a incorporação de uma “gordura de liquidez externa” que deu margem à acomodação dos conflitos de classe. Em tese, algo com o que Allende, por exemplo, não pode contar. O senhor vê consistência nessa avaliação?
MB - Não se pode comparar, em nenhuma hipótese, a experiência do Chile, com o que atualmente ocorre na América do Sul, onde alguns líderes de esquerda, como na Venezuela e na Bolívia, assumiram o governo. A Guerra Fria, de caráter ideológico, acabou com o desmoronamento da União Soviética e de todo o Bloco Socialista. A conjuntura histórica é muito diversa e a hegemonia dos Estados Unidos se desvanece como decorrência, em larga medida, do fracasso das ditaduras militares e das políticas neoliberais do Consenso de Washington, aplicadas por governos democráticos.
O declínio dessa hegemonia foi acentuado pelo colapso financeiro de Wall Street. A eleição dos governos chamados progressistas resulta de vários e complexos fatores, tanto domésticos quanto internacionais, e reflete o fato de que os Estados Unidos não são mais uma estrela de primeira grandeza, como o eram nos anos 1950 e 1960.
“O bombardeio midiático continua. As agências de notícias e as redes de televisão compõem o aparelho ideológico de que os Estados Unidos se valem para manter seu domínio na América Latina.”
CM - Em que medida a mudança no cenário econômico mundial, poderá implodir o ensaio de “estabilidade” progressista na geopolítica da região: assim como os conservadores de Washington dizem “agora somos todos keynesianos”, o destino dos governantes progressistas na América do Sul será dizer “agora somos todos Allendes”?
MB – A explosão da bolha financeira estava prevista há muito tempo. A alta do preço do petróleo, bem como a valorização do euro evidenciavam a profunda crise que solapa a economia americana. No prefácio à segunda edição de meu livro "Formação do Império Americano", lançada em meados de 2006, escrevi que “a bolha financeira dos Estados Unidos, assim inflada, vai estourar, mais dia menos dia”. De fato, em 2007, explodiu, quando, no 1º semestre do ano, grandes corretoras, como Merrill Lynch e Lehman Brothers, suspenderam a venda de colaterais e, em julho do mesmo ano, bancos europeus registraram prejuízos com contratos baseados em hipotecas sub-prime. Foi a inadimplência de devedores hipotecários que detonou o colapso financeiro, atingindo empréstimos de empresas, cartões de crédito, etc.
A atual valorização (do dólar) se deve ao fato de que as corporações multinacionais estão vendendo suas posições nas bolsas de valores, seus ativos no exterior, a fim de remeter dólares para cobrir os buracos nas suas matrizes, seja nos Estados Unidos ou na Europa. A partir de outubro, parte substancial dos recursos, que entrou nos Estados Unidos, proveio do socorro por fundos soberanos da Ásia e do Oriente Médio, que adquirem títulos conversíveis em ações de bancos americanos, como o Citigroup, cujas ações ordinárias foram compradas pelo fundo soberano de Abu Dhabi por US$ 7,5 bilhões. Também foram incrementadas as operações de resgate por parte dos bancos centrais para evitar que os bancos pusessem à venda ativos podres, o que precipitaria a débâcle.
Se todos os conservadores de Washington dizem “agora somos todos keynesianos, i. e., passaram a reconhecer que o Estado deve ser a instância superior de comando e organização do sistema produtivo, os governantes, considerados progressistas, na América do Sul não podem dizer “agora somos todos Allendes”. Allende viveu sob o impacto da Revolução Cubana e imaginou que podia implantar o socialismo no Chile, um país economicamente dependente, e contar com o apoio da União Soviética, sem saber que ela já estava enfrentando severa crise econômica.
Na verdade, a União Soviética buscava um entendimento com o Ocidente, consulado com o Tratado Quatripartite, que resolveu a questão de Berlim e das duas Alemanhas. A época atual é outra, bem distinta da existente nos anos 1960 e 1970. Allende foi um grande homem, um idealista, que tinha um projeto bem definido. Mas é o passado de uma ilusão. E tanto Evo Morales quanto Hugo Chávez surgiram em outras circunstâncias históricas e exprimem as idiossincrasias sociais e políticas de seus respectivos países, que não são as mesmas do Chile. E, de qualquer forma, nenhum deles tentou mudar completamente o modo de produção, o que é impossível em países atrasados, isoladamente, pois estão inseridos dentro de uma economia mundial de mercado, regida pelas leis do capitalismo. O capitalismo foi o único modo de produção que teve capacidade de expandir-se mundialmente e abrange não apenas as potências industriais, mas também todos os países periféricos, em desenvolvimento ou atrasados. É necessário que a esquerda volte a ler Marx, Rosa Luxemburgo e abandone os estereótipos gerados pelo stalinismo.
“Allende foi um grande homem, um idealista, que tinha um projeto bem definido. Mas é o passado de uma ilusão.”
CM - Há risco de esfarelamento das plataformas de esquerda com retomada da hegemonia conservadora na região?
MB – O neoliberalismo desmoralizou-se, o Estado voltou assumir função de comando e organização do sistema produtivo. A crise financeira que teve seu epicentro em Wall Street renovou o interesses pelo pensamento de Marx, mas não há risco de esfarelamento das plataformas de esquerda, simplesmente porque elas não existem.
O pensamento de Marx não pode constituir, como ressaltou o grande historiador Eric Hobsbawm, uma inspiração política para a esquerda, até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, e sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista, sua instabilidade central que se manifesta por meio de crises econômicas, com dimensões políticas e sociais. A superação da sociedade capitalista por outra forma de sociedade, prevista por Marx, baseou-se não na esperança ou na vontade, mas na análise do desenvolvimento histórico, sobretudo na era capitalista.
Marx, porém, não definiu como seria esta sociedade e, como disse Hobsbawm, não pode ser responsabilizado pelas formas específicas em que as economias “socialistas” foram organizadas sob o chamado “socialismo real” que existiu na União Soviética e nos demais países do Leste Europeu. Entretanto, grande parte da esquerda, sem conhecer realmente o pensamento de Marx, continua ainda a pensar conforme os parâmetros gerados ao tempo de Stalin que, em 1928, acabou a NEP e pretendeu instituir o socialismo dentro das fronteiras nacionais da União Soviética, tratando de implementar o Plano Qüinqüenal (1928-1933), por meio de radical coletivização das terras e brutal aceleramento do processo de industrialização.
Assim, através da restrição do consumo a um mínimo intolerável, o Estado soviético apropriou-se do excedente econômico, com o qual se dispôs a criar e organizar usinas, centrais de energia elétrica, indústrias de máquinas e equipamentos, assim como de outros bens de capital. Esta acumulação primitiva de capital, em que o esforço de socialização se converteu não mais em conseqüência e sim em via de desenvolvimento, só se tornou viável mediante a socialização do terror. A partir daí, esse processo foi denominado de “construção do socialismo” e o Estado assumiu o controle de todos os meios de produção - outro tipo de capitalismo de Estado, que não era novo na Rússia, porquanto, lá, o capitalismo desde sempre existira graças somente ao poder do Estado.
“Tanto Evo Morales quanto Hugo Chávez surgiram em outras circunstâncias históricas e exprimem as idiossincrasias sociais e políticas de seus respectivos países, que não são as mesmas do Chile.”
CM - Quais seriam os trunfos acumulados pelas forças populares hoje que não se encontravam disponíveis nos anos 70 de Allende?
MB – A época em que Salvador Allende tentou implantar o socialismo no Chile, com “vino y empanadas”, é muito diversa da atual. O contexto internacional é completamente diverso do existente nos anos 1970. É preciso não esquecer que em apenas alguns meses de 1989, os regimes comunistas na Polônia, Hungria, Tchecoslováquia, Bulgária e Romênia desmoronaram, como pedras de um dominó, em rápida e surpreendente sucessão. Os Estados do Báltico (Lituânia, Letônia e Estónia), que integravam a União Soviética, declararam sua independência.
O Muro de Berlim, monumento da Guerra Fria, do conflito Leste-Oeste mundial, esbarrondou-se, o que possibilitou a reunificação da Alemanha, em 3 de outubro de 1990. A confrontação de poder bipolar, marcada pelo antagonismo ideológico, político e militar, desvaneceu-se, e a própria União Soviética, em 1991, desintegrou-se, confirmando a previsão feita em 1935 por Leon Trotsky, segundo a qual, se não houvesse uma revolução política e não fosse restabelecida a democracia, com plena liberdade dos sindicatos e dos partidos políticos, a restauração da propriedade privada dos meios de produção tornar-se-ia inevitável e a nova classe possuidora, para as quais as condições estavam criadas, encontraria seus servidores entre os burocratas, técnicos e dirigentes, em geral, do Partido Comunista.
A expansão do capitalismo, para a qual as fronteiras do Leste Europeu se reabriram, voltará ao ponto em que fora atalhada, prematuramente, pela tentativa de implantação do socialismo em uma Rússia atrasada. Nela, a renda pública per capita era oito a dez vezes inferior à dos Estados Unidos, com baixa produtividade do trabalho, devido ao pequeno peso específico da indústria na sua economia.
“Allende imaginou que podia implantar o socialismo no Chile, um país economicamente dependente, e contar com o apoio da União Soviética, sem saber que ela já estava a enfrentar severa crise econômica.”
CM - O senhor acredita que a crise financeira, que tem requerido recursos e energias equivalentes a uma demanda de guerra, enfraquecerá o poder intervencionista dos Estados Unidos na AL nos próximos anos? Não era essa a impressão até setembro, pelo menos no caso da Bolívia, quando o presidente Evo Morales expulsou o embaixador norte-americano, Phillip Goldberg, acusando-o de articular as forças separatista de Santa Cruz de La Sierra.
MB – O poder intervencionista dos Estados Unidos na América Latina já se reduziu e tende a reduzir-se cada vez mais, em virtude de sua crise financeira. Isto não significa, porém, que a CIA deixe de operar na região ou o Pentágono retire as bases que possui no Peru, Colômbia e Guiana. O que ocorreu na Bolívia, que levou o presidente Evo Morales a expulsar o embaixador Phillip Goldberg, demonstra claramente que o poder de intervenção dos Estados Unidos está bastante enfraquecido.
“Chávez não está tentando mudar o modo de produção capitalista na Venezuela, de modo radical como o fez Salvador Allende, que tinha um programa elaborado e sobre o qual a Unidade Popular se constituíra”.
CM - Que componentes da “fórmula para o caos”, acionados contra Allende em 1973, continuariam presentes na movimentação oposicionista no continente? O bombardeio midiático seria um deles?
MBO bombardeio midiático continua. As agências de notícias e as redes de televisão compõem o aparelho ideológico de que os Estados Unidos se valem para manter seu domínio na América Latina e demonizar todos os que a ele se opõe. E é preciso ressaltar que também a subsecretaria de Diplomacia Pública, do Departamento de Estado, está cooptando professores, jornalistas etc. para que escrevam artigos e tratem de desqualificar todos os que criticam os Estados Unidos, de modo a conter o crescente anti-americanismo que se manifesta na maior parte dos países.
“O bombardeio midiático continua. As agências de notícias e as redes de televisão compõem o aparelho ideológico de que os Estados Unidos se valem para manter seu domínio na América Latina e demonizar todos os que a ele se opõe.”
CM - Como intelectual residente na Europa há tantos anos, que avaliação o senhor faz do impacto político da crise na dinâmica do continente?
MB – Este assunto é muito difícil de avaliar, pois a crise apenas começou e terá desdobramentos maiores, a partir dos Estados Unidos. Porém, a experiência totalitária da União Soviética marcou profundamente o espírito dos europeus e comprometeu toda a idéia de socialismo. Daí que a região, onde a direita é mais forte, onde os Estados Unidos contam com maior prestígio, é justamente o Leste Europeu, cujos povos - poloneses, tchecos, búlgaros, húngaros etc. - se ressentem até hoje do brutal domínio da União Soviética e dos partidos comunistas que implantaram, com o apoio do Exército Vermelho, as chamadas democracias populares, que não eram nem democracias nem populares.
CM - O partido da Esquerda alemão tem possibilidades de reaglutinar a sociedade com base num novo projeto mudancista?
MB – Não sei o que se pode chamar de um projeto mudancista, mas o fato é que o Partido Social-Democrata descaracterizou-se na Alemanha. E este fenômeno reflete as mudanças que ocorreram na sociedade, sobretudo na classe trabalhadora, e o enfraquecimento dos sindicatos, como força política. Isto aconteceu também na Inglaterra, França e em outros países da Europa. E a Linkepartei, o Partido da Esquerda, não tem, por enquanto, a menor possibilidade de galvanizar a sociedade para qualquer projeto, em virtude, sobretudo, do trauma provocado pelo regime existente na chamada República Democrática Alemã, cuja população lutou para integrar-se na República Federal da Alemanha, reunificando o país, em 1990. O percentual da Linkepartei está em torno de 12% a 13%, porque dispõe de maior apoio no Leste. Mas no que era a Alemanha Ocidental seu suporte é muito reduzido. Creio que está entre 4% e 5%, embora este possa a crescer, dependendo da evolução da crise. Mas a longo prazo.
“É bom recordar que, segundo Marx e Engels, quando o Estado intervém na economia, não debilita, antes fortalece a propriedade privada, o capitalismo.”
CM - O keynesianismo de Brown e Sarkozy deve ser levados a sério?
MB – As medidas consideradas keynesianas de Brown e Sarkozy foram determinadas pela necessidade, em face da crise financeira. É bom recordar que, segundo Marx e Engels, quando o Estado intervém na economia, não debilita, antes fortalece a propriedade privada, o capitalismo. E os velhos esquemas ideológicos não mais funcionam na Europa, porque não se renovaram, não acompanharam as mudanças ocorridas na sociedade. Grande parte da esquerda ainda imagina um proletariado que não mais existe na realidade, que não é mais o mesmo que nos tempos de Marx ou no início do século XX.

Barack Obama, primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos, concretizará o sonho de Martin Luther King ou o pesadelo de Condoleezza Rice?

Oxalá!

Barack Obama, primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos, concretizará o sonho de Martin Luther King ou o pesadelo de Condoleezza Rice? Esta Casa Branca, que agora é sua casa, foi construída por escravos negros. Oxalá ele não se esqueça disso, nunca.

Eduardo Galeano

Obama provará no governo que suas ameaças de guerra contra o Irã e o Paquistão não foram mais do que palavras, proclamadas para seduzir ouvidos difíceis durante a campanha eleitoral?
Oxalá. E Oxalá não caia por nenhum momento na tentação de repetir as façanhas de George W. Bush. Ao fim e ao cabo, Obama teve a dignidade de votar contra a guerra do Iraque, enquanto o Partido Democrata e o Partido Republicano ovacionavam o anúncio dessa carnificina.
Durante sua campanha, a palavra “leadership” foi a mais repetida nos discursos de Obama. Durante seu governo, continuará crendo que seu país foi escolhido para salvar o mundo, tóxica idéia que compartilha com quase todos seus colegas? Seguirá insistindo na liderança mundial dos Estados Unidos e na sua messiânica missão de mando?
Oxalá esta crise atual, que está sacudindo os cimentos imperiais, sirva ao menos para dar um banho de realismo e de humildade a este governo que começa.
Obama aceitará que o racismo seja normal quando exercido contra os países que seu país invade? Não é racismo contar um por um os mortos dos invasores no Iraque e ignorar olimpicamente os muitíssimos mortos entre a população invadida? Não é racista este mundo onde há cidadãos de primeira, segunda e terceira categoria, e mortos de primeira, segunda e terceira?
A vitória de Obama foi universalmente celebrada como uma batalha ganha contra o racismo. Oxalá ele assuma, a partir de seus atos de governo, esta formosa responsabilidade.
O governo de Obama confirmará, uma vez mais, que o Partido Democrata e o Partido Republicano são dois nomes de um mesmo partido?
Oxalá a vontade de mudança, que estas eleições consagraram, seja mais do que uma promessa e mais que uma esperança. Oxalá o novo governo tenha a coragem de romper com essa tradição de partido único, disfarçado de dois partidos, que, na hora da verdade, fazem mais ou menos o mesmo ainda que simulem uma disputa entre eles.
Obama cumprirá sua promessa de fechar a sinistra prisão de Guantánamo? Oxalá, e Oxalá acabe com o sinistro bloqueio a Cuba.
Obama seguirá acreditando que está certo que um muro evite que os mexicanos atravessem a fronteira, enquanto o dinheiro passa livremente sem que ninguém lhe peça passaporte?
Durante a campanha eleitoral, Obama nunca enfrentou com franqueza o tema da imigração. Oxalá a partir de agora, quando já não corre o risco de espantar votos, possa e queira acabar com esse muro, muito maior e vergonhoso que o Muro de Berlim, e com todos os muros que violam o direito à livre circulação das pessoas.
Obama, que com tanto entusiasmo apoiou o recente presente de 750 bilhões de dólares aos banqueiros, governará, como é costume, para socializar as perdas e para privatizar os lucros. Temo que sim, mas oxalá que não.
Obama firmará e cumprirá o protocolo de Kyoto, ou seguirá outorgando o privilégio da impunidade à nação mais envenenadora do planeta? Governará para os automóveis ou para as pessoas? Poderá mudar o rumo assassino de um modo de vida de poucos no qual se rifam o destino de todos?
Temo que não, mas Oxalá que sim.
Obama, primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos, concretizará o sonho de Martin Luther King ou o pesadelo de Condoleezza Rice? Esta Casa Branca, que agora é sua casa, foi construída por escravos negros. Oxalá ele não se esqueça disso, nunca.
Publicado originalmente no jornal Página 12.
Tradução: Katarina Peixoto Agência Carta Maior

“O crash atual representa o acidente integral por natureza”

PAUL VIRILIO

 

Há trinta anos o filósofo Paul Virilio analisa as catástrofes como a conseqüência inelutável do progresso técnico. Ele vê na crise financeira o exemplo mais acabado de sua tese, na qual as vítimas não são mais os mortos, mas os milhares de desabrigados que perdem suas casas.

Gérard Courtois e Michel Guerrin - Le Monde

Data: 19/10/2008

Há trinta anos o filósofo Paul Virilio analisa as catástrofes como a conseqüência inelutável do progresso técnico. Ele vê na crise financeira o exemplo mais acabado de sua tese, na qual as vítimas não são mais os mortos, mas os milhares de desabrigados que perdem suas casas. Em entrevista ao jornal francês "Le Monde", Virilio diz que "nossas proezas técnicas são grandes promessas catastróficas".
(Entrevista do urbanista e filósofo francês Paul Virilio, concedida a Gérard Courtois e Michel Guerrin, e publicada no Le Monde de 18 de outubro de 2008)
Em 2002, sob o título “O que acontece”, você apresentou à Fundação Cartier uma exposição sobre o acidente na história contemporânea: Chernobyl, 11 de setembro, tsunami...Uma fórmula de Hannah Arendt guiava sua demonstração: “O progresso e a catástrofe são as duas faces de uma mesma moeda”. Com o crash das bolsas, onde estamos?
Paul Virilio: De fato, em 1979, no momento do acidente da central nuclear de Three Mile Island, nos EUA, eu evoquei um “acidente original” - desses que nós mesmos fabricamos. Eu dizia que nossas proezas técnicas são grandes promessas catastróficas. Antes, os acidentes eram locais. Com Chernobyl, passamos aos acidentes globais, às conseqüências inscritas na duração. O crash atual representa o acidente integral por excelência. Seus efeitos se difundem ao longe, e ele integra a representação dos outros acidentes.
Faz trinta anos que se produz o impasse sobre o fenômeno de aceleração da História e que essa aceleração é a fonte de multiplicação dos grandes acidentes. “A acumulação põe fim à impressão de acaso”, dizia Freud a propósito da morte. Sua palavra-chave aqui é acaso. Esses acidentes não são casuais. Nos satisfazemos neste momento em estudar o crash das bolsas sob o ângulo econômico ou político, com suas conseqüências sociais. Mas não se pode compreender o que se passa se não se põe sob investigação uma economia política da velocidade, gerada pelo progresso das técnicas, e se não a relaciona ao caráter acidental da História.
Vamos dar só um exemplo: dizemos que tempo é dinheiro. Eu acrescento que a velocidade – a Bolsa o prova -, é o poder. Nós passamos de uma aceleração da História a uma aceleração do real. É isso o progresso. O progresso é um sacrifício consentido.
Não estudamos os acidentes suficientemente?
Paul Virilio: A historiografia dominante se limita a analisar os fatos de longa duração. Eu defendo, ao contrário, uma história acidental, feita unicamente de rupturas. O historiador François Hartog fala do “presentismo” dominante. É preciso ir além. Nós vivemos no “instantaneísmo”.
Para compreender os acidentes, é preciso estudá-los, mas também os expor. O acidente é uma invenção, um trabalho criativo. Quem, melhor que os artistas, poder fazer sentir a dimensão trágica do progresso? Daí a exposição “O que acontece” - nela eu abordava o crash da bolsa -, que prefigurava um museu ou um observatório dos grandes acidentes a que chamo de meus votos. Não para causar medo, mas para enfrentar.
Como definir, para além de seu aspecto de surpresa, o acidente das bolsas?
Paul Virilio: Como para todo acontecimento contemporâneo, é preciso levar em conta uma série de sincronizações em nível mundial. Sincronizações de hábitos, de costumes, de maneiras de reagir, mas também das emoções. Passamos de um comunismo de classe a uma mundialização instantânea e simultânea dos afetos e dos medos – e não mais das opiniões. Foi o caso do World Trade Center ou com o tsunami.
Com este crash da bolsa é a mesma coisa. Depois de uma curta fase técnica – quebra de bancos, queda de preços -, passamos a um período de “histericização” exagerada das reações. Fala-se de “loucura dos mercados”, de reações “irracionais”, quase de fascinação pelo fim do mundo. Os terroristas compreenderam muito bem esse fenômeno e jogam com ele.
Você crê como certo que o capitalismo se aproxima do seu fim?
Paul Virilio: Penso antes que é o fim que se aproxima do capitalismo. Eu sou urbanista. O crash mostra que a terra é pequena demais para o progresso, para a velocidade da História. Daí a repetição dos acidentes. Nós vivemos com a convicção de que temos um passado e um futuro. Ora, o passado não passa; ele se tornou monstruoso, ao ponto em que não o tomamos mais como referência. Quanto ao futuro, ele é limitado pela questão ecológica, o fim programado dos recursos naturais, com o petróleo. Resta, portanto, o presente a habitar. Mas o escritor Octavio Paz dizia: “O instante é inabitável, como o futuro”. Nós estamos vivendo isso, inclusive os banqueiros.
É aqui e agora que isso está em jogo. Um novo aspecto se criou. Não é a finitude que é triste, é a realidade. É preciso aceitá-la. O crash nos ensina que é preciso vivê-lo na sua grandeza própria, num mundo acabado. Nós temos uma obrigação de inteligência de fazer isso.
A finança não inventou um mundo virtual?
Paul Virilio: A velocidade fazia com que se ganhasse dinheiro, a finança quis impor o valor-tempo ao valor-espaço. Mas o virtual também faz parte da realidade. E além do mais, o soi-disant mundo virtual, no qual se pode englobar paraísos fiscais, é o do exotismo, que eu assimilo ao do colonialismo; é o mito de um outro planeta habitável.
À diferença dos outros acidentes, o crash da bolsa permanece hermético à maioria do público. Isso é grave?
Paul Virilio: Não compreendemos, mas intuímos e isso é suficiente. É preciso intuir o que acontece. Evidentemente, a incompreensão reforça o medo. Mas, ao mesmo tempo, não temos mais tempo de ter medo. O mais inquietante é a aparição de uma dissuasão civil, individual, íntima, que ganha todos os domínios da vida. Somos dissuadidos de fazer tal ou tal coisa como indivíduos. Desde o 11 de Setembro fomos tomados por um medo civil, em função da industrialização do acidente. Para verificar a solidez dos automóveis, efetuamos os testes de colisão. O crash da bolsa é um teste de colisão de natureza grandiosa. Até o divórcio se industrializa. Poderia se introduzir uma cotação nos divórcios, como para medir se o casal e a família se tornaram ilusões.
Pode-se falar de moral do crash, no sentido em que ele também pune aqueles que ganham fortunas?
Paul Virilio: Eu não sou um justiceiro. Compreendo os críticos que dizem que alguns obtiveram lucros indecentes. Eu não nego os estragos da acumulação de riquezas. Mas criticar essa aceleração dos lucros e da História, essa “avareza galopante”, como dizia Eugène Sue, permanecer no quadro materialista do lucro é uma análise redutora, insuficiente.
O que está em jogo é mais sofisticado e grave. Nós passamos por algo de uma outra natureza. Essa economia da riqueza se tornou uma economia da velocidade. É de resto o problema da esquerda. Eles aplicam os velhos esquemas, proclamam a morte do capitalismo, esperando mais justiça social. Esse diagnóstico é um pouco apressado. Temos realmente um grande bebê no colo...Se o Estado não assume a medida desse futurismo do instante, poderíamos ao contrário ver chegar um capitalismo sem limites.
Você disse que “A Airbus, ao inventar um avião de 800 lugares, criou 800 mortos potenciais”. Mas o crash das bolsas não causou mortes...
Paul Virilio: Não é a peste, não há milhões de vítimas, não é tampouco o 11 de Setembro. E não é a mortalidade que conta agora, afora alguns suicídios. As vítimas são outras. De onde parte a crise atual? Dos subprimes, das casas à venda a crédito em condições impossíveis. Do solo. As vítimas são algumas centenas de milhares de pessoas que perderam suas casas. A noção de sedentariedade já está posta em causa com os imigrantes, deportados, refugiados, o deslocamento das empresas, etc. O fenômeno vai se acentuar. Até 2040, um milhão de pessoas serão forçadas a se mudarem do lugar em que vivem. Eis aí as vítimas. Nós estamos na noção dostop/eject. Paramos e ejetamos.
Você acredita no caos?
Paul Virilio: Depois do sistema financeiro haver se destabilizado, o crash ameaça desestabilizar o Estado, a última garantia de uma vida coletiva. Neste momento ele tenta tranquilizar. Mas se a Bolsa continua a cair, é o Estado que irá à falência, e porá as nações no caos. Não se trata de catastrofismo de minha parte. Eu não acredito no pior, não acredito no caos; é absurdo, é arrogância intelectual, mas não se deve se impedir de pensar. Diante do medo absoluto, eu oponho a esperança absoluta. Churchill dizia que o otimista é alguém que vê uma oportunidade em cada calamidade.
* Paul Virilio é urbanista, filósofo, ensaísta, ex-diretor da Escola de Arquitetura de Paris, autor de A Arte do Motor, Velocidade e Política, A Bomba Informática e A Estratégia da Decepção.
Tradução: Katarina Peixoto

Depressão, uma visão de longa duração

 

 

Estamos nos movendo em direção a um mundo protecionista. Estamos nos movendo para um papel muito maior do governo na produção. Mesmo os EUA e a Grã Bretanha estão nacionalizando parcialmente os bancos e as grandes empresas moribundas. Nos dirigimos a uma distribuição conduzida pelo governo, que pode assumir modos social-democratas à centro-esquerda ou formas autoritárias de extrema direita.

Immanuel Wallerstein - La Jornada

Data: 22/10/2008

A depressão já começou. Alguns jornalistas, um tanto constrangidos, seguem perguntando aos economistas se talvez não estejamos só entrando numa mera recessão. Não creia neles nem por um minuto. Já estamos no começo de uma depressão mundial de grande envergadura com desemprego maciço em quase todas as partes. Pode assumir a forma de uma deflação nominal clássica, com todas as suas conseqüências para as pessoas comuns. É um pouco menos provável que assuma a forma de uma inflação galopante, que é somente uma outra forma de deflacionar valores, inclusive pior para as pessoas comuns.
É claro que todo mundo se pergunta o que disparou essa depressão. Serão os derivativos, que Warren Buffett chama de "armas financeiras de destruição em massa"? Ou são, por acaso, as hipotecas subprime? Ou os especuladores do petróleo? Julgar culpas não tem importância real. Isso é concentrar-se na poeira, como dizia Fernand Braudel, dos eventos de curta duração. Se quisermos entender o que está ocorrendo necessitamos lançar um olhar amplo para outras temporalidades, que são muito mais reveladoras. Um é o dos vai-e-vens cíclicos de média duração. O outro é aquele das tendências estruturais de longa duração.
A economia-mundo capitalista teve, durante vários séculos, pelo menos duas formas de vai-e-vens cíclicos. Uns são os chamados ciclos de Kondratieff, que historicamente teriam uma duração de 50-60 anos. E outros são os ciclos hegemônicos, que são muito mais longos.
Em termos de ciclos hegemônicos, os EUA foram um adversário dessa hegemonia nos idos de 1873; conseguiu sua hegemonia depois de 1945 e vem declinando desde os anos 70. As loucuras de George W. Bush transformaram esse declínio lento em precipitado. E agora já estamos longe de qualquer retomada da hegemonia estadunidense. Entramos, como acontece normalmente, num mundo multipolar. Os EUA permanecem como potência forte, talvez a mais forte, mas continuará declinando em relação a outras potências, nas próximas décadas. Não há muito o que alguém possa fazer para mudar isso.
Os ciclos de Kondratieff têm uma temporalidade diferente. O mundo saiu da última fase B do ciclo Kondratieff em 1945, e então o retorno mais forte à fase A vem ocorrendo, na história do sistema-mundo moderno. Chegou ao seu clímax por volta de 1967-1973, e começou o seu descenso. Esta fase B foi muito mais longa que as fases B anteriores e seguimos nela.
As características de uma fase B de Kondratieff são bem conhecidas e coincidem com o que a economia-mundo vem experimentado desde os anos 70. As taxas de lucro nas atividades produtivas baixam, especialmente naqueles tipos de produção que tenham sido mais rentáveis. Em conseqüência, os capitalistas que desejem níveis de lucro realmente altos se inclinam para o setor financeiro, e se envolvem no que basicamente é especulação. Para que as atividades produtivas não se tornem tão pouco rentáveis, têm de mudar-se das zonas centrais para outras partes do sistema-mundo, negociando custos menores de transação com mão-de-obra mais barata. É por isso que começam a desaparecer os empregos em Detroit, Essen e Nagoya, e a se expandirem nas fábricas da China, da Índia e do Brasil.
Quanto às bolhas especulativas, algumas pessoas sempre fazem muito dinheiro com elas. Só que cedo ou tarde as bolhas especulativas sempre arrebentam. Se se pergunta por que essa fase B do ciclo Kondratieff durou tanto, é porque os poderes existentes - o Departamento do Tesouro e o Federal Reserve (Banco Central) norte-americanos, o FMI e seus colaboradores na Europa ocidental e Japão - intervieram regularmente no mercado e de maneira importante para ajudar a economia-mundo - em 1987, quando a bolsa despencou; em 1989, no colapso do crédito e das poupanças nos EUA; em 1997, com a queda das bolsas na Ásia oriental; em 1998, pelas mãos dos chamadosLong Term Capital Management, um fundo Hedge de capitais de longo prazo; em 2001-2002, com Enron. Com base no que aprenderam com as lições das fases B anteriores de Kondratieff, os poderes existentes pensaram que podiam vencer o sistema. Mas há limites intrínsecos para fazer isto. E agora chegamos neles, como Henry Paulson e Ben Bernanke o estão aprendendo para sua vergonha e talvez assombro. Desta vez não será tão fácil, provavelmente será impossível, evitar o pior.
No passado, uma vez que a depressão dava rédea solta a seus estragos, a economia-mundo se levantava com base nas inovações que podiam ser quase monopolizadas por um tempo. Assim, quando se diz que o mercado financeiro voltará a levantar-se, é isso o que se pensa que ocorrerá, agora como no passado, depois de as populações do mundo sentirem todo o estrago causado. E talvez em alguns poucos anos assim seja.
Há, contudo, algo novo que pode interferir nesse belo padrão cíclico que tem sustentado o sistema capitalista por uns 500 anos. As tendências estruturais podem interferir nas tendências cíclicas. Os traços estruturais básicos do capitalismo como sistema-mundo operam mediante certas regras que podem ser traçadas num gráfico como um equilíbrio em movimento ascendente. O problema, como acontece com todos os equilíbrios estruturais de todos os sistemas, é que com o tempo as curvas se movem para muito além do equilíbrio e se torna impossível regressar ao ponto anterior.
O que se fez para que o sistema tenha se tornado tão distante do equilíbrio? Grosso modo, o que ocorre é que, ao longo de 500 anos, os três custos básicos da produção capitalista - pessoal, insumos e impostos - têm subido constantemente no percentual dos preços possíveis de venda, de tal modo que hoje se tornou impossível obter grandes lucros da produção quase monopolizada que sempre foi a base da acumulação capitalista significativa. Não é porque o capitalismo esteja falhando no que faz melhor. É precisamente porque o está fazendo tão bem que finalmente minou a base para acumulações futuras.
Quando chegamos a esse ponto o sistema se bifurca (na linguagem dos estudos de alta complexidade). As conseqüências imediatas são uma turbulência altamente caótica, que nosso sistema-mundo está experimentando neste momento e que seguirá experimentando por uns 20-50 anos. Como todos apostam na direção que pensam ser a mais imediatamente adequada para sua perspectiva, emergirá uma ordem de caos numa das veredas dos muitos caminhos alternativos diferentes.
Podemos assegurar com confiança que o presente sistema não sobreviverá. O que não podemos predizer é qual nova ordem será escolhida para substituí-lo, porque esta será o resultado de uma infinidade de pressões individuais. Mas cedo ou tarde um novo sistema se instalará. Não será um sistema capitalista, mas pode ser algo muito pior (ainda mais polarizado e hierárquico) ou algo muito melhor (relativamente democrático e relativamente igualitário) que o atual sistema. Decidir um novo sistema é a luta política mundial mais importante de nossos tempos.
E, quanto às perspectivas imediatas de curta duração, ad interim, é claro o que ocorre em todas as partes. Estamos nos movendo em direção a um mundo protecionista (esqueça-se da chamada globalização). Estamos nos movendo para um papel muito maior do governo na produção. Mesmo os EUA e a Grã Bretanha estão nacionalizando parcialmente os bancos e as grandes empresas moribundas. Nos dirigimos a uma distribuição populista conduzida pelo governo, que pode assumir modos social-democratas à centro-esquerda ou formas autoritárias de extrema direita. E nos movemos em direção a conflitos sociais agudos no interior de alguns estados, à medida que todo o mundo passa a competir por uma fatia menor do bolo. No curto prazo, não é, de modo algum, um panorama agradável.
Immanuel Wallerstein, sociólogo norte-americano, um dos teóricos da Teoria do Sistema Mundial (de onde vem a expressão Sistema-Mundo) e pesquisador sênior da Universidade Yale. É autor de Sistema Mundial Moderno, de 1974.
Tradução: Katarina Peixoto

sábado, outubro 25, 2008

Aumenta abismo entre ricos e pobres na Itália

[it]
Sábado - 25/10/2008

Gráfico revela que desigualdade de renda na Itália cresce além da média dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico - OCDE. Imagem: OCDE

A desigualdade de renda entre ricos e pobres na Itália continua elevada, fazendo com que o país  apresente a sexta maior diferença  entre os 30 países associados à Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OECD. Os dados da organização, divulgados nesta semana, revelam que a desigualdade de renda e a pobreza cresceram rapidamente na Itália ao longo do início dos anos 90 e, de um patarmar equivalente à média dos países da OECD,  a Itália passou a um nível comparativamente elevado em termos de diferença de renda.

A renda média dos 10% dos italianos mais pobres chega a 5 mil dólares – levando-se em conta a paridade do poder de compra -, enquanto a média da OECD é de 7 mil dólares/ano. A renda média dos 10% dos italianos mais ricos chega a 55 mil dólares, superior à média da OCSE. Os ricos se beneficiaram mais do crescimento econômico do que os pobres e a classe média.

O Brasil não integra a OECD, mas naturalmente a realidade italiana ainda é incomparavelmente melhor do que a existente no país do bolsa família. A Pesquina Nacional por Amostra de Domicílio- Pnda de 2007 revelou que a fatia da renda do 1% mais rico da população é ligeiramente menor apenas do que aquela apropriada pelos 50% mais pobres. Além disso, os 10% mais ricos no Brasil se apropriam de mais de 40% da renda, enquanto que os 40% mais pobres ficam com menos de 10% da renda.

www.oecd.org/els/social/inequality

Redação revista eletrônica Oriundi

“Cortar gasto público? Foi essa receita que empurrou a Alemanha para o nazismo em 1933”

LUIZ GONZAGA BELLUZZO

 

Diante da crise que se aprofunda, o economista e professor titular da Unicamp sugere um tripé para preservar a economia brasileira: estatização do crédito, defesa das reservas cambiais e expansão do investimento público. O governo, adverte Belluzzo, está sendo acossado pela demência de um certo pensamento econômico que pode imobilizá-lo. "O governo brasileiro não pode sacrificar o PAC em nome de uma religião de superávit primário".

Redação - Carta Maior

Data: 22/10/2008

Retoma inestimável atualidade nos dias que correm – ou talvez fosse mais honesto dizer, nas horas que urgem - a frase bordão proferida pelo presidente Franklin Delano Roosevelt no famoso discurso de posse, em março de 1933. Em meio à Grande Depressão, que destruiria 25% dos postos de trabalho nos EUA, o político de origem conservadora, mas que passaria à história por ter abraçado instrumentos heterodoxos que permitiram tirar os norte-americanos do fundo da recessão, inaugurou seu mandato com uma advertência que, 79 anos depois, presta-se como uma luva a seus pares de hoje, igualmente assombrados por uma crise de gravidade equivalente, ou pior, que a de então. “A única coisa da qual devemos ter medo é do próprio medo”, disse o líder democrata à Nação, a si mesmo e, agora vê-se, à posteridade.
O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor-titular da Unicamp e Presidente do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento – que fará um seminário com economistas de todo o mundo para discutir a crise, nos dias 6 e 7 de novembro, no Rio - está preocupado com a semeadura “insandecida” do medo no debate econômico do país no momento.
“O governo”, adverte cuidadosamente o sempre afável professor da Unicamp, “está sendo acossado, assim como toda a sociedade, pela demência de um certo pensamento econômico que pode imobilizá-lo”. Aquilo que ele caracteriza como sendo “o pior produto da metafísica ocidental” materializa-se nas últimas horas em editoriais de jornalões conservadores e repercute em discursos de altos decibéis orquestrados pela oposição parlamentar ao governo Lula.
“As pessoas simplesmente abstraem a realidade; divagam sobre uma dimensão que não existe mais: o mundo mudou. Radicalmente”, sublinha.
Ao que parece, não para todos. Na última terça-feira, por exemplo, o PSDB levou para questionar o ministro da Fazenda Guido Mantega, em sua fala no Congresso, uma plêiade de exemplares do que há de mais ortodoxo em termos de raciocínio econômico, matéria-prima como se sabe generosa nas trincheiras tucanas e na de seus aliados de palanques e idéias, os assim chamados “democratas”.
O seleto plantel formado por economistas de banco e de corretoras foi proibido de argüir o ministro. Por certo, Mantega ouviria aquilo que os editoriais vociferavam no mesmo dia em conhecida orquestração: alertas contra a famigerada gastança pública. A escolha da bancada tucana mereceu pelo menos de um alto coturno da agremiação paulista um desabafo não propriamente elogioso às leis de bronze da sabedoria econômica ortodoxa : ”Partido de merda”.
“A situação é muito séria e o governo não pode ter medo de agir”, continua Belluzzo em tom pausado. O professor não costuma se empenhar nos decibéis mas é contundente nas assertivas quando o momento exige: “A demência ensandecida insiste em recitar seu mantra dos livre mercados num momento em que os mercados encontram-se virtualmente pedindo socorro ao Estado”. Nesse ponto seu tom de voz se altera: “Estamos numa corrida contra o tempo: não basta acertar as respostas, é crucial não errar o timming. A resposta adequada ontem poderá ser inútil amanhã – ou hoje”, adverte em entrevista à Carta Maior.
O professor da Unicamp trata sumariamente a ofensiva ortodoxa que já reúne uma fornida trincheira na qual se aboletam impressos quatrocentões, agrupamentos tucanos e demos e que, agora, acaba de receber a chancela do inefável FMI. Das cinzas de uma falência ideológica e financeira, depois de quebrar países urbi et orbi, e a si próprio, por gestão equivocada, o Fundo Monetário, que não encontra mais audiência nem no gabinete de Hank Paulson, o mais novo keynesiano do quarteirão, não hesita em lançar advertências ao governo brasileiro... contra a expansão do "gasto primário".
“Cortar investimento público em meio a uma crise como essa é reeditar a mesma receita que jogou a Alemanha ao nazismo, em 1933”, qualifica Belluzzo, recordando a obsequiosa gestão pró-mercados do chanceler Brünning, na instável República de Weimar dos anos 20/30. Chefe de gabinete da coalizão católica/social democrata, sob a Presidência do Marechal Von Hinderburg, Brünning tangeu então a economia e o povo alemão rumo a um suicídio histórico perpetrado com doses letais de cortes de gastos públicos; erosão das reservas externas; fuga de capitais e conseqüente desemprego galopante.
Em seu livro “Ensaios sobre o Capitalismo no Século XX” (vencedor do prêmio Juca Pato- 2004) o professor da Unicamp lembra que a contrapartida desse fiasco estratégico foi o avanço fulminante do até então obscuro Partido Nacional Socialista. Nas eleições de setembro de 1930 ele saltou de 12 para 104 cadeiras no parlamento. Hjalmrar Schacht, um banqueiro nacionalista (havia disso no século XX), que depois seria nomeado presidente do Reichsbank, o BC de Hitler, observou então que “a política passiva” do gabinete Brünning, de imobilização pró-cíclica do Estado, endossando o mergulho da economia, não poderia jamais resolver o problema de uma sociedade em meio a uma hecatombe mundial.
De fato não resolveu. Refém de uma prisão ideológica semelhante àquela com a qual o “não intervencionismo nativo” quer capturar e imobilizar o governo Lula nos dias de hoje, a Alemanha protagonizou o pior flagelo da Depressão dos anos 30 em todo o mundo. Sem controle cambial, suas reservas foram exauridas por capitais em fuga. O marco sofreu um esfarelamento que redundou na hiperinflação e na derrocada da República de Weimar - que não encontraria, recorde-se, da parte de comunistas e social-democratas, clareza política para erguer uma barreira à ascensão nazista. O gabinete Brünning –seguido depois pelos de Papen e Schleicher-- delegou os destinos da sociedade ao salve-se quem puder dos mercados. Dois anos e seis milhões de desempregados depois, zero de reservas e inflação galopante, Hitler chegaria ao poder.
A seguir trechos da conversa de Luiz Gonzaga Belluzzo com Carta Maior em que o economista aponta três medidas para o Brasil enfrentar a crise: administração discricionária das reservas cambiais; estatização do crédito direcionado à produção e expansão do investimento público:
É preciso defender as reservas do país com uma administração centralizada.
“Os capitais estão se bandeando em todo o mundo. Não é um problema brasileiro. Está ocorrendo a mesma coisa da Turquia à Lituânia; do Burundi ao Azerbaijão. É um movimento de fuga para a moeda reserva e para títulos do governo norte-americano. Uma diáspora em busca de segurança e liquidez. A Rússia já decretou o controle cambial; a China, que nunca abriu mão dele, aprofundou a defesa das suas reservas. E o Brasil? O governo deve agir também de forma serena para preservar nossas reservas. Trata-se de adotar uma administração discricionária dos dólares penosamente acumulados nestes anos. Insisto, não é um problema do Brasil. O país está bem, apresenta indicadores mais saudáveis do que a maioria dos outros, inclusive de alguns entre os ricos. Mas é necessário entender que o cenário mudou radicalmente. Acabou o mundo que existiu até meados de setembro de 2008: os investidores querem liquidez e zero de risco. Para eles, hoje, isso significa proteger-se na moeda reserva que é o dólar: vão buscá-la onde estiver. Nas nossas reservas, inclusive. A menos que fixemos barreiras contra isso”
A ilusão dos fundamentos e do equilíbrio via liberdade da conta de capitais
“Diante de uma manada em movimento não adianta acenar o boletim de boas notas nos fundamentos. A manada, como sabem os vaqueiros experimentados, após o estouro, não obedece a qualquer tipo de coerência. A crise é o estouro. Estamos diante de uma dinâmica regida por impulsos irrefletidos, portando, infundamentados. Esqueçam a blindagem dos fundamentos. A lógica agora é a falta de fundamentos – não do Brasil, da dinâmica mundial. O Brasil fez tudo direitinho; tem um superávit robusto, inclusive. Mas se não agir de forma defensiva receberá da manada o mesmo tratamento de uma economia com déficit público de 10%. O governo não pode dar ouvido aos que insistem em lutar a guerra do dia anterior, pior, com armas obsoletas. Quem acha que o equilíbrio das contas correntes do pais pode ser delegado ao livre fluxo de capitais não entendeu ainda o que se passa. Quando vier a entender talvez seja tarde demais. A idéia liberal de que você pode gastar mais do que exporta, por exemplo, porque o ingresso de investimentos externos fechará as contas do país pode até ser verdade. Mas eu pergunto: em que circunstâncias? Lamento informar que as circunstâncias mudaram. Vamos esperar o equilíbrio prometido até o dólar atingir qual cotação? Ao custo de bilhões em sangria nas reservas, esse é o risco. E mesmo assim, sem estabilizar o câmbio.
Expandir o crédito e investimentos públicos que maximizem dinâmicas produtivas
O governo brasileiro não pode sacrificar o PAC em nome de uma religião de superávit primário. Economia não é metafísica (se fosse o banco do Vaticano não acumularia prejuízos...). O PAC não apenas deve ser preservado: o governo deve expandir o gasto em investimentos que maximizem efeitos multiplicadores para trás e para frente, na forma de emprego, encomendas às cadeia produtivas e expansão de uso de capacidade instalada. Ninguém está falando aqui em gasto com a máquina pública. Não é gasto de custeio. É para injetar recursos adicionais em projetos e áreas que rapidamente possam irradiar seus efeitos em todo sistema. Trata-se de reverter a dinâmica da desaceleração em curso na economia.
Numa hora dessas não podemos gerar emprego para os chineses
As ações devem ser coordenadas; uma resposta requer a complementação de outra, ou não funciona. Se vamos investir recursos públicos para gerar empregos e renda aqui dentro, não podemos deixar esse esforço escapar para o exterior. Daí por que é indispensável uma administração firme das reservas. Caso contrário, o dinheiro público aportado aqui vai abrir vagas no mercado de trabalho chinês, via importações que podem perfeitamente ser atendidas pela nossa cadeia industrial. Dentro dessa mesma lógica, a política de exportações não pode ignorar o mundo da crise. A China tentará furiosamente preservar seus empregos e o PIB invadindo todos os mercados com seus produtos. Eles já criaram inclusive um subsídio para azeitar ainda mais a engrenagem comercial do país. A partir de agora os exportadores chineses contam com um prêmio de 13% sobre a receita obtida no exterior. É algo semelhante ao nosso crédito prêmio para exportação. O que não pode acontecer numa hora dessas – e está acontecendo - é a nossa burocracia falar em extinguir o crédito-prêmio aos exportadores brasileiros. Em nome de quê? Corte de gastos público? De novo cabe informar, o mundo econômico está conflagrado. O governo deve esquivar-se daqueles que ostentavam certezas graníticas nas virtudes da auto-regulação dos mercados. Suas lições maciças, esféricas eu diria, geraram, entre outros rebentos, a crise monstruosa que hoje nos ameaça.