sábado, dezembro 08, 2007

Temor a Hugo Chávez é medo da democracia

Gerg Palast

“Bush: Se é o nosso petróleo, por que os venezuelanos têm de votar sobre isso? Republicanos em pânico de que a contagem de votos na Venezuela se espalhe pela Flórida”, ironiza o jornalista norte-americano, Gerg Palast no subtítulo de seu artigo que publicamos
A Família Bush pode ajeitar a Flórida. Eles podem ajeitar Ohio. Mas estão ficando loucos por não poderem dar um jeito nos votos na Venezuela.
O governo Bush e seus marionetes na imprensa – os mesmos que não se cansam dos polegares marcados a tinta vermelha dos votantes do Iraque – estão completamente lívidos que este fim de semana o eleitorado da Venezuela tenha tido a oportunidade de votar.
Foi típico o ofegante editorial do San Francisco Chronicle, que o referendo poderia fazer Hugo Chávez, o presidente da Venezuela, “um ditador constitucional pela vida inteira”. E ninguém menos que o combatente da liberdade Donald Rumsfeld, do alto do Washington Post, disse que, pelo voto, a Venezuela estava “afundando em uma ditadura”. Minha nossa!
Dado que o referendo de Chávez foi derrotado nas urnas, nós sabemos agora que, como um ditador, Chávez é um fiasco. Sem dúvida, sem querer contradizer o secretário Rumsfeld, talvez Chávez não seja um ditador.
REFERENDO
Vamos deixar claro exatamente sobre o que era a votação. Primeiramente, era um referendo para mudar a Constituição da nação para acabar com o limite no número de mandatos para presidente.
Oh, que horror! Imagine se nós eliminássemos os limites de mandatos nos EUA! Nós poderíamos acabar encalacrados com um presidente – como Franklin Roosevelt. Pior, se Bill Clinton tivesse podido concorrer novamente, nós teríamos perdido o estadista Bush Júnior. Enquanto a mídia dos EUA chamava Chávez de “tirano” por propor um fim ao limite de mandatos, eles de alguma forma esqueceram de jogar a lapela de tirano em Mr. Clinton por sugerir o mesmo para a América.
Não nos foi dito que o referendo desta semana era uma votação sobre limites de mandatos, ao invés, nos foi dito virtualmente em cada notícia que saiu nos EUA que o referendo era para fazer Chávez “presidente vitalício”. A pecha de “presidente vitalício” foi desinformada não menos que pelo The New York Times.
Mas acabar com o limite de mandatos não significa ganhar o mandato. Com o próprio Chávez me disse, “É com o povo” se ele será reeleito. E isso enfurece os Poderes Existentes nos EUA.
Em segundo, além de acabar com o limite de mandatos, o referendo teria carregado a Constituição nacional com mudanças na lei de propriedade e tantos outros ajustes econômicos complexos de tal modo que o referendo inteiro afundou com o próprio peso.
É o petróleo.
Limite de mandato e horas de trabalho na Venezuela? Por que isso seria uma crise para Washington?
Por que a tripulação de Bush está tão enlouquecida sobre Hugo? É por que a Venezuela está sentada sobre a maior reserva de cocos do mundo?
Assim como a Operation Iraqui Liberation (“OIL”) – é sobre petróleo, petróleo. Um monte dele.
Documentos do Departamento de Energia dos EUA que eu obtive indicam que os caras que seguram a vareta medidora de óleo de Bush avaliam que a Venezuela está sentada sobre 1,36 trilhão de barris de cru, cinco vezes as reservas da Arábia Saudita.
O mandato continuado de Chávez significa que o gigantesco suprimento de petróleo da Venezuela agora está nas mãos de ... Venezuelanos!
Como me foi dito por Arturo Quiran, morador de um conjunto residencial popular, “Dez, quinze anos atrás.... havia um monte de dinheiro aqui na Venezuela mas nós não vimos nada dele”. Registre-se que Quiran não concorda particularmente com a política de Chávez. Mas ele pensa que os americanos deveriam entender que sob o governo Chávez, há um consultório médico no seu prédio com ‘operações gratuitas, raio-x, remédios. Educação também. Gente que nunca soube ler e escrever agora sabe como assinar seus próprios documentos”.
TIJOLOS E PÃO
Nem todos estão satisfeitos. Como um âncora de noticiário da TV, violentamente anti-Chávez me disse em tons risíveis, “Chávez deu a eles (aos pobres) tijolos e pão!” – como ele ousou! – então, eles votam nele.
Big Oil tem idéias melhores para a Venezuela, melhor expressas em vários artigos do Wall Street Journal atacando Chávez por gastar a riqueza da nação com “programas sociais” ao invés de mais plataformas de perfuração para melhor encher os tanques dos SUVs [utilitários esportivos] do Texas.
Chávez tem cometido outros crimes aos olhos de Washington. Não apenas esse mestiço arrogante gastou a riqueza do petróleo da Venezuela na Venezuela, como também retirou US$ 20 bilhões do Federal Reserve dos EUA. Estranhamente, os líderes anteriores da Venezuela, embora a nação fosse extremamente pobre, emprestaram bilhões ao Tesouro dos EUA a juros de merda. Chávez disse “Basta! a esse jogo”, e conclamou que o capital da América do Sul fosse mantido na ....América do Sul! Oh, não!
Ah, e eu cheguei a mencionar que Chávez disse à Exxon que tinha de pagar mais que 1% de royalty à sua nação pelo petróleo pesado que a companhia extraía?
E é por isso que eles têm de assassiná-lo. Em 2002, o New York Times doentiamente aplaudiu o golpe de Estado contra Chávez. Mas ele fracassou. Portanto, já que o eleitorado da Venezuela obstinadamente se recusa a votar conforme Condi Rice lhe diz, resta uma única solução aos Bush-niks amantes-da-democracia, como expresso em viva voz pelo conselheiro espiritual do nosso presidente, Pat Robertson:
“Temos este inimigo ao sul controlando uma grande piscina de petróleo. Hugo Chávez pensa que nós estamos tentando assassiná-lo. Eu acho que nós deveríamos ir em frente e fazer isso... Não precisamos de outra guerra de US$ 200 bilhões... é muito mais fácil mandar alguns operativos encobertos fazer o serviço.”
BUSH
Mas Hugo não é meu inimigo. Sem dúvida, ele fez uma oferta danada de boa ao povo americano: petróleo a US$ 50 o barril – cerca de metade do seu preço atual. Olhando em uma perspectiva de preços de longo termo, a Venezuela perde com esse vendaval louco de preços do petróleo da guerra do Iraque. Em retorno, nós concordamos em não deixar os preços do petróleo irem ao chão (caiu para US$ 9 o barril em 1998) e levarem sua nação à bancarrota. Mas a Arábia Saudita não gosta desse acordo. E a vontade de Abdullah é como uma ordem para George Bush. (Interessante que o parceiro de Chávez em mandatos sem limites, o ditador Bill Clinton, endossou esse conceito).
Eu não concordo com tudo que Chávez faz. E eu considero alguns dos pontos de vistas de seus oponentes bem articulados. Mas, diferentemente de Bush, eu não acho que eu devo ter um veto sobre o voto venezuelano.
E os sentimentos da população são bastante claros. Eu fui de carro com um candidato da oposição, Julio Borges, em uma atividade de campanha em uma pequena cidade a três horas de Caracas. Nós nos reunimos com seus apoiadores – ou, mais acuradamente, sua única apoiadora. O “comício” foi na cozinha dela. Ela nos serviu um delicioso arepas.
No dia seguinte, eu voltei à mesma cidade quando Chávez chegou. Aproximadamente mil fãs aos gritos estavam ali – e um número igual ficou de fora. (O Telegraph inglês, de forma a fazer rir, registra que os apoiadores de Chavez aparecem “sob pressão”). Você podia achar que eles estavam aguardando uma apresentação do “South American Idol”. (Bem, umas poucas vezes o presidente venezuelano efetivamente se dedica a cantar uma canção).
Vale a pena notar que a popularidade pessoal de Chávez não se estende a todos os seus planos para o socialismo “Bolivariano”. E isso matou seu referendo na urna. Eu fico pensando que Chávez deveria ter perguntado a Jeb Bush como contar votos em uma democracia.
Aí está. Tem gente que acha que ele pode tomar o petróleo da Venezuela e o dinheiro do petróleo e simplesmente entregá-los aos venezuelanos. E esses mesmos venezuelanos têm a temeridade de exigir o direito de escolher o presidente de sua escolha! Aonde o mundo vai parar?
Na fala orwelliana de Bush e na conversa do Times [NYT], o referendo de Chávez foi retratado antes da eleição como uma fraude, Sadam latino. Talvez o medo real deles seja que Chávez trouxe um pouco de justiça econômica através da urna, uma tendência que poderia se espalhar até o norte. Pense nisso: Chávez está financiando a assistência médica integral para todos os venezuelanos. E se isso acontecesse aqui?

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