sexta-feira, outubro 20, 2006

UM “SUBIMPERIALISMO” BRASILEIRO NA AMÉRICA DO SUL?


Edu Silvestre de Albuquerque*

A expansão de capitais, mercadorias e serviços de origem brasileira pela América do Sul tem causado sérios embaraços para a diplomacia brasileira. O protesto boliviano contra a presença econômica brasileira no país é apenas mais um capítulo da oposição gerada entre os países vizinhos contra a expansão econômica brasileira pela região. As recentes ações contra empresas brasileiras que exploram recursos naturais do país como minério de ferro e gás natural, não são apenas atos isolados do governo Evo Morales, mas contam com expressivo apoio da população boliviana.

A principal atingida pela nacionalização da exploração dos recursos naturais bolivianos foi sem dúvida a estatal brasileira Petrobras. A multinacional Petrobras forma verdadeiro monopólio regional ao atuar na exploração, refino, transporte e distribuição de petróleo e gás natural na maioria dos países sul-americanos. Quando é a Shell ou uma das outras “Grande Irmãs” quem expandem seus negócios pelo mundo, chamamos isto de imperialismo. Mas não parece se passar algo diferente com a atuação da Petrobras.

Mas a presença avassaladora da Petrobras não é a única queixa de nossos vizinhos. Vale lembrar que da própria Argentina – cuja economia é bem maior que a boliviana – partem constantes reclamações da classe empresarial e de políticos locais contra o que consideram uma invasão de produtos e empresas brasileiras com o advento do Mercosul. Inaugurado pelo Tratado de Assunção (1991), o bloco econômico sub-regional tem sido alvo de diversas críticas também dos países de menor desenvolvimento econômico, casos do Uruguai e Paraguai, que exigem compensações comerciais diante do gigantismo econômico de seus parceiros. Curiosamente, quem ajudou a reverter esse clima político regional desfavorável foi justamente o criticado Hugo Chávez ao inserir a Venezuela e suas ricas reservas de hidrocarbonetos no Mercosul.

É verdade que as sementes da discórdia regional já estavam lançadas desde o Tratado de Tordesilhas (1491), que dividia as terras a serem oficialmente descobertas no Novo Mundo entre as Coroas de Portugal e Espanha. Portugal foi continuamente “empurrando” os limites oficiais para oeste, alegando o princípio do uti possidetis, a terra deve pertencer a quem de fato a ocupa. Nesse processo expansionista, a pecuária e a extração da borracha foram atividades econômicas fundamentais para a colonização portuguesa de áreas interiores do continente, e que mais tarde, por exemplo, daria vazão à Questão do Acre, que resultou na amputação territorial (outra vez!) da sofrida Bolívia.

Coisas do passado? Atualmente, estima-se mais de 15 mil brasileiros em atividade seringueira no Departamento de Pando, na Bolívia amazônica, e um número ainda mais expressivo de colonos brasileiros voltados para a agricultura comercial próximos da fronteira com o Mato Grosso do Sul. No Paraguai são dezenas de milhares de "brasiguaios" instalados principalmente na agricultura, e também expressivo o número de orizultores e pecuaristas gaúchos em terras uruguaias.


O passado de regimes militares também reforçou o clima de desconfiança entre os países da região. A própria construção da hidrelétrica binacional de Itaipu entre Brasil e Paraguai ganhou à época ferrenha oposição de Buenos Aires que alegava necessidade de ampliar a discussão quanto ao uso do potencial energético da Bacia do Paraná de modo a preservar seus interesses nacionais. Para piorar o quadro, a geopolítica brasileira do período era fortemente influenciada pelo pensamento do General Golbery do Couto e Silva, quem defendia abertamente a ampliação da influência brasileira na Bacia do Atlântico Sul e em particular na América do Sul.

A redemocratização do continente não trouxe a “paz perpétua” entre os países sul-americanos. Nas últimas décadas, o maior desenvolvimentismo industrial brasileiro em relação a seus vizinhos depende cada vez mais da expansão dos bens e serviços made in Brazil por toda a região. Vale lembrar que cerca de 2/3 das exportações brasileiras para o Resto do Mundo são de produtos de baixo valor agregado e/ou de elevado consumo de riquezas naturais (soja, minério de ferro, café, calçados, suco de laranja, siderúrgicos, açúcar e celulose), o que demonstra ainda mais a importância do mercado latino-americano para a produção industrial brasileira.

Não é segredo que as políticas desenvolvimentistas brasileiras experimentadas ao longo do último meio século se valeram da criação de empresas estatais (principalmente indústrias de base como refino e petroquímica) e também da atração de subsidiárias de transnacionais norte-americanas, européias e asiáticas (principalmente indústrias de bens de consumo duráveis como automobilística e eletroeletrônica). A motivação dessas grandes empresas em estabelecerem filiais no Brasil era determinada pela expressividade do mercado interno brasileiro, mas também pela facilidade de acesso aos demais mercados latino-americanos. Esse processo foi experimentado pela Argentina, mas em escala bem menor que a verificada no Brasil, daí também a explicação do “mau humor” dos hermanos em relação à hegemonia comercial brasileira no Mercosul.

Mais recentemente o Brasil também tem reforçado sua posição de exportador de capitais para os países sul-americanos, através do direcionamento do sistema financeiro nacional para a viabilização da exportação de bens e serviços produzidos no país, beneficiando particularmente grandes construtoras e empresas de maquinário pesado. Esse foi o caso do financiamento bilionário pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) do Gasoduto Bolívia – Brasil, além de grande parte das obras de integração dos sistemas de transportes e energia que já se anunciam: metrôs de Santiago e Caracas, ramais de gasodutos na Argentina, asfaltamento de rodovias no Peru e na Bolívia, dentre outras.

Diante do exposto, é inegável concluirmos que a expansão da economia brasileira (industrial e de infra-estruturas de transportes e energia), de fato, acaba por fortalecer o papel geopolítico do país na América do Sul, e com isto alimenta as desconfianças entre nossos vizinhos acerca do que faremos com esse poder. Para que se concretize o sonho boliviariano (Simon Bolívar foi o libertador do jugo espanhol para diversos países sul-americanos) de integração regional, será necessário ainda gigantesco esforço diplomático envolvendo o Brasil e seus vizinhos, principalmente porque uma América fragmentada tem servido historicamente apenas aos interesses dos países desenvolvidos.
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*Edu Silvestre de Albuquerque é doutorando em Geografia pela UFSC e professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (PR), organizador da coletânea Que País é Esse? Pensando o Brasil Contemporâneo.

terça-feira, outubro 17, 2006

Evidência liga atividade humana a perda de gelo na Antártida


Cientistas do Reino Unido e da Bélgica mostram que fortes ventos do oeste, na Península Antártica setentrional, são responsáveis pelo forte aquecimento da região no verão, e que levou à retração e colapso da plataforma de gelo Larsen. Esse ventos são impulsionados pela mudança climática induzida pelo homem. Esta é a primeira evidência direta ligando atividade humana ao colapso de blocos de gelo da Antártida, e será publicada nesta semana no periódico Journal of Climate.

O aquecimento global e o buraco na camada de ozônio mudaram os padrões climáticos na Antártida de tal forma que o fortalecimento dos ventos oeste tornou possível que o ar quente ultrapassasse a cordilheira da Península Antártica.

Nos dias em que isso ocorre, em meio às temperaturas já naturalmente mais elevadas do verão, o nordeste da Península assiste a um aquecimento de cerca de 5º C, criando condições que permitem o escoamento de água gerada pelo derretimento do gelo para rachaduras na plataforma Larsen, um processo fundamental para a quebra da estrutura, em 2002.

Em um período de 35 dias daquele ano, entre janeiro e março, o trecho da plataforma chamado Larsen B, de 3.250 km2, soltou-se do continente e rompeu-se em milhares de icebergs.

Nos últimos 40 anos, a temperatura média dessa parte do continente antártico, no verão, foi de 2,2º C. A parte oeste da Península Antártica mostra, segundo a British Antarctic Survey (Pesquisa Antártica Britânica) o maior aumento de temperatura de todo o planeta Terra, ao longo do último meio século. (Estadão Online)

domingo, outubro 08, 2006

Para que serve a comunicação?

José Saramago *

As novas tecnologias da comunicação multiplicam de modo excepcional a quantidade de informações disponíveis. Isso é ao mesmo tempo fascinante e inquietante. Fascinante porque se nota que transformações muito positivas, em matéria de educação e formação, estão ao alcance da mão. Inquietante porque tudo isso mostra um mundo sobre o qual pairam as ameaças de desumanização e de manipulação.

Um grande filósofo espanhol do século XIX, Francisco Goya, mais conhecido como pintor, escreveu um dia: "O sonho da razão engendra monstros".

No momento em que explodem as tecnologias da comunicação, nós podemos perguntar se elas não estão a caminho de engendrar monstros de um novo tipo. Certo, essas novas tecnologias são elas mesmas o fruto da reflexão, da razão. Mas se trata de uma razão desperta, no verdadeiro sentido da palavra, isto é, atenta, vigilante, crítica, obstinadamente crítica?

Ou se trata de uma razão sonolenta, adormecida, que no momento de inventar, criar, imaginar e criar, imagina efetivamente monstros?

Ao final do século XIX, quando a ferrovia se impôs como um avanço em matéria de comunicação, alguns espíritos atrasados afirmavam que essa máquina era aterrorizadora e que, nos túneis, as pessoas morreriam asfixiadas.

Eles sustentavam que a uma velocidade superior a 50km/h o sangue sairia pelo nariz e pelas orelhas e que os viajantes morreriam em meio a terríveis convulsões.

Esses são os apocalípticos, os pessimistas profissionais. Duvidam sempre do progresso da razão, a qual, segundo os obscurantistas, não pode produzir nada de bom. Mesmo que eles estejam profundamente equivocados, devemos admitir que quase sempre os progressos são bons e maus ao mesmo tempo.

A Internet é uma tecnologia que não é nem boa nem má em si. Só o uso que se fará dela é que nos conduzirá a um julgamento. É por isso que a razão hoje, mais do que nunca, não pode adormecer.

Se uma pessoa recebesse em sua casa, por dia, 500 jornais do mundo inteiro, provavelmente seria considerada louca; e seria verdade, pois quem senão um louco pode se propor a ler 500 jornais por dia?

Alguns esquecem essa evidência quando se satisfazem anunciando que no futuro, graças à revolução numérica, nós poderemos receber 500 canais de televisão.

O feliz assinante dos 500 canais será inevitavelmente tomado de uma impaciência febril que nenhuma imagem poderá saciar. Ele vai se perder num labirinto vertiginoso de zapping permanente. Consumirá as imagens, mas não se informará.

Diz-se às vezes que uma imagem vale mais do que mil palavras. É falso. As imagens têm quase sempre a necessidade de um texto explicativo. Foi dito que graças às novas tecnologias nós chegaríamos no futuro à beira da comunicação total. A expressão é enganosa, ela deixa crer que atualmente a totalidade dos seres humanos do planeta possa comunicar-se.

Lamentavelmente isso não ocorre. Apenas 3% da população da Terra têm acesso a um computador: e os que utilizam a Internet são ainda menos numerosos. A imensa maioria de nossos irmãos humanos ignora até hoje a existência dessas novas tecnologias.

Neste momento eles não dispõem das conquistas elementares da velha revolução industrial: água potável, eletricidade, escola, hospital, estradas, trens, refrigeradores, automóveis etc. Se nada for feito, a atual revolução da informação passará igualmente ao largo dessas pessoas.

A informação só nos torna mais sábios se ela nos aproxima das pessoas. Assim, com a possibilidade de ter acesso, à distância, a todos os documentos dos quais necessitamos, o risco de desumanização e de ignorância aumenta.

No futuro, a chave da cultura não está na experiência e no saber, mas na atitude de buscar a informação nos múltiplos canais que oferece a Internet. Pode-se ignorar o mundo, não saber em que universo social, econômico e político se vive, e dispor de toda a informação possível.

A comunicação deixa, assim, de ser uma forma de comunhão. Como não lamentar o fim daquela comunicação real, direta, pessoa a pessoa?

Com obsessão, vê-se concretizar o cenário do pesadelo anunciado pela ficção científica: cada qual fechado em seu apartamento, isolado de tudo e de todos, na solidão mais terrível, mas ligado na Internet e em comunicação com todo o planeta. O fim do mundo material, da experiência, do contato concreto, carnal...a dissolução dos corpos.

Pouco a pouco nos sentimos tomados pela realidade virtual. Esta, apesar do que se pretende, é velha como o mundo, velha como nossos sonhos. E nossos sonhos nos conduziram a universos virtuais extraordinários, fascinantes, a continentes novos, desconhecidos, onde vivemos experiências excepcionais, de aventuras, de amores, de perigos. E às vezes a pesadelos. Contra o que nos advertiu Goya.

Sem que isso signifique entretanto o fim da imaginação, da criação e da invenção, pois por isso se paga muito bem.

É acima de tudo uma questão de ética. Qual é a ética daqueles que, como o sr. Bill Gates e Microsoft querem a todo custo ganhar a guerra das novas tecnologias para obter o maior benefício pessoal?

Qual é a ética dos raiders e dos golden boys que especulam na bolsa servindo-se dos avanços da tecnologia da comunicação para arruinar os Estados ou levar à falência centenas de empresas pelo mundo afora?

Qual é a ética dos generais do Pentágono que, aproveitando-se dos privilégios do progresso, das imagens sintéticas, programam mais eficazmente seus mísseis tomahawk para semear a morte?

Impressionada, intimidada pelo discurso modernista e tecnicista, a maioria dos cidadãos capitula. Eles aceitam adaptar-se ao novo mundo que se anuncia como inevitável. Já não fazem nada para opor-se. São passivos, inertes, cúmplices. Dão a impressão de haver renunciado. Renunciado a seus direitos e a seus deveres. Em particular, ao dever de protestar, de levantar-se, de sublevar-se.

Como se a exploração tivesse desaparecido, e a manipulação dos espíritos tivesse sido extinta.

Como se o mundo estivesse sendo governado por inocentes, e como se a comunicação tivesse se tornado subitamente um assunto de anjos.

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* José Saramago, escritor português, Prêmio Nobel de Literatura de 1998.

Este artigo foi originalmente publicado na revista Manière de Voir, do grupo editorial do Le Monde, edição de julho e agosto de 1999, e reproduzido no site do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal

sexta-feira, outubro 06, 2006

Cansei, vou votar no Alckmin.

Cansei, vou votar no Alckmin.

Cansei de ir ao supermercado cheio de gente fazendo compras porque os alimentos estão baratos, porque o salário aumentou, porque o poder aquisitivo aumentou, porque tanta gente está empregada.

Cansei dos shoppings com gente se espremendo, agora todo mundo pode comprar
e se divertir. Cansei das ofertas de crédito bancário, de cartão de crédito, de empréstimo consignado com juros baratos para todo mundo - isso antes era privilégio,
agora perdeu a graça.

Cansei desse governo que distribui dinheiro dos impostos para milhões de famílias sem renda, só para combater a fome e reduzir a miséria - esse dinheiro poderia ser usado para ajudar os empresários endividados.

Cansei do PROUNI, que colocou na universidade jovens da classe pobre, misturando-os com os filhos das pessoas ricas. Cansei desse programa Luz para Todos: gente que nunca teve nada agora pode ver TV, usar ferro elétrico, geladeira, abrir um negócio.

Cansei desse governo que criou milhões de empregos, está acabando com a informalidade e prejudicando os empresários, que têm de arcar com tributos trabalhistas.

Cansei desse governo que desvalorizou meus dólares sem sustos, sem inflação, sem pacotes econômicos. Cansei, vou votar no Alckmin porque quero de volta as emoções fortes do governo de FHC, quero investir no dólar em disparada e aproveitar a inflação. Cansei dessa baboseira politicamente correta, quero pagar salários menores, quero que os supermercados e os shoppings fiquem mais vazios.

Cansei, vou votar no Alckmin porque ele diz que vai "flexibilizar" as leis trabalhistas, e assim não vou precisar pagar 13º, FGTS e nem dar férias. Tenho muita fé no que Alckmin diz: se esses benefícios são de lei, com Alckmin a gente sempre vai poder dar um jeitinho, e com menos empregos o trabalhador vai ter de aceitar qualquer coisa, vai se pôr no seu lugar.

Cansei de ver a PF trabalhando livremente. Cansei de ver um Governo ser investigado, prefiro como antes as CPIs abafadas e nós sem sabermos de nada...

por LUIS MARCELO ESPINDOLA Xavier

‘Império’ Americano em crise


por Peter Taaffe, Secretário Geral do Partido Socialista, Inglaterra e Gales

Possui um exército de mais de um milhão e duzentos mil homens e mulheres, com meio milhão de soldados, espiões, técnicos, professores, dependentes e empreiteiros empregados em outras nações. Também possui uma dúzia de forças-tarefa transportadoras em todos os oceanos e mares do mundo, e, através da doutrina de ‘espectro militar total’, pretende dominar também o espaço.
Esta nova Roma – chamada de um ‘império de bases’ pelo perceptivo comentarista estadunidense Chalmers Johnson – tem 725 bases oficialmente reconhecidas pelo mundo; não-oficialmente há pelo menos 1.700 destas instituições militares. Seu gasto de armas, enormemente inchado desde 11/9, é quase igual ao gasto total do resto do mundo junto.
A nova Roma
Após o ataque ao World Trade Centre em 2001, o imperialismo dos EUA procurou empregar unilateralmente esta força para criar um ‘mundo unipolar’, no qual seu poder permaneceria inquestionável.
De fato, um comentarista proclamou que “dificilmente há uma só figura proeminente [nos EUA] que encontraria uma defeito na noção de que os Estados Unidos permanecem a única superpotência militar até o fim dos tempos”. Mesmo antes do 11/9, outro afirmou: “América não é um mero cidadão internacional. É o poder dominante do mundo, mais dominante do que qualquer um desde Roma. Portanto, a América está na posição de ditar normas, alterar expectativas e criar novas realidades. Como? Por demonstrações indesculpáveis e implacáveis do que virá.”
O ataque da Al-Qa’ida aos EUA deu à Bush precisamente a desculpa para realizar este sonho da cabala ‘neo-conservadora’ que o cerca desde seu primeiro dia no cargo. O 1º alvo foi o Afeganistão, então o Iraque, a ser seguido pelo ofensiva contra o Irã e a subjugação de todo o Oriente Médio. Isso foi parte de um ‘grande plano’ de transformar o ‘império informal’ dos Estados Unidos a uma aberta ‘Nova Roma’.
Levou séculos para o Império Romano colapsar, mas em menos de uma década a presidência imperial de Bush está se desintegrando nas areias do Iraque, nas montanha do Afeganistão e o caos da Somália. As razões para a retirada precipitada do imperialismo dos EUA foram antecipadas pelo Partido Socialista e o Comitê por uma Internacional Operária. Argumentamos que o uso de um esmagador poder militar sozinho não teria sucesso. Poderia conjurar uma massiva revolta nacional e social que ricochetearia até dentro das fronteiras dos EUA, resultando no que os próprios comentaristas capitalistas chamam ‘blowback’.
Oposição
Os efeitos disso são vistos na queda sem precedentes na aprovação de Bush – 31% em maio. Ele é o presidente mais impopular desde 1945, fora o odiado Nixon, que foi tirado do cargo como resultado da Guerra do Vietnã e suas repercussões em Watergate.
Não há um fim previsível para os horrores do Iraque. O horrível massacre em Haditha inevitavelmente lembra atrocidades similares da Guerra do Vietnã, simbolizadas pelo massacre de mais de 500 homens, mulheres e crianças em My Lai. A diferença desta vez é que as revelações de Haditha apareceram muito mais rapidamente que as de My Lai.
Também a oposição americana à guerra do Iraque é agora maior que era na época das atrocidades do Vietnã, com 6 em cada 10 americanos acreditando que a invasão do Iraque em 2003 foi um ‘erro’. Isso tem obrigado senadores tradicionalmente falcões como John Murtha a exigir a rápida retirada dos EUA do Iraque. Contudo, uma coisa é entrar num pântano, mas muito mais difícil e tirar a si mesmo dele.
O Independent comentou sobre o fuzilamento de mulheres e crianças em Haditha: “Claramente, a cada dia que passa, a guerra no Iraque se assemelha ao Vietnã.”
Guerra Civil
Sim e não. Uma generalizada resistência nacionalista existe no Iraque, como no Vietnã, refletido na insurgência.
Contudo, a atual insurgência envolve predominantemente 5 milhões de sunitas árabes iraquianos. O assassinato de al-Zarqawi – que de todo modo jogou um papel menor na resistência – não irá dissipar este movimento, como até mesmo Bush e Blair admitiram. Na época da captura de Saddam Hussein e a morte de seus filhos eles cantaram uma música diferente, afirmando que este era um ponto de inflexão.
Os curdos e os xiitas, que constituem a maioria da população do Iraque, tem por diferentes razões ou apoiado a invasão liderada pelos EUA (os curdos) ou a tolerado (os xiitas). A elite xiita, em particular, se alinhou à Grã-Bretanha e os EUA como um meio de finalmente atingir o poder. Mas agora a “animosidade xiita em relação às forças americanas e britânicas está… começando a se parecer com a dos sunitas no inicio da guerra de guerrilhas”. [Patrick Cockburn, The Independent, 24 de maio.]
Ao mesmo tempo, o conflito comunal entre os xiitas (60% da população), os sunitas e os curdos é intratável em bases capitalistas, e é refletido na ‘guerra civil’ olho por olho que está atravessando o país.
Esta é a diferença crucial com o Vietnã. A oposição ao imperialismo estadunidense estava em sua maioria unificada atrás das forças nacionalistas predominantemente stalinistas de Ho Chi Minh e a Frente Nacional de Libertação, que também refletia um programa de libertação social para as massas camponesas em particular.
Não existe tal força no Iraque que o imperialismo dos EUA pudessem ‘esmagar’ para, ‘declarar vitória’ e ir para casa. Há um claro reconhecimento que os 132.000 soldados americanos apoiados por uma pequena tropa britânica são incapazes de controlar a situação.
Os soldados britânicos estão sendo atacados numa média de 60 vezes por mês, desde o inicio do ano. Um milhar destes soldados estão ausentes sem deserção (AWOL) por mais de 30 dias desde o inicio da guerra em 2003.
Os EUA estão portanto tentando costurar juntos um ‘exército nacional’, que possui um pessoal de 230.000 no presente mas está projetado para aumentar para 320.000 no fim do próximo ano. Mas, como comentaristas em jornais capitalistas como o The Independent tem reconhecido, “a lealdade destas forças é para as comunidades sunitas, xiitas e curdas, não para o governo central. O problema tem sido sempre mais lealdade do que treinamento.”
Impasse
Este impasse sectário não pode ser resolvido em bases capitalistas. Isso, incrivelmente, não é reconhecido pelos alegados líderes do movimento ‘Stop the War’ na Grã-Bretanha.
O Partido Socialista exige a imediata retirada de todas as forças estrangeiras do Iraque, e que o povo iraquiano decida seu próprio destino. Mas, uma retirada unilateral completa é improvável de ser empreendida pelos EUA.Eles invadiram o Iraque para assegurar o petróleo e, enquanto a maioria de suas tropas (junto com as da Grã-Bretanha e outros parceiros da ‘coalizão’) possam ser formalmente retiradas, é altamente improvável que eles desistam imediatamente de todas as 110 bases que ocupam no Iraque.
Apenas um efetivo movimento não-sectário dos trabalhadores – Curdos, xiitas e sunitas, assim como os turcomenos e outros – pode quebrar totalmente e permanentemente o total domínio militar e econômico sobre o Iraque exercido pelo imperialismo dos EUA. Este movimento deve ser ligado à idéia de um Iraque socialista organizado nas bases de uma confederação democrática, garantindo os direitos de todos os povos do Iraque, incluindo as minorias.
Nada é mais utópico que os argumentos de alguns ‘socialistas’ que dizem que apenas retirando as tropas o povo iraquiano pode então viver em amizade, paz e compreensão, Deixe-os com seus próprios esquemas, eles sem dúvida irão.
Mas nas bases do capitalismo, com um histórico legado de divisão fomentado pelo imperialismo e capitalismo e exploradas pelas elites em todas as diferentes comunidades, estas divisões sectárias podem crescer, como as experiências da Irlanda do Norte e, talvez, mais tragicamente, os Bálcãs demonstraram.
Algumas das vozes de sereia que se contentam com o slogan ‘retirada das tropas’ adotam a mesma posição em relação à Irlanda do Norte no passado. Retire as tropas britânicas e protestantes e Católicos viveriam pacificamente. Seu experimento utópico nunca foi testado já que o imperialismo britânico, embora gostasse de ter retirado suas forças da Irlanda do Norte, entendeu que isso poderia desencadear uma guerra civil sectária – criada por suas próprias políticas passadas. Portanto, apesar das explosões e feridos, ele adaptaram-se à longa quebra-de-braço contra o IRA.
Argumentos similares são agora levantados dentro das fileiras do imperialismo dos EUA para justificar a contínua subjugação militar, e particularmente econômica do Iraque, mesmo se os soldados estão ‘formalmente retirados às bases’. A tarefa para os trabalhadores e camponeses iraquianos, portanto, é forjar uma aliança de classe que possa mostrar um caminho para fora dos horrores infligidos sobre eles pelo imperialismo e as diferentes elites comunais que estão lutando pelo poder.
Ódio
O Iraque nunca será democrático ou livre numa base capitalista. Isso foi sublinhado pela visita de Bush ao Iraque em 13 de junho. Ele disse ao novo primeiro ministro iraquiano, Nouri al-Maliki: “Tenho expressado o desejo de nosso país de trabalhar com você mas eu gostaria que você reconhecesse o fato de que o futuro do país está em suas mãos.” Mas, o ‘independente’ primeiro ministro iraquiano recebeu a notícia precisamente a 5 minutos da visita aérea de Bush, uma clara demonstração do relacionamento entre ‘César’ e seu pró-cônsul no Iraque.
Contudo,nem o povo iraquiano nem as massas neo-coloniais que estão para serem postos sob seu tacão pela ‘guerra ao terror’ estão se encolhendo de medo por isso. O slogan dos líderes romanos para seus escravos coloniais era “deixem-nos nos odiar contanto que nos temam” (oderint dum metuant). Esta foi a verdadeira filosofia de Bush e sua gangue após o 11/9. Como conseqüência das ações dos EUA desde então, as massas no mundo neo-colonial continuam a odiar os EUA ainda mais intensamente mas não mais os temem!
Somália
Os eventos no Iraque, Somália, Afeganistão, Irã e em qualquer lugar sublinham isso. A vitória dos ‘Islamistas’ na Somália, apoiados pelos capitalistas locais e as massas desesperadas por qualquer alternativa ao caos sem-fim,representa uma “assombrosa derrota para a estratégia dos EUA de contra-terrorismo por procuração” no Chifre da África [the Guardian].
Desde a queda do ditador Mohammed Siad Barre em 1991, o país tem estado sob o tacão de senhores de guerra corruptos que acumularam uma vasta riqueza pelo controle de portos, estradas e campos de pouso que não reconhecem a autoridade nacional. Os EUA apoiaram completamente estes déspotas pelo medo do perigo da ‘Talibanização’ da Somália. Seu equívoco agora ameaça conseguir precisamente o resultado que eles queriam evitar.
Bush tem feito um barulho ameaçador sobre impedir uma “nova base para a al-Qa’ida”, mas depois da retirada humilhante das forças dos EUA da Somália sob Clinton em 1994 ele não será capaz de uma intervenção militar direta. Os Islamistas, de outro lado, não serão mais capazes de abrir um novo caminho de paz e prosperidade para o sofrido povo somali do que o Taliban foi capaz de fazer no Afeganistão.
A intervenção militar americana britânica no Afeganistão era supostamente para extirpar todos os remanescentes do bárbaro Taliban, esmagar o poder dos senhores de guerra e varrer o entulho feudal, incluindo a perseguição e discriminação contra as mulheres. Mas, 4 anos e meio depois da invasão, o ‘Iraque’ se espalhou para o Afeganistão, com ataques suicidas em Cabul, a produção de papoula alimentando o comércio de drogas em seu maior auge e o retorno do Taliban no sul.
Afeganistão
O mandato do presidente Karzai, desdenhosamente descrito como o ‘Prefeito de Cabul’, não pode governar além da capital. No sul e na fronteira entre Afeganistão e Paquistão, “o Taliban governa a noite”. O barbarismo medieval retorna à medida que as escolas tem sido queimadas e aterrorizadas mulheres são forçadas a voltar a seus lares. A tênue linha das tropas britânicas e dos EUA são incapazes de manter a situação na batalha contra o Taliban. Portanto o governo Karzai, em desespero, está tentando forjar uma aliança com os ‘narco-senhores de guerra’ e suas milícias para combater o Taliban.
O contingente de 23.000 soldados americanos, junto com os 9.000 da OTAN, são incapazes de segurar o país. De fato, se estima que uma ‘legião estrangeira’ de 150.000 soldados seriam necessários apenas para manter o sul do Afeganistão! O completo colapso da farsa do governo ‘democrático’ sob a administração Karzai, escorado como é pelas baionetas britânicas e americanas, está posto. Em desespero, Karzai está tentando chegar a um acordo com o Taliban, ou um setor dele no sul, como o Paquistão tem feito.
Irã
Sobre o Irã, os EUA tem sido obrigados a reverter sua política de 27 anos ao oferecer negociações com um regime descrito por Bush como um do “eixo do mal”. Embora a Secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, declare que não há uma ‘grande barganha’ em oferta ao Irã, está claro que os EUA se equivocaram. Seu rosnar de dentes não teve sucesso em eliminar o programa nuclear do Irã. Um observador comentou que a abordagem dos EUA com o Irã sobre seu programa nuclear e a possibilidade de armas nucleares no futuro equivale a um ultimato: “Por favor entregue sua arma e então irei matar você.”
Embora haja uma massiva oposição interna ao regime dos mullahs de Teerã, dado a história de intervenção imperialista e a resistência nacionalista a este pelo povo iraniano, a maioria dos iranianos são implacavelmente contra as ameaças de Bush e do imperialismo.
Ao contrário das expectativas de Bush, a intervenção no Iraque, longe de enfraquecer o Irã, fortaleceu enormemente sua posição como poder regional no Oriente Médio. Através dos seus contatos com o Hezbollah e por causa da retirada da Síria do Líbano, tem agora um papel maior lá. Também interviu para financiar o Hamas em seu conflito com a Autoridade Palestina.
Recorde nos preços do petróleo e um aumento do comércio com a Rússia, China e Índia tem permitido ao Irã não dar importância à pressão dos EUA para encerrar seu programa nuclear. Há setores do governo americano – liderados, parece, pelo vice-Presidente Cheney – que ainda desejam recorrer para a solução militar.Mas uma invasão militar em larga escala do Irã, 3 vezes mais populoso que o Iraque, está descartada. O bombardeio das instalações nucleares do Irã, contudo, ainda é uma opção que ‘permanece na mesa’, tal é o louco ponto de vista da administração Bush.
Contudo, devido à oposição de outras potências capitalistas, os EUA parecem estar sendo forçados a botar até mesmo este plano na geladeira, preferindo deixar para a Europa em particular, China e Rússia, a pressionar o Irã para chegar a algum tipo de compromisso.
Nos opomos ao uso da energia nuclear pelo Irã, sem falar na aquisição de armas nucleares.Não obstante, é pura hipocrisia para os EUA denunciar o regime iraniano enquanto o Irã está cercado por todos os lados de potências nucleares – alguns, como Israel, armados até os dentes pelo imperialismo estadunidense.
Enfraquecimento
A mudança de abordagem dos EUA sobre o Irã significa o enfraquecimento de sua posição, um retrocesso para a filosofia da administração Bush de unilateralismo e ‘ataques preventivos’ contra os inimigos perceptíveis dos EUA.
Sua proeza militar não está subscrita, como foi o caso no passado, por sua posição econômica dominante. Ele está sendo enormemente enfraquecido pela escavação de sua economia pela desindustrialização e sua dependência do capitalismo asiático, especialmente a China, para tapar o déficit de 7% na sua balança de comércio ao comprar seus bens em dólares. Por quanto tempo isso vai continuar é outra questão, como temos explicado em números anteriores do The Socialist [Jornal do Partido Socialista].
Uma coisa está clara: o mandato do imperialismo estadunidense não será inquestionável, seja no mundo neo-colonial ou outro lugar. De fato o projeto mundial da dominação imperialista dos Eua está sendo severamente posto em cheque. As greves de massas sobre a questão da imigração nos EUA, junto com o crescente descontentamento dos trabalhadores americanos, também são uma indicação da colossal oposição social que está sendo produzido domesticamente nos EUA. Internacionalmente, a França e agora o Chile mostram a massiva oposição mundial ao capitalismo e imperialismo.
Isso é abastecido pela enorme divisão de riquezas, que está sendo agora desafiada pelos trabalhadores e a oposição de massas demonstrada pela guerra do Iraque e as belicosas ações internacionais do imperialismo dos EUA. Isso ainda não encontrou uma expressão política organizada na formação de um distinto partido operário de massas dos trabalhadores dos EUA, mas as ações do regime Bush estão preparando o terreno precisamente para tal desenvolvimento.
O brutal Império Romano provocou a revolta dos escravos - este ‘império’ moderno fará algo parecido. Contudo, os escravos de Roma não podiam oferecer uma forma melhor de produção e desenvolvimento da sociedade. Os modernos escravos assalariados do capitalismo, tanto no mundo ‘avançado’ quanto no neo-colonial, representam o progresso humano, o futuro do socialismo e uma economia planificada mundial em resposta ao militarismo e barbarismo do imperialismo estadunidense e o sistema mundial que ele defende hoje.