sexta-feira, outubro 20, 2006

UM “SUBIMPERIALISMO” BRASILEIRO NA AMÉRICA DO SUL?


Edu Silvestre de Albuquerque*

A expansão de capitais, mercadorias e serviços de origem brasileira pela América do Sul tem causado sérios embaraços para a diplomacia brasileira. O protesto boliviano contra a presença econômica brasileira no país é apenas mais um capítulo da oposição gerada entre os países vizinhos contra a expansão econômica brasileira pela região. As recentes ações contra empresas brasileiras que exploram recursos naturais do país como minério de ferro e gás natural, não são apenas atos isolados do governo Evo Morales, mas contam com expressivo apoio da população boliviana.

A principal atingida pela nacionalização da exploração dos recursos naturais bolivianos foi sem dúvida a estatal brasileira Petrobras. A multinacional Petrobras forma verdadeiro monopólio regional ao atuar na exploração, refino, transporte e distribuição de petróleo e gás natural na maioria dos países sul-americanos. Quando é a Shell ou uma das outras “Grande Irmãs” quem expandem seus negócios pelo mundo, chamamos isto de imperialismo. Mas não parece se passar algo diferente com a atuação da Petrobras.

Mas a presença avassaladora da Petrobras não é a única queixa de nossos vizinhos. Vale lembrar que da própria Argentina – cuja economia é bem maior que a boliviana – partem constantes reclamações da classe empresarial e de políticos locais contra o que consideram uma invasão de produtos e empresas brasileiras com o advento do Mercosul. Inaugurado pelo Tratado de Assunção (1991), o bloco econômico sub-regional tem sido alvo de diversas críticas também dos países de menor desenvolvimento econômico, casos do Uruguai e Paraguai, que exigem compensações comerciais diante do gigantismo econômico de seus parceiros. Curiosamente, quem ajudou a reverter esse clima político regional desfavorável foi justamente o criticado Hugo Chávez ao inserir a Venezuela e suas ricas reservas de hidrocarbonetos no Mercosul.

É verdade que as sementes da discórdia regional já estavam lançadas desde o Tratado de Tordesilhas (1491), que dividia as terras a serem oficialmente descobertas no Novo Mundo entre as Coroas de Portugal e Espanha. Portugal foi continuamente “empurrando” os limites oficiais para oeste, alegando o princípio do uti possidetis, a terra deve pertencer a quem de fato a ocupa. Nesse processo expansionista, a pecuária e a extração da borracha foram atividades econômicas fundamentais para a colonização portuguesa de áreas interiores do continente, e que mais tarde, por exemplo, daria vazão à Questão do Acre, que resultou na amputação territorial (outra vez!) da sofrida Bolívia.

Coisas do passado? Atualmente, estima-se mais de 15 mil brasileiros em atividade seringueira no Departamento de Pando, na Bolívia amazônica, e um número ainda mais expressivo de colonos brasileiros voltados para a agricultura comercial próximos da fronteira com o Mato Grosso do Sul. No Paraguai são dezenas de milhares de "brasiguaios" instalados principalmente na agricultura, e também expressivo o número de orizultores e pecuaristas gaúchos em terras uruguaias.


O passado de regimes militares também reforçou o clima de desconfiança entre os países da região. A própria construção da hidrelétrica binacional de Itaipu entre Brasil e Paraguai ganhou à época ferrenha oposição de Buenos Aires que alegava necessidade de ampliar a discussão quanto ao uso do potencial energético da Bacia do Paraná de modo a preservar seus interesses nacionais. Para piorar o quadro, a geopolítica brasileira do período era fortemente influenciada pelo pensamento do General Golbery do Couto e Silva, quem defendia abertamente a ampliação da influência brasileira na Bacia do Atlântico Sul e em particular na América do Sul.

A redemocratização do continente não trouxe a “paz perpétua” entre os países sul-americanos. Nas últimas décadas, o maior desenvolvimentismo industrial brasileiro em relação a seus vizinhos depende cada vez mais da expansão dos bens e serviços made in Brazil por toda a região. Vale lembrar que cerca de 2/3 das exportações brasileiras para o Resto do Mundo são de produtos de baixo valor agregado e/ou de elevado consumo de riquezas naturais (soja, minério de ferro, café, calçados, suco de laranja, siderúrgicos, açúcar e celulose), o que demonstra ainda mais a importância do mercado latino-americano para a produção industrial brasileira.

Não é segredo que as políticas desenvolvimentistas brasileiras experimentadas ao longo do último meio século se valeram da criação de empresas estatais (principalmente indústrias de base como refino e petroquímica) e também da atração de subsidiárias de transnacionais norte-americanas, européias e asiáticas (principalmente indústrias de bens de consumo duráveis como automobilística e eletroeletrônica). A motivação dessas grandes empresas em estabelecerem filiais no Brasil era determinada pela expressividade do mercado interno brasileiro, mas também pela facilidade de acesso aos demais mercados latino-americanos. Esse processo foi experimentado pela Argentina, mas em escala bem menor que a verificada no Brasil, daí também a explicação do “mau humor” dos hermanos em relação à hegemonia comercial brasileira no Mercosul.

Mais recentemente o Brasil também tem reforçado sua posição de exportador de capitais para os países sul-americanos, através do direcionamento do sistema financeiro nacional para a viabilização da exportação de bens e serviços produzidos no país, beneficiando particularmente grandes construtoras e empresas de maquinário pesado. Esse foi o caso do financiamento bilionário pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) do Gasoduto Bolívia – Brasil, além de grande parte das obras de integração dos sistemas de transportes e energia que já se anunciam: metrôs de Santiago e Caracas, ramais de gasodutos na Argentina, asfaltamento de rodovias no Peru e na Bolívia, dentre outras.

Diante do exposto, é inegável concluirmos que a expansão da economia brasileira (industrial e de infra-estruturas de transportes e energia), de fato, acaba por fortalecer o papel geopolítico do país na América do Sul, e com isto alimenta as desconfianças entre nossos vizinhos acerca do que faremos com esse poder. Para que se concretize o sonho boliviariano (Simon Bolívar foi o libertador do jugo espanhol para diversos países sul-americanos) de integração regional, será necessário ainda gigantesco esforço diplomático envolvendo o Brasil e seus vizinhos, principalmente porque uma América fragmentada tem servido historicamente apenas aos interesses dos países desenvolvidos.
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*Edu Silvestre de Albuquerque é doutorando em Geografia pela UFSC e professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (PR), organizador da coletânea Que País é Esse? Pensando o Brasil Contemporâneo.

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