quinta-feira, julho 31, 2008

É o petróleo, estúpido

 

*NOAM CHOMSKY

O acordo entre o ministério iraquiano do petróleo e quatro companhias petrolíferas ocidentais levanta questões delicadas quanto aos motivos da invasão e da ocupação do Iraque pelos Estados Unidos. Estas questões deviam ser levantadas pelos candidatos às eleições presidenciais e discutidas seriamente nos EUA, assim como no Iraque ocupado, onde parece que a população desempenha apenas um papel menor - se é que desempenha - na definição do futuro do país.

As negociações relativas à renovação das concessões petrolíferas, perdidas quando das nacionalizações que permitiram aos países produtores recuperar o controle dos seus próprios recursos, estão bem encaminhadas para serem entregues à Exxon Mobil, Shell, Total e BP. Estes parceiros originais da Companhia Petrolífera Iraquiana são acompanhados agora pela Chevron e por outras companhias petrolíferas de menor dimensão. Estes contratos negociados sem concorrência, aparentemente redigidos pelas companhias petrolíferas com a ajuda dos oficiais americanos, foram preferidos às ofertas formuladas por mais de 40 outras companhias, especialmente chinesas, indianas e russas.

O mundo árabe e parte da população americana suspeitavam que os Estados Unidos tinham entrado em guerra precisamente para proteger a riqueza petrolífera que estes contratos procuram garantir’, escreveu Andrew E. Kramer no New York Times. A referência de Kramer a uma suspeita é um eufemismo. É, além disso, mais provável que a ocupação militar tenha ela própria impulsionado a restauração de uma odiada Companhia Petrolífera Iraquiana, instalada na época da dominação britânica afim de ‘se alimentar com a riqueza do Iraque no quadro de um acordo notoriamente desequilibrado’, como escreveu Seamus Milne no Guardian.

A necessidade dificilmente poderia ser mais premente. O Iraque possui provavelmente a segunda reserva mundial de petróleo, que se caracteriza além disso por baixos custos de extração: sem permafrost [1], nem areias betuminosas a transpor, nem perfuração em águas profundas para empreender. Para os planificadores americanos, é imperioso que o Iraque permaneça, na medida do possível, sob o controle dos Estados Unidos, como um Estado cliente dócil apropriado para acolher bases militares em pleno coração da primeira reserva energética mundial. Que esses eram os objetivos fundamentais da invasão foi sempre claro, apesar da cortina de fumaça de sucessivos pretextos: Armas de destruição em massa, ligações de Saddam com a Al-Qaeda, promoção da democracia e da guerra contra o terrorismo.

Em novembro último, estas preocupações tornaram-se explícitas quando o Presidente Bush e o Primeiro ministro iraquiano, Nouri Al-Maliki, assinaram uma ‘Declaração de princípio’, com total desprezo pelas prerrogativas do Congresso americano e do Parlamento iraquiano, assim como da opinião das respectivas populações.

Esta Declaração permite uma presença militar indefinida no Iraque, em coerência com a edificação em curso de gigantescas bases aéreas em todo o país, e da ‘embaixada’ em Bagdá, uma cidade na cidade, sem qualquer semelhança em todo o mundo. Tudo isto não é construído para ser em seguida abandonado.

A declaração encobre igualmente uma descarada afirmação quanto à exploração dos recursos do Iraque. Nela se afirma que a economia iraquiana, isto é os seus recursos petrolíferos, deve ser aberta aos investimentos estrangeiros, ‘especialmente americanos’. Isto é quase como um anúncio de que nós invadimos para controlar o vosso país e dispor de um acesso privilegiado aos vossos recursos.

A seriedade destas intenções foi sublinhada pelo ‘signing statement’[2] do Presidente Bush declarando que rejeitará qualquer texto do Congresso suscetível de restringir o financiamento necessário para permitir ‘o estabelecimento de qualquer instalação ou base militar necessária para o abastecimento das Forças Americanas que estão permanentemente estacionadas no Iraque’ ou o ‘controle dos recursos petrolíferos iraquianos pelos Estados Unidos’.

O recurso extensivo aos ‘signing statements’, que permitem ao poder executivo  estender o seu poder, constitui outra das inovações práticas da administração Bush, condenada pela American Bar Association (Associação de advogados americanos) como contrária ao Estado de direito e à separação constitucional dos poderes.

Uma ironia é que o Iraque está se transformando pouco a pouco num condomínio americano-iraniano. O governo de Maliki é a componente da sociedade iraquiana sustentada ativamente pelo Irã. O chamado exército iraquiano - exatamente uma milícia entre outras - é largamente constituído pela brigada Badr, treinada no Irã e que foi constituída do lado iraniano durante a guerra Irã-Iraque.

Podemos presumir que Teerã gosta de ver os Estados Unidos instalarem-se e apoiarem um governo iraquiano receptivo à sua influência. Para o povo iraquiano porém este governo constitui um verdadeiro desastre e vai provavelmente prejudicá-lo mais.

Nos Estados Unidos, os Democratas são reduzidos ao silêncio pelo pretenso sucesso da ofensiva militar americana no Iraque. Mas o seu silêncio trai a ausência de oposição de princípio à guerra. Segundo a sua forma de ver o mundo, o fato de se alcançarem os fins justifica a guerra e a ocupação. Os apetitosos contratos petrolíferos são obtidos com a conquista do território.

De fato, a invasão no seu conjunto constitui um crime de guerra - crime internacional supremo, que difere dos outros crimes de guerra porque gera, segundo os próprios termos do julgamento de Nuremberg, todo o mal causado em seguida. Isto está entre os assuntos impossíveis de abordar na campanha presidencial ou em qualquer outro quadro. Porque estamos no Iraque? Qual é a nossa dívida para com os iraquianos por ter destruído o seu país? A maioria do povo americano deseja a retirada das tropas americanas do Iraque. A sua voz tem importância?
[1] Permafrost - tipo de solo das regiões árticas, permanentemente congelado.
[2] Ato pelo qual o Presidente dos Estados Unidos modifica o significado de um texto de lei.

* Lingüista norte-americano. O presente artigo – do qual publicamos os principais trechos - foi originalmente publicado no jornal indiano Khaleej Times.

segunda-feira, julho 28, 2008

Curso Atlas Preparatório para o CACD



As matrículas para o Curso Intensivo de Preparação para o CACD poderão ser realizadas no Colégio Rosário de segunda a sexta das 19h às 22h diretamente com o Coordenador Pedagógico do Curso, diplomata Maurício Costa.
Ele estará disponível para esclarecer dúvidas relativas ao curso e à carreira diplomática, bem como os interessados poderão participar de uma aula experimental de redação.

Curso Intensivo de Redação para o CACD
Ministrante: Diplomata Me. Maurício Costa
Carga horária: 15h
Horário: das 19 às 22h
Local: Colégio Rosário
Metodologia: serão quatro aulas teóricas, de 3h de duração, nas quais serão apresentados e discutidos os critérios de correção da banca da segunda fase do CACD, de acordo com as correções aplicadas a espelhos originais das provas. Também serão analisados espelhos de correção originais de redações aprovadas e reprovadas, para a melhor compreensão das exigências dessa etapa do concurso. Na última aula, será realizado simulado de redação com os candidatos matriculados.
Investimento: R$ 300
As matrículas poderão ser realizadas no local.

Contamos com a participação de todos.


Curso Atlas - Seu Passaporte Para a Carreira Diplomática
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Cordialmente,

Profº Jeferson Pitol Righetto
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domingo, julho 27, 2008

Quer ter menos produção? Use transgênicos!





DEBATE ABERTO

Quer ter menos produção? Use transgênicos!

Em abril de 2008, a Universidade do Kansas publicou um estudo que demonstra, após analisar a produção do setor cerealista dos Estados Unidos durante os últimos três anos, que a produtividade dos cultivos transgênicos (soja, milho, algodão e canola) foi menor do que na época anterior à introdução de transgênicos.

Silvia Ribeiro

Recentemente, a Monsanto declarou à imprensa do México que a próxima publicação do chamado 'Regime Especial de Proteção ao Milho', permitirá que a empresa inicie experimentos com milho transgênico. Que ironia histórica que esse regime, em vez de proteger o milho e seus povos, seja outro presente que o governo faz às transnacionais que privatizaram as sementes, chave de toda a rede alimentar e patrimônio camponês legado à humanidade. E o que é o cúmulo, produzem menos!

O argumento das autoridades, dando suporte às idéias das empresas, é justamente que os transgênicos são necessários —apesar dos múltiplos impactos culturais, ambientais e para a saúde que implicam— porque aumentariam a produção agrícola. Um argumento que, diante da crise alimentar, tem sido acolhido por muitos outros governos e instituições. Contudo, essa afirmação é falsa.

Em abril de 2008, a Universidade do Kansas publicou um estudo que demonstra, após analisar a produção do setor cerealista dos Estados Unidos durante os últimos três anos, que a produtividade dos cultivos transgênicos (soja, milho, algodão e canola) foi menor do que na época anterior à introdução de transgênicos. A soja apresenta uma diminuição de rendimento de até 10%. A produtividade do milho transgênico foi menor em vários anos e em outros igual ou imperceptivelmente maior, dando um resultado total negativo quando comparado às variedades convencionais. Também mostram menor rendimento a canola e o algodão transgênicos, segundo dados levantados em períodos de vários anos. (E em todos os casos as sementes são mais caras que as convencionais, ou seja que a margem de lucro dos agricultores também é menor).

Este estudo confirma vários outros anteriores. Em 2007, a Universidade de Nebraska encontrou que a soja transgênica da Monsanto produzia 6% menos que a mesma variedade da empresa em versão não transgênica e até 11% menos que a melhor variedade disponível de soja não transgênica. Outros estudos, inclusive um do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, em abril 2006, mostram resultados similares.

Definitivamente, os transgênicos não são mais produtivos.

A razão principal, explicam os estudos, é que a transgenia altera o metabolismo das plantas, o que, em alguns casos, inibe a absorção de nutrientes e, em geral, demanda maior energia para expressar características que não são naturais da planta, diminuindo sua capacidade de desenvolver-se plenamente.

A explicação da Monsanto perante o estudo da Universidade do Kansas, foi que 'os transgênicos não estão projetados para aumentar a produtividade'. (The Independent, 20/4/08)

Monsanto, Dupont-Pioneer e Syngenta, são as três maiores empresas do mundo em transgênicos, e também em todo tipo de sementes comerciais. A Monsanto controla quase 90% das sementes transgênicas e, juntas, as três controlam 39% do mercado mundial de todas as sementes e 44% das sementes sob propriedade intelectual.

Por que, então, estas empresas —que também são donas das sementes híbridas não transgênicas— insistem em vender suas sementes que produzem menos e requerem mais agroquímicos? Em parte, porque elas também são grandes fabricantes de agroquímicos, mas principalmente porque todos os transgênicos são patenteados e, portanto, a contaminação passa a ser um grande negócio.

As sementes híbridas também cruzam com variedades nativas. Mas são cruzamentos de milho com milho, diferente dos transgênicos, onde o cruzamento contamina com genes de bactérias, vírus ou qualquer outra espécie com a qual tenha sido manipulado. Mas a diferença fundamental para as empresas é que com os transgênicos a contaminação é um delito imputável às vítimas.

Qualquer camponês ou agricultor que for contaminado ou que use as sementes transgênicas que comprou da Monsanto para plantar novamente (ou seja, que exerça o 'direito dos agricultores') usa sua patente sem permissão e comete um delito pelo qual pode ser processado.

A Monsanto já cobrou mais de 21,5 bilhões de dólares por meio de processos contra agricultores nos Estados Unidos (Center for Food Safety). Agora, acaba de iniciar um processo mais agressivo, contra toda a cooperativa de agricultores Pilot Grove Cooperative Elevador Inc. do Missouri. Segundo a Monsanto, a cooperativa não paga suficientes royalties. O agricultor David Brumback, que se autodefine como 'fiel comprador' dos transgênicos da Monsanto há anos, expressa sua raiva e afirma que 'para a Monsanto todos somos culpados'. (CBS 4 Denver, EUA, 10/7/08). É isto que espera aos agricultores do Norte do México que pedem milho transgênico. E também àqueles que não querem esse milho, mas serão contaminados.

Uma vez no campo, a contaminação transgênica é inevitável, é somente uma questão de tempo. As medidas contidas no vergonhoso 'regime de proteção' que esgrimem as secretarias do meio ambiente e de agricultura do México (Semarnat e Sagarpa) não apenas são limitadas e ignorantes. Diretamente não fazem sentido, porque nunca serão repetidas em condições reais nos campos dos agricultores se for aprovado o cultivo comercial.

Os chamados 'experimentos' são outra falácia, como a Lei Monsanto (lei de biossegurança), para legalizar a contaminação generalizada e a caçada de agricultores promovidas pelas transnacionais contra os interesses do campo, contra o coração dos povos e às custas do patrimônio genético mais importante do México.

Tradução: Naila Freitas / Verso Tradutores


Silvia Ribeiro é pesquisadora do Grupo ETC.





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terça-feira, julho 15, 2008

Emergentes entram no jogo: BRICs X G8

A crise mundial está produzindo dois fenômenos envolvendo, de um lado, países desenvolvidos; e de outro, os emergentes (Brasil, China, Índia e Rússia).
O primeiro é sobre quem paga a conta da crise atual. O segundo, sobre como será o mundo daqui para diante, qual o novo perfil da economia mundial com uma crise que permitirá a emergência de novos atores globais.
Leia mais clique no link abaixo:
projetobr.ig.com.br - Artigo

Sudaneses rechaçam Corte Internacional e vão às ruas em defesa do presidente Bashir

 

 

Milhares de pessoas saudaram o presidente do Sudão, Omar Al Bashir, e repudiaram o parecer do procurador da Corte Criminal Internacional (CCI), Luis Moreno-Ocampo, que acusa o Bashir de genocídio, referindo-se à ação governamental contra rebeldes na região de Darfur. O ato aconteceu no Estádio da Amizade, na capital sudanesa, Cartum.

O presidente Bashir chegou ao palco ladeado pelo seu vice, Ali Osman Taha, que teve papel decisivo na construção do “Amplo Acordo de Paz” assinado em 9 de junho de 2005, que pacificou a maior parte do país acabando com o conflito envolvendo rebeldes ao sul, e o primeiro-vice-presidente Salva Kiir, indicado pelos ex-rebeldes sulistas para compor o governo de coalizão que sucedeu o acordo. O entendimento abriu caminho para negociações com os rebeldes de Darfur, iniciadas em Abuja, na Nigéria, e em andamento.

“O Sudão não hesitará em proteger sua soberania, unidade e segurança e a integridade de seu território. O governo seguirá implementando seus planos pela realização da paz e desenvolvimento por todo o país”, afirmou o ministro da Informação e Comunicação, Al Zahawi Ibrahim Malik.

“Os atentados e conspirações estrangeiras contra o Sudão só vão estimular a resolução do povo e do governo na busca de suas aspirações e objetivos”, afirmou o ministro.

O cantor popular, Jamal Mustafá, compareceu ao ato, onde afirmou: “Minha fé é minha pátria, terra de gente boa e infindáveis recursos. Ela me faz orgulhoso de dizer: sou sudanês, sou africano”.

Neste momento a multidão prorrompeu em aplausos e buscou se aproximar do presidente para apertar sua mão e abraçá-lo. Bashir saudou os sudaneses com as simples palavras: “Allah Kabir” (Deus é grande!). A população seguiu cantando e dançando em desagravo ao presidente e em comemoração à nova lei eleitoral, que ampliará as representações regionais no governo com o intuito de avançar na pacificação do país e por fim ao conflito em Darfur.

A rede de Organizações Voluntárias pela Paz e Desenvolvimento de Darfur conclamou a todas organizações - que como elas – dão suporte aos refugiados na região conflagrada a repudiar as afirmações da CCI contra o presidente do país. “Este parecer busca complicar a situação em Darfur, instigando disputas, sedições e guerra”, denunciou a rede de entidades.

O crime que – aos olhos das corporações e do Império – Bashir cometeu foi impedir as multinacionais do petróleo de saquearem a riqueza do Sudão, fazendo acordos com a China para explorar alguns dos maiores campos do mundo. Este movimento se aprofundou depois que o Sudão repudiou a agressão e ocupação ao Iraque a partir de 2003 pelos EUA. A prospecção e extração de 80% do petróleo sudanês é realizada por empresas chinesas.

 

União Africana destaca esforços pela pacificação de Darfur

“Se indiciarem Bashir e o prenderem haverá um vácuo de poder no Sudão com risco de golpes militares e anarquia espraiada, similar ao que acontece hoje no Iraque”, afirmou o ministro do Exterior da Tanzânia, Bernard Membe, falando em nome do presidente da União Africana, Jakaya Kikwete.

Membe alertou para as conseqüências da acusação por parte da CCI.

“O parecer é grave, neste momento em que há esforços para acabar com a morte em Darfur, para a implementação do acordo de paz Norte-Sul de 2005 e minorar as tensões do Sudão com o Chad”. 

A Organização da Conferência Islâmica em comunicado externou “profunda preocupação com as acusações, o que poderia ameaçar a paz ainda frágil que se busca atingir em Darfur”.

Crise se agrava e leva gigantes do financiamento hipotecário à UTI

 

O FannieMae e o Freddie Mac, os dois principais bancos de crédito para habitação, respondem por 50% da dívida em hipotecas dos EUA – US$ 5 trilhões – e teriam um rombo de US$ 75 bilhões de capital para bancar empréstimos e garantir hipotecas

O sistema de financiamento da habitação dos EUA praticamente entrou em colapso no final de semana, após insistentes rumores e advertências sobre o estado crítico dos dois principais bancos de fomento do setor, o Fannie Mae e o Freddie Mac, levarem o secretário do Tesouro dos EUA, Henry Paulson, a anunciar medidas de emergência. Somados, o Fannie e o Freddie são responsáveis pela metade da dívida em hipotecas dos EUA – US$ 5 trilhões – e teriam um rombo de pelo menos US$ 75 bilhões de capital para bancar os empréstimos e as garantias concedidas a hipotecas.

Na sexta-feira, o quadro era de caos no sistema bancário dos EUA. O segundo maior banco independente do setor de hipotecas, o IndyMac, da Califórnia, faliu. O banco de investimento Lehman Brothers – que tem assento no Fed de Nova Iorque – viu suas ações afundarem 20%. Tornou-se público que Citibank, Merrill Lynch, JP Morgan Chase e Wachovia iriam apresentar novos – e enormes - rombos nos balanços do segundo trimestre. O órgão federal de supervisão do sistema bancário, FDIC, admitiu o risco de quebra de mais “90 bancos”. Para completar, as ações do Fannie Mae e do Freddie Mac, negociadas em Wall Street, desabaram respectivamente 30 e 45% só numa semana.

SOLIDEZ

Faltava pouco para declarar o sistema hipotecário do país na UTI, e Paulson e o presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, ainda tentaram com declarações no Senado dos EUA adiar o colapso. Asseveraram a “solidez” do Fannie e do Freddie e que ambos “estavam regulatoriamente capitalizados”. Mas, antes que a bolsa de Nova Iorque abrisse – e desmoronasse –, Paulson anunciou no domingo urgentes medidas de contenção, e que o Fed de Nova Iorque estava autorizado a garantir os créditos necessários para mantê-las à tona.

Como se vê, além do Fed, agora também dá expediente no domingo o secretário do Tesouro de Bush. A agência Reuters registrou, inclusive, que o governo dos EUA estudava até mesmo a aquisição de ações dos bancos de fomento – “não uma nacionalização”, explicaram, mas uma “tomada de controle” temporária. Criado pelo presidente Roosevelt durante a Grande Depressão para estimular a indústria da construção civil e a venda de moradias, o Fannie Mae empresta para bancos e caixas hipotecárias, e não para o público; foi privatizado em 1968. Posteriormente, foi criado o Freddie Mac, com funções análogas. Apesar de considerado um banco “patrocinado” pelo governo, é uma instituição privada, com ações em Wall Street, e operando com bonds e derivativos.

Desde o estouro da bolha do subprime, as duas empresas vinham sendo pressionadas ao extremo, para absorverem mais e mais hipotecas e papéis bichados dos grandes bancos abalroados pela crise. Em março, quando se deu a bancarrota do Bear Stearns, o governo Bush mandou arrombar os dois bancos de fomento, através de, entre outras coisas, esticar seu limite para compra desses títulos-lixo para aliviar Wall Street. Não se sabe exatamente quanto é o rombo gerado. Artigo do “The New York Times” apontou US$ 11 bilhões. Um ex-diretor do Fed afirmou que o buraco é de US$ 75 bilhões. E com os maiores bancos, corretoras e caixas imobiliárias dos EUA pendurados. 

GARANTIA

O NYT afirmou que “o governo [Bush] chegou até mesmo a analisar criar uma lei que ofereça uma garantia explícita do governo para os US$ 5 trilhões de débito possuído ou garantido pelas companhias”. O que, apontou, seria “uma opção muito menos atrativa, porque efetivamente dobraria o tamanho da dívida pública”. (Além de “ineficaz”, porque “os mercados já aceitam amplamente que o governo está por trás das companhias”). O jornal advertiu, também, que o colapso poderia “causar danos às economias do mundo inteiro, porque os papéis do Fannie e Freddie ‘são mantidos por numerosas instituições financeiras, bancos centrais e investidores estrangeiros’”. A intervenção é permitida por uma lei de 1992, em caso do Fannie e Freddie estarem “criticamente subcapitalizados”.

Outra gravíssima conseqüência, como assinalou o jornal nova-iorquino, é que, como as duas são “de longe, as maiores provedoras de financiamento para empréstimos para a casa própria”, se não tivessem como obter empréstimos “não seriam capazes de comprar hipotecas dos empres-tadores comerciais”. O que, avaliou, “faria mais caro e mais difícil, senão impossível, o crédito para os compradores de casas”, resultando no “congelamento do mercado de moradia nos EUA”.

A intervenção do secretário do Tesouro, e de Bernanke, no domingo, não evitou que, na segunda-feira, as ações do Fannie Mae e do Freddie Mac continuassem no mais baixo ponto em 17 anos. Após serem infladas no início do pregão, voltaram a despencar pesadamente, acabando por encolher 5% (Fannie) e 8% (Freddie). Mas tem mais bancos chegando na UTI. O Washington Mutual viu também na segunda-feira suas ações despencarem 34%, após relatório do Lehman Brothers dizer que terá US$ 21 bilhões de rombo no balanço do segundo trimestre. Já o National City, de Cleveland, – também entre as 500 maiores empresas da “Fortune” – sofreu queda de 14,7% na cotação de suas ações.

ANTONIO PIMENTA - Hora do Povo

Curso preparatório para o CACD em Porto Alegre



Turma intensivo com início dia 04 de Agosto.

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Intensivo- Turma Assis Brasil
Início das Atividades: 4 de agosto.

Fim das atividades: 20 de dezembro.

Mínimo de matriculados: 10.

Módulos: português, inglês, redação, história do Brasil, história mundial, política internacional, geografia, direito e economia.

Carga horária semanal: 24h (de segunda à sexta, das 19 às 22h15min, e sábado, das 9 às 12h15min).

Carga horária total: 432h.

O curso intensivo terá dezenove semanas de aula, nas quais cada módulo terá pelo menos 21 encontros de 1h30min de duração. Serão realizados simulados mensais, aos sábados à tarde, gratuitos para candidatos matriculados no Curso Atlas.

Valor de Investimento:

Módulo individual: R$ 500 à vista ou cinco parcelas de R$ 120;

G8: R$ 2750 à vista ou cinco parcelas de R$ 650;

G4: R$ 1800 à vista ou cinco parcelas de R$ 450.

*Diferentes formas de parcelamento podem ser negociadas diretamente com a administração do curso;

*O Curso Atlas cobre qualquer oferta de preço, desde que comprovada pelo candidato;

*Os candidatos mais bem colocados no simulado do dia 25 de julho concorrem à bolsa de preparação e a desconto progressivo, desde que preenchido o número mínimo de matrículas para abertura da turma.

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Profº Jeferson Pitol Righetto
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terça-feira, julho 08, 2008

“Prendam Bush, o criminoso de guerra!”, gritam americanos em solenidade oficial no 4 de Julho


Diversas pessoas que participavam de uma cerimônia de celebração da independência na casa de Thomas Jefferson – principal autor da Declaração de Independência dos EUA e presidente de 1801 a 1808 - interromperam o discurso de Bush no dia 4 de julho denunciando-o como “criminoso de guerra” e “fascista”. A cerimônia é feita tradicionalmente na residência de Jefferson, em Monticello, na Virginia.

A primeira manifestante a se levantar no público foi uma mulher que ergueu uma bandeira em que se lia “Criminoso de Guerra”. Ela foi retirada da cerimônia por policiais.

Em seguida outros manifestantes se levantaram, um a um, enquanto Bush discursava. Um deles tinha um cartaz em que se lia: “Defendamos a Constituição! Processemos Bush!”. Outro manifestante ergueu: “Ele trouxe o fascismo para nosso país!” e outro ergueu: “Fascista! Estado policial!”. Outra mulher afirmou em voz alta que Bush deveria ser julgado por seus crimes de guerra.

Após sair da cerimônia, Bush encontrou-se com outro grupo de manifestantes quando se encaminhava para seu helicóptero. “Prendam Bush!”, gritavam. Assim como durante o discurso, rapidamente um grupo de seguranças reprimiu os manifestantes.

Com a privatização, monopólios estrangeiros controlaram produção e preço dos fertilizantes

Um levantamento elaborado pelo diretor-executivo da Associação dos Misturadores de Adubos do Brasil (AMA), Carlos Florence, aponta que em 1993 – antes da privatização das estatais responsáveis pelo setor de fertilizantes - o Brasil produzia 47% do total de nitrogênio, fósforo e potássio (NPK) utilizado no país.
Hoje, importa 72% dos três principais insumos do setor. Só do nitrogênio, a relação nacional/importado de 60% e 40% em 93, passou a ser de 24% e 76% no ano passado. Apesar de ter grandes jazidas, a produção interna brasileira só cresceu 52% enquanto a importação subiu 249%.
Com as estatais Ultrafértil, Fosfertil (privatizadas) e Petromisa (extinta em 1991) fora do páreo, as três transnacionais que dominam o setor (Bunge, Cargill e Yara) promoveram aumentos abusivos nos preços dos insumos. No caso do enxofre chegou a 900% em apenas um ano, de maio de 2007 a maio de 2008. O ácido fosfórico subiu 259% e o cloreto de potássio 246%.
A especulação externa com os preços dos alimentos preocupa o governo que já estuda medidas para aumentar a produção nacional de fertilizantes, responsáveis por 40% do custo da produção agrícola.
“O presidente Lula está muito atento e tem recomendado a mim que tome as providências para corrigir as deficiências para que o Brasil tenha uma produção maior de fertilizantes”, afirmou o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, esta semana. A proposta do governo é apresentar até o final do ano um plano que torne o Brasil auto-suficiente nos insumos em 10 anos.
O ministro informou que, entre as propostas, o governo pretende estabelecer prazos para que os detentores de outorga de exploração iniciem a produção das minas de matérias-primas de fertilizantes.
“Em princípio, nós queremos que nossas minas sejam exploradas. Mas, se for necessário, evidentemente a Petrobrás terá que entrar nisso. Se for o caso, nós vamos agir também, ou até reestatizar alguns setores que são necessários”, declarou o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes.




Desemprego aumenta nos Estados Unidos pelo sexto mês consecutivo

 

O desemprego nos EUA cresceu pelo sexto mês consecutivo, atingindo 5,5% em junho, informou na quinta-feira, 3, o Departamento de Trabalho do governo norte-americano.

O Departamento também anunciou que houve uma perda líquida de 62 mil empregos em junho. No primeiro semestre deste ano a economia dos EUA teve uma perda líquida de 438 mil postos de trabalho, segundo dados oficiais.

O índice de desemprego tinha subido de 5,1% em abril para 5,5% em maio, o maior aumento em duas décadas. Os dados de abril também sofreram revisão negativa, o que fez com que o número de postos de trabalho fechados em abril e maio subisse para 129 mil, ou 52 mil a mais do que o inicialmente calculado.

Outro índice mais amplo do desemprego, que inclui as pessoas que desistiram de buscar trabalho, subiu de 9,7% em maio para 9,9% em junho, o nível mais alto em quatro anos.

O número de pessoas que têm um emprego de meio período porque não encontram um de tempo integral subiu 3,5% em junho e chegou a 5,4 milhões. Em um ano, esse contingente de trabalhadores aumentou em 1,1 milhão de pessoas e está em seu número mais alto em 14 anos.

O líder da maioria democrata no Senado, Harry Reid, afirmou que “é muito preocupante que o país continue perdendo postos de trabalho enquanto sobe o custo da vida e continua a crise do setor imobiliária”. Segundo Reid, tudo isto “deixa mais em evidência o fracasso da política econômica” de Bush.

sexta-feira, julho 04, 2008

Alta dos alimentos e petróleo é criada por bancos que perderam com imóveis nos EUA

Lula cobra do G-8 ação contra especuladores

Elevar juro no Brasil é fazer o justo pagar pelo pecador

Em pronunciamentos durante a reunião do Mercosul, na Argentina, na terça-feira, e também no lançamento do Plano Agrícola e Pecuário 2008/2009, na quarta-feira, em Curitiba, com o governador do Paraná, Roberto Requião, o presidente Lula responsabilizou os bancos estrangeiros pelo aumento do preço dos alimentos e disse que vai cobrar medidas durante a reunião do G-8, na próxima semana. “Os bancos que perderam dinheiro na especulação imobiliária estão agora tentando ganhar dinheiro especulando com o alimento e especulando com o petróleo”, afirmou.


Lula: EUA e Europa acobertam sua crise e seus especuladores

Presidente convoca o Mercosul a investir mais e dar um banho de produção nos países ricos

O presidente Lula denunciou, em pronunciamentos durante a reunião do Mercosul, na Argentina, na terça-feira, e também no lançamento do Plano Agrícola e Pecuário 2008/2009, na quarta-feira, em Curitiba, com o governador do Paraná, Roberto Requião, a especulação externa com alimentos e petróleo. Ele informou que vai cobrar dos países ricos uma ação contra os especuladores, durante a reunião do G8, na próxima semana. Abaixo os principais trechos dos pronunciamentos.

“Os bancos que perderam dinheiro na especulação imobiliária estão agora tentando ganhar dinheiro especulando com o alimento e especulando com o petróleo. Não há nenhuma outra explicação para o petróleo estar a 140 dólares. Quando a gente pergunta à Petrobrás, ao nosso amigo Chávez, a quem tem petróleo, eles falam: ‘É o consumo da China, porque a China compra tudo’. É meia-verdade. A outra verdade é que a quantidade de petróleo vendido no mercado futuro é igual ao consumo da China. Portanto, não é uma China, são duas Chinas: uma real, que consome; a outra, fictícia, que está especulando.

“Sobre a crise imobiliária americana, vejam que o FMI não está lá, eles não falam de ajuste fiscal, os bancos europeus que perderam bilhões e bilhões não aparecem na conta. Se fosse o coitado do Brasil, estaria todo mundo aqui querendo meter o bedelho, como se nós fôssemos um potinho de água benta, todo mundo querendo colocar o dedo. Lá eles vivem uma crise profunda e não se mexem.

“Eu lembro perfeitamente bem daquela reunião na cidade de Lima, com a União Européia, em que eu imaginava que esses temas viriam a público. Como não houve espaço para que nenhum de nós falasse, o máximo que nos coube foi ser relatores dos grupos a que pertencíamos. Os oradores foram europeus, e não entrou nem o tema dos alimentos, nem o tema do subprime.

“Parece que não aconteceu a crise, parece que os Bancos Centrais europeus não perderam dinheiro, e até agora o FMI não deu um único palpite de como os americanos devem consertar a sua economia, em função da especulação. Esse assunto também não está sendo discutido.

“O dado que é, eu penso, preocupante, é que nós temos dois produtos importantes (milho e soja) no desenvolvimento dos nossos países, e também na alimentação da Humanidade, que não estão sendo discutidos com muita clareza. Primeiro, o chamado mercado futuro de alimentos: no Brasil eu criei uma equipe de economistas para investigar e pesquisar o que existe de verdade por trás disso. O dado concreto é que tem uma especulação no mercado futuro que permite a um produtor de milho ou de soja vender a sua produção de três anos sem ter produzido - e o que pode ser grave é que o preço no mercado futuro precifica o preço do presente. Isso pode ser extremamente grave. É preciso que a gente aprofunde essa investigação para saber o que está acontecendo de verdade”.

REUNIÃO DO G-8

“É esse discurso, Requião, que eu pretendo levar na semana que vem ao G-8, em Tóquio, quando vou me encontrar com os países ricos.

“O mundo desenvolvido, companheiros, quando quer discutir o preço dos alimentos, joga a culpa em cima da cana-de-açúcar. Eu fui agora na FAO e disse para eles não apontarem seus dedos sujos de óleo e de carvão para o etanol limpo deste país. Eles não querem discutir quanto o petróleo tem de incidência no custo do fertilizante, eles não querem discutir quanto o petróleo tem de incidência no custo do frete, no custo da energia, eles não estão dispostos a discutir isso. E também não têm nenhuma explicação para o petróleo estar a 140 dólares o barril, nenhuma explicação.

“Temos que nos preparar para enfrentar isso. Aqui no Brasil, este lançamento do Plano de Safra é a primeira etapa. Amanhã, lançaremos o plano da agricultura familiar, em que também teremos uma palavra de ordem: dobrar a produção de cada pequena propriedade. Vamos anunciar o financiamento de 60 mil tratores para a agricultura familiar. Nós queremos fazer uma revolução, porque, quando o mundo precisar comer, o Brasil tem que dizer: venha comprar, o Brasil tem para vender.

“Tudo isso, que é tratado pela imprensa como se fosse uma crise e é vendido no mundo como se fosse uma crise, nós, brasileiros, sem nenhuma arrogância e sem nenhuma presunção, precisamos encarar que o que para os outros é uma crise, é para nós uma extraordinária oportunidade de nos transformarmos verdadeiramente no celeiro do mundo, que tanta gente preconizou a vida inteira”.

MERCOSUL E IMIGRAÇÃO

“Há alguns anos este bloco parecia desacreditado. Nossas economias passavam por dificuldades e muitos de nós experimentávamos sentimentos de frustração. Os parceiros menores sentiam, com razão, que não lhes chegavam os benefícios da integração. Resolvemos enfrentar as dificuldades dobrando a aposta no Mercosul.

“A lógica que predominava aqui na América do Sul era a lógica de quem era mais amigo da Europa ou de quem era mais amigo dos Estados Unidos. Eu lembro que a Argentina tinha um presidente, e o Brasil tinha outro, que ficavam disputando quem conversava mais com os governantes da Europa e dos Estados Unidos. Nós não precisamos disso.

“Hoje estamos colhendo os frutos das decisões tomadas ao longo desses últimos anos. O Mercosul demonstrou ser um instrumento fundamental para aumentar o comércio, fomentar os investimentos e gerar empregos. Permite aos nossos cidadãos se conhecerem melhor e se sentirem cada vez mais parte desse projeto comum.

“Vocês acompanharam a lei da imigração, aprovada pelo Parlamento Europeu, vocês estão acompanhando a lei da imigração feita pela Itália, e eu tenho claro que só tem um jeito da gente evitar imigração: garantir a possibilidade de trabalhar e de viver no seu país de origem. Se não for assim, as pessoas vão migrar para outros países”.

Hora do Povo

quarta-feira, julho 02, 2008

O tempo e o horizonte da agricultura familiar

A TERRA E O NOSSO FUTURO

O tempo e o horizonte da agricultura familiar

Paul Singer compara o modo como o agronegócio empresarial e a agricultura familiar se relacionam com o tempo: para o primeiro, a relação com o tempo é medida pelos prazos de envios dos relatórios à bolsa de valores a cada três meses. Já para a agricultura familiar, o horizonte são as gerações, os filhos e os netos. Essa diferença diz muito sobe os conceitos de desenvolvimento e progresso em debate hoje.

Falando sobre agricultura familiar e economia no campo brasileiro, Paul Singer, Secretário Nacional de Economia Solidária fez uma platéia de quase mil pessoas poder refletir sobre tempo, natureza humana e temporalidade das ações, na relação com o meio ambiente. O fôlego e a densidade do debate aberto pelo professor titular em macroeconomia da USP, contudo, não assustaram os participantes desta I Conferência Nacional. Nem poderiam. Com a simplicidade que lhe é característica, o professor analisou alguns dos problemas que têm contribuído para que a relação entre a humanidade e o planeta tenha tomado a forma de uma contradição manifesta. E a aparência de um destino.

Um desses problemas é o modo como as atividades econômicas produtivas e lucrativas se relacionam com o tempo. Para o agronegócio empresarial que transformou a agricultura num dos braços do mercado de commodities, a relação com o tempo é medida pelos prazos de envios dos relatórios e balanços financeiros à bolsa de valores, em regra, a cada três meses. Já para a agricultura familiar, anotou Paul Singer, "o horizonte são as gerações, dos seus filhos, dos seus netos".

Um horizonte mais largo é por si só uma diferença importante? A destruição da natureza pelo homem é medida somente pelo tempo? Não, mas a qualidade das mudanças provocadas pelas atividades econômicas determinam, pelo menos ao longo dos últimos séculos, a temporalidade da vida na sociedade e, por conseguinte, da relação dos homens com a exploração, dominação e uso dos recursos da natureza. E é nessa qualidade que reside a diferença entre o potencial predatório do mercado de commodities em relação, por exemplo, à atividade econômica da agricultura familiar.

Porque essa diferença evidencia que a qualidade das mudanças nos preços de commodities não depende de contrapartidas ou referências reais para se constituir, de modo que pode nunca deixar de ser uma mera arbitrariedade, não à toa chamada por Marx de fetiche. No reino da troca absoluta, nada se mede na realidade e a mudança deixa de ser categoria determinante da inteligibilidade dos fenômenos sociais.

E é assim, despedindo-se da realidade, que a lógica capitalista se permite destruir recursos naturais como fosse uma conseqüência, se assim se pode dizer, natural. Em contrapartida, marcar o tempo na duração de gerações constitui uma qualidade completamente distinta de mudança na natureza, sobretudo na atual quadra histórica. Entender essa diferença, contudo, não requer compromissos com versões finalistas da história: não é o progresso versus o atraso o que explica a diferença entre a temporalidade do mercado de commodities e a temporalidade marcada nos rostos e na carne das pessoas que vivem de, com e através dos recursos naturais, como é o caso da agricultura familiar, exemplarmente.

Disso se segue que não se trata de julgar a velocidade do mercado de commodities em oposição, puramente ideológica, à atividade produtiva das populações que produzem alimentos, segundo padrões sustentáveis, mas de levar o tempo a sério, como uma das características que determinam o estado das coisas no mundo, entre elas, a da atual crise de alimentos.

Pode parecer evidente que a velocidade de uma colheita não é comparável à avaliação de preços numa tarde da Bolsa de Mercadorias Futuras. Então, o que é mesmo que torna essa velocidade um problema sério, inclusive quanto ao meio ambiente? Paul Singer responde a essa pergunta possível com um olhar prudente sobre a construção de modelos de sociedades, sobretudo a partir de "postulados" a respeito da natureza humana, isto é, a partir de abstrações; um olhar, vale dizer, que vê no diagnóstico das teorias neoclássicas da natureza humana um problema: se a medida do tempo não é única, quando tomada com referência às coisas que mudam e que são mudadas na natureza, faz sentido referir-se aos homens como indivíduos prontos e acabados?

Com que autoridade se deduz e pretende legitimar um sistema econômico e político a partir de postulações sobre a natureza humana? Não estaria ela, a própria natureza humana, submetida ao tempo? Ou seria um conceito estático, caído no planeta recentemente, vindo sabe-se lá de onde? Para Singer, nós não apenas não conhecemos a natureza humana e não podemos pensá-la a despeito do fato de que ela está sempre mudando.

Qual ou quais as contrapartidas às marchas do tempo de que se fazem as histórias, do capitalismo e das suas resistências? Qual o pressuposto metodológico que autoriza o marxismo a, desde sempre, sustentar a sua crítica à economia política em todas as suas variantes? O pressuposto é uma unidade entre pensamento e experiência, entre sujeito e objeto, entre intenção e extensão, que tornou a história e o pensamento do tempo histórico elementos centrais para o entendimento e a superação das contradições incontornáveis do capitalismo, que hoje ganham a dimensão de ameaça climática e alimentar, no planeta.

É um pressuposto de que a prática ensina, à medida que a intenção organiza, e que autorizou Marx a ratificar a tese de que o conceito sem a intuição é vazio e de que a intuição sem o conceito é cega. É assim que as idéias e o exemplo de Paul Singer ganham, devidamente, força. Com a defesa de que o papel dos que pensam é observar, entender, examinar e experimentar, e não postular sociedades e homens fictícios.

"Portanto", disse enfaticamente o professor, "não temos modelo, e eu gostaria de afirmar isso com muita convicção a vocês". Na autocrítica ao método, se assim se pode dizer, socialista, de que Singer se disse herdeiro, ele acrescenta o compromisso de tentar fazer empiricamente, segundo o velho método da tentativa e erro. Assim não se corre o risco, hoje mais evidente que nunca, de destruir, devastar e matar de fome. Assim não se perde a medida real do tempo, para se submeter ao espaço e ao poder que o delírio fetichista tem imposto às economias e estômagos do mundo, sobretudo do mundo pobre e já faminto.

A medida real do tempo se faz de quê, afinal? Da vida das pessoas, de gente e do Planeta. Pode-se considerar a economia solidária como uma utopia; ou uma das iniciativas ingênuas e evasivas que caracterizaram a história da resistência moral à miséria que o avanço do capitalismo deixa como rastro. O problema dessa acusação não é tampouco só de natureza moral – ainda que também o seja -; nem é o preço que ela tem a pagar – que já está pagando; o problema dessa acusação é o destino de Baixio das Bestas, para o campo e as cidades brasileiras.

Na abertura do mais vigoroso e bem dirigido filme brasileiro dos últimos anos, Baixio das Bestas, de Cláudio Assis, pode-se ler uma referência que talvez esclareça esse lembrete: "O tempo vai consumir os engenhos, a usina, a mim e a você", porque, ao contrário do delírio das variantes da economia política do século XIX, cada vez mais capengas e autoritárias, nem o mercado, nem a natureza humana são eternos. Talvez seja isso, afinal, o que a atual crise global de preços e de abastecimento deixe como evidência, empiricamente verificável: a contradição entre humanidade e planeta não é destino.
Agência Carta Maior

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Cordialmente,

Profº Jeferson Pitol Righetto
http://profjefersongeo.blogspot.com/

Mercosul critica subsídios e especulação financeira

CRISE DOS ALIMENTOS

 

Reunidos na Argentina, países que integram o bloco sul-americano fizeram duras críticas ao protecionismo de países desenvolvidos, principalmente Estados Unidos, União Européia e Japão, os que mais subsidiam a produção e exportação de produtos agrícolas.

Marcela Valente - IPS

Data: 02/07/2008

SAN MIGUEL DE TUCUMÁN, Argentina – Os presidentes dos países que formam o Mercosul, grandes exportadores agropecuários, responsabilizaram ontem pela carestia alimentar mundial os subsídios do mundo rico e a especulação financeira. Reunidos na capital da província argentina de Tucumán, os mandatários de Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai, Uruguai e Venezuela, junto com chanceleres do Equador, México e Peru, expressaram sua “preocupação pela situação alimentar mundial”.
O Mercosul é formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. A Venezuela ainda não completou seu processo de integração e Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru são membros associados, status também desejado pelo México que, enquanto isso, participa na qualidade de observador. O presidente venezuelano Hugo Chávez propôs criar um fundo para emergências alimentares financiado com a contribuição de um dólar para cada barril de petróleo vendido acima dos US$ 100. De acordo com um rápido cálculo que fez, com a colaboração da Venezuela seriam arrecadados US$ 920 milhões por ano, já que este país exporta 2,8 milhões de barris diários, segundo dados oficiais.
Os demais governantes se centraram nas causas da crise dos alimentos e expuseram duras críticas ao protecionismo de países desenvolvidos, principalmente Estados Unidos, União Européia e Japão, os que mais subsidiam a produção e exportação de produtos agrícolas. Várias reuniões paralelas de organizações da sociedade civil também carregaram na tinta quanto à necessidade de garantir a soberania alimentar da região, e propuseram que isso seja feito não apenas com assistência, mas com a criação de emprego decente.
Na declaração de encerramento do encontro os presidentes lamentaram a fome que afeta “quase 900 milhões de pessoas no mundo”, mas, disseram que “a causa principal da crise é estrutural e atende causada pelos subsídios à produção, exportação e outras barreiras” aplicadas pelo Norte industrial. Os governantes se comprometeram a “continuar trabalhando” para obter um “resultado justo e equilibrado” na Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio, em busca de um “nível de ambição elevado no acesso aos mercados para a agricultura e os bens industriais”.
A presidente chilena, Michelle Bachelet, garantiu que um final positivo dessa rodada multilateral, destinada a liberalizar os mercados agrícolas, industriais e de serviços, “permitirá aumentar a oferta e baixar os preços dos alimentos”. Sua colega da Argentina, Cristina Fernández, centrou-se em outra causa da crise: a quebra do mercado hipotecário norte-americano, que teve um impacto financeiro nesse país e na Europa, levando os especuladores a “apostarem” em commodities (produtos básicos), afirmou.
A presidente descartou que a América do Sul, exportadora de alimentos, empurre os preços para cima. Tampouco concordou em “culpar” os países em desenvolvimento que aumentaram sua demanda, como China, Índia e outras nações asiáticas. “Parece que o problema é que muita gente que antes não comia, ou comia uma vez por dia, agora come”, ironizou. Fernández recordou que junto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou, no começo de junho, de uma cúpula alimentar da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), onde se falou dos efeitos perniciosos dos subsídios agrícolas, mas, nas conclusões, “não conseguimos colocar uma frase sobre esse assunto”, ressaltou.
“Temos de nos colocar como região diante destes problemas”, disse Fernández e destacou que os países do bloco regional e seus associados não estão crescendo, mas têm mais consumo interno de alimentos e, entretanto, aumentam o volume de produção e exportações. Lula pediu a criação de um grupo de alto nível para discutir segurança alimentar. Nesse grupo, que deve ter “extrema qualidade cientifica e técnica”, os integrantes podem estimar o impacto dos diferentes biocombustíveis na oferta de alimentos.
O presidente Lula está preocupado em diferenciar o combustível eficiente fabricado no Brasil à base de cana-de-açúcar, o etanol, do que é feito a partir do milho nos Estados Unidos, protegido com subvenções internas e barreiras alfandegárias. A respeito da especulação financeira, ordenou a um grupo de economistas investigar os chamados mercados futuro. “O que há por trás disso?”, perguntou. “Pode ser extremamente grave um produtor vender sem produzir o que vai colher dentro de três anos”, alertou.
O presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, também protestou porque “se tenta fazer com que os países que produzem alimentos apareçam como responsáveis pela crise. Nos pedem para abrirmos nossas economias, mas eles fixam objetivos, cotas e fecham seus mercados”, afirmou. Bachelet recordou que a carestia de alimentos ameaça expandir a pobreza e atenta contra a luta para acabar com a fome, a mortalidade infantil e materna, que são parte dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio com os quais a comunidade internacional se comprometeu em 2000. O presidente da Bolívia, Evo Morales, afirmou que a alimentação “é um direito humano básico” e que é obrigação dos governos tornar isso efetivo. “Há grupos que especulam, empresários que só pensam no dinheiro, mas se deve dar uma resposta aos nossos povos”, ressaltou.

Fashion Week, máfias e trabalho escravo

 

ALTAMIRO BORGES*

Nas duas últimas semanas, as elites opulentas e os apreciadores da alta costura se deliciaram com os desfiles de moda no Rio de Janeiro e São Paulo, a paparicada Fashion Week. Jornais gastaram toneladas de papel para comentar cada grife nas passarelas. Já as televisões, com destaque para a TV Globo, ocuparam os espaços nobres com suas reportagens consumistas e hedonistas bem ao gosto dos ricaços. No mesmo período, a mídia burguesa fez de tudo para desqualificar a greve de 230 mil professores paulistas, “que tumultuou o trânsito dos que foram ao desfile na capital”. A visão classista da imprensa ficou escancarada nestas duas coberturas “jornalísticas”.

Sem desprezar a criatividade dos estilistas brasileiros e as peculiaridades desta indústria no país, seria sensato que a mídia não tratasse com tanto glamour este badalado mundo da moda. O livro Camorra, de Roberto Saviano, ajuda a desmistificar este setor altamente lucrativo. Lançado em 2006 na Itália, traduzido em 47 países e com 1 milhão de exemplares vendidos, ele descortina os bastidores deste “negócio”. Para isso, o jornalista italiano se infiltrou na Camorra, a organização criminosa sediada em Nápoles que já suplantou a máfia siciliana em movimentações financeiras. Após sofrer um atentado a bomba, hoje ele vive sob escolta policial e utiliza carros blindados.

Valentino, Versace, Prada e Armani

Na sua corajosa pesquisa, Saviano descobriu que um dos braços da máfia camorrista se estende à indústria da moda. Ele comprova que famosas grifes terceirizam a sua produção junto ao sistema fabril controlado pela Camorra. Muitas confecções inclusive utilizam mão-de-obra de imigrantes ilegais, com base no trabalho escravo. Como aponta Walter Maierovitch, numa resenha do livro para a revista Carta Capital, a obra “acertou em cheio grandes grifes mundiais, como Valentino, Versace, Prada e Armani. Essas empresas desfrutaram deste esquema ilegal, protegendo-se da responsabilidade criminal por meio do ridículo argumento do ‘terceirizei e basta’”.

Somente após a repercussão do livro e as denúncias da Procuradoria Antimáfia da Itália, algumas destas bilionárias empresas começaram a criticar o mercado pirata da moda. A omissão, segundo Saviano, teria os seus motivos. “Denunciar o grande mercado significava renunciar para sempre à mão-de-obra a baixo custo que utilizavam. Os clãs teriam, em represália, fechado os canais de acesso às confecções que controlam no país e as do Leste Europeu e Oriente”. O livro revela como uma empresa legal se compõe com milhares de confecções do “sistema Camorra”. Cita os leilões de modelos em escolas de Nápoles com a presença de compradores das grifes mundiais.

Ao destrinchar como funciona a Camorra, hoje uma poderosa “multinacional” com ramificações em vários setores – alta costura, drogas, contrabando e mercado financeiro –, Saviano mostra as precárias condições de trabalho dos imigrantes ilegais e dos milhares de jovens desempregados, recrutados nas periferias napolitanas. No tráfico de drogas, os jovens fazem entregas com motocicletas fornecidas pelos clãs mafiosos. Depois de várias entregas, eles ganham a moto de presente e realizam um “grande sonho, sem perceber que os capi lucraram muito mais”.

* Jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB e autor do livro recém-lançado “Sindicalismo, resistência e alternativas”

Mexicanos tomam as ruas em defesa do Petróleo

 

Dezenas de milhares de pessoas participaram, no domingo, dia 29, da assembléia em Defesa do Petróleo, realizada na praça central da Cidade do México, o Zócalo, convocada pela ampla aliança de oposição liderada por Andrés López Obrador, do Partido da Revolução Democrática, PRD.

“A mobilização para impedir a privatização da nossa estatal, a Pemex, cresce de forma avassaladora. O governo da fraude faz de tudo para não promover a consulta popular sobre o futuro de nossa principal riqueza. Eles só exibem o medo que têm do povo”, assinalou se referindo ao debate em curso no Congresso Nacional sobre a imediata convocação de um referendo. Informou que já há mais de 200 mil pessoas que organizam brigadas nas cidades contra a privatização da estatal do petróleo. A consulta popular no Distrito Federal está em processo de organização.

Na praça lotada, López Obrador afirmou que “o petróleo não se converterá em negócio de uns poucos; nem nacionais e muito menos estrangeiros”. Também advertiu que o roubo dos recursos petroleiros colocaria o país em perigo de confrontação, de insegurança e instabilidade política.

Durante seu discurso, o dirigente denunciou a existência de um cerco informativo da grande mídia, apontando que por trás da tentativa de privatização da Pemex “está realmente a corrupção do grupo de Calderón e seus acordos inconfessáveis com as multinacionais estrangeiras”.

Acompanhado pelos coordenadores parlamentares na Câmara dos Deputados e no Senado do PRD, PT e Convergência - partidos que compõem a Frente Ampla Progressista -, López Obrador ressaltou que “não é demais reiterar nesta praça pública que estamos dispostos a defender o petróleo com toda a determinação e firmeza que exijam as circunstâncias. E que fique claro: não aceitaremos nenhuma mudança jurídica que viole a Constituição, privatize o petróleo e vulnere a soberania”.

Estrella: o pré-sal será a grande alavanca para o progresso do país

 

O diretor de Exploração e Produção da Petrobrás, Guilherme Estrella, há mais de 30 anos na estatal, é uma das maiores autoridades do setor. Geólogo, formado pela UFRJ, teve papel decisivo no desenvolvimento de tecnologias de exploração de óleo em águas profundas. Em 31 de janeiro de 2003 foi convocado pelo presidente Lula para assumir a tarefa de coordenar os trabalhos de exploração da companhia. Com extraordinária competência na interpretação geológica para fins de exploração de petróleo de grandes regiões e não só de blocos, estudou e mapeou conjuntos de bacias sedimentares inteiras, que resultou na descoberta de petróleo na camada pré-sal. De posse dos dados da mega reserva de Tupi levou ao presidente as informações da Petrobrás que resultou na retirada da nona rodada de licitação da ANP de todos os blocos que estavam na área do pré-sal. Estrella é presidente do Conselho de Administração da Petrobrás e membro do Conselho de Administração da subsidiária Gaspetro e da sua subsidiária Transportadora Associada de Gás S.A.. Em entrevista ao HP, ele afirma que o pré-sal é a grande oportunidade do Brasil, “de efetivamente nos alçarmos a um país com a importância que nós temos: um país deste tamanho, um povo espetacular, criativo, como o que nós temos”.

CLÓVIS MONTEIRO

HP - O que avançou no debate sobre o petróleo nacional a partir do anúncio da descoberta do pré-sal?
ESTRELLA - Está se consolidando na sociedade brasileira a consciência de que o país conta com uma reserva de um insumo energético fundamental para o seu desenvolvimento. O professor Bautista Vidal definiu há alguns anos nosso petróleo e gás como um patrimônio estratégico natural da nação brasileira. Não podemos considerar o petróleo e o gás como commodities, simples commodities. O petróleo e o gás são um patrimônio estratégico natural da Nação brasileira, que pertence ao povo brasileiro. O governo brasileiro tem entendido, tem emitido suas opiniões, também com esse conceito com que nós estamos lidando. Para mim, como diretor da companhia e como cidadão, é extremamente confortável ver o acionista majoritário da companhia, que é o governo brasileiro, emitir opiniões com as quais eu estou inteiramente de acordo.

Um segundo ponto é que a partir da consideração de que o petróleo é um bem estratégico, patrimônio natural da Nação brasileira, do território nacional, vislumbramos a inserção do petróleo no grande planejamento energético nacional. Pela primeira vez a sociedade brasileira tem em suas mãos as condições de fazer um planejamento energético que é fundamental para o desenvolvimento nacional, para a ascensão do Brasil à uma Nação socialmente justa, socialmente correta, e globalmente influente. Um planejamento energético de médio e longo prazo, do ponto de vista da estratégia nacional de desenvolvimento, da justiça social, da distribuição das riquezas brasileiras, de permitir que a sociedade em geral aufira as riquezas do nosso território, do nosso subsolo, do petróleo.

Considero que é fundamental o governo brasileiro deter a gestão dos recursos energéticos nacionais. A energia é fundamental para o desenvolvimento econômico. Não há país importante no mundo que não tenha uma base energética sólida e concreta. Portanto, é fundamental que o governo brasileiro detenha em seus limites de decisão - autônomo e soberano de acordo com os verdadeiros interesses do povo brasileiro – o poder de dispor desses recursos, com vista ao planejamento energético.

HP- É possível ao governo dispor desses recursos com a atual legislação?
ESTRELLA - Hoje, pela Constituição Federal, o subsolo pertence à União, portanto as reservas petrolíferas pertencem à União, mas a União não tem propriedade sobre o petróleo produzido. Na legislação atual o petróleo é de propriedade de quem o produz – é o regime de concessão. Isso, em se tratando da região do pré-sal, tem que ser modificado. O governo, a União, tem que ser proprietária do petróleo produzido.

Nós temos duas alternativas: uma é que a União tenha a titularidade do petróleo. É a chamada participação na produção simples: a empresa ganha uma licitação para produzir petróleo numa determinada área. No pré-sal, não há mais o risco exploratório, são áreas para a produção, não mais para a exploração. No modelo de partilha de produção simples, as empresas vão ganhar as áreas para produzir na base da partição entre a propriedade destas empresas do óleo e a titularidade da União. Elas podem produzir quanto quiserem, e o petróleo pertencente à União tem a titularidade da União. Neste modelo, a União não tem poder de regular e de determinar quanto vai ser produzido, como vai ser produzido, e onde.
Na minha opinião, a União deve deter a propriedade desse petróleo. Pode até ser um modelo de partilha da produção, mas concedendo à União a propriedade, não só a titularidade, mas a propriedade do óleo produzido. Seja na partilha da produção ou no contrato de serviço - o modelo a ser adotado é secundário, é até uma decorrência dessa premissa básica da União ser proprietária do petróleo. Isso vai permitir ao governo, de maneira soberana e autônoma, fazer um planejamento a longo prazo da produção – na que vai certamente abastecer o mercado nacional e na que vai ser exportada.

HP - E sobre a criação de uma nova empresa estatal para o pré-sal. Isso esvaziaria a Petrobrás?
ESTRELLA - Há exemplos de governos que possuem essas empresas dentro de sua área de atuação, e têm, também, outras, de controle estatal, como a Petrobrás. São exemplos absolutamente exitosos. Naturalmente, uma empresa sob controle estatal, mas com grande participação privada dentre seus acionistas, impõe certas condições que diferem de uma gestão direta estatal numa empresa pública. São interesses diferentes que convivem. Mas há exemplos mundiais em que convivem perfeitamente uma empresa absolutamente estatal, 100% estatal, e uma empresa em que o governo detém o controle acionário, como acionista majoritário, mas que também tem interesses privados, de Bolsa, interferindo na gestão. A aplicação de modelos depende das peculiaridades dos países em que o modelo é aplicado. Eu trabalhei na Braspetro, na Petrobrás internacional, e me perguntavam: você não é a favor do monopólio estatal do petróleo? Como é que está trabalhando na Petrobrás em outro país? Há uma aparente incoerência. Eu respondia: não há. Porque cada país sabe dos seus interesses, tem as suas peculiaridades. Eu não posso ensinar, eu não tenho direito de ensinar a outros países o que é melhor para suas sociedades. Para o Brasil eu sempre disse, e digo ainda hoje, que o monopólio estatal do petróleo é a melhor solução. Não deveria ter sido mudado, na minha opinião como cidadão brasileiro. Mas, para as peculiaridades brasileiras de hoje, a sociedade tem que discutir qual é o modelo melhor. Se é o maior fortalecimento da Petrobrás, se é a criação de uma empresa pública que vai também atuar neste assunto. Não tenho ainda uma posição definida. Ainda que possa haver opiniões de um lado e de outro, a solução vai vir desta discussão.

HP - O governo poderia aumentar sua participação acionária dentro da Petrobrás, a partir da descoberta do pré-sal?

ESTRELLA - É uma possibilidade concreta e muito interessante. A grande maioria das empresas nacionais de petróleo controladas pelo Estado têm uma participação acionária estatal muito mais elevada do que a Petrobrás. Uma elevação, um aumento da participação do governo no conjunto das ações da Companhia é muito interessante. É uma empresa que tem um portfólio de projetos que garantem o seu futuro a longo prazo. Além de dar ao governo uma condição acionária mais confortável em termos de gestão da empresa, a União também iria auferir melhores e maiores resultados, maior participação nos resultados da companhia. Por suas políticas de distribuição de renda, terá mais condições de investir no país a partir desse maior ingresso de recursos decorrente da maior participação na companhia.
Todas essas coisas formam um conjunto de iniciativas e alternativas que tem de ser pensado. Não podemos nos fechar a um movimento de internacionalização e globalização que está em curso. Eu sou favorável a uma inserção soberana, para citar o Brizola. O grande interesse brasileiro é participar das soluções para o planeta inteiro.

HP - Em relação ao pré-sal que já está sendo perfurado, o senhor falou na formação de um cluster, de uma unitização, um pólo. Como está sendo pensado isto? [NOTA: A “unitização”, prevista no artigo 27 da atual Lei do Petróleo, significa que quando uma jazida - como é o caso do pré-sal - se estende por mais de um bloco contíguo, pertencentes a concessionários diferentes, as atividades de desenvolvimento e de produção devem ser realizadas conjuntamente pelas empresas concessionárias].

ESTRELLA - Os resultados que nós temos obtido indicam que há uma grande probabilidade das descobertas que realizamos, junto com os sócios, extrapolarem os limites dos nossos blocos de concessão exploratório. Isso faz com que nessa área do pólo pré-sal, que antigamente a gente chamava de cluster, na Bacia de Campos, provavelmente em muitos locais, nós teremos que unitizar com a União. Esta é a novidade. Unitizar com a União e com outros blocos em que nós somos operadores, mas com outros parceiros. A lei do petróleo diz que a União pode participar como componente da unitização de vários blocos. É uma experiência nova para nós, mas que eu considero inescapável. Vamos ter que sentar à mesa com as outras empresas que compõem os nossos consórcios – só em um bloco nós não somos operadores, que é o bloco da Esso – e com a União, que é proprietária das áreas entre os blocos.

HP - Durante este período, até uma nova lei do petróleo, as licitações de blocos em áreas petrolíferas continuarão, ou isso não é prudente?

ESTRELLA - Nós estamos num processo de mudança que pode ser decisivo para o planejamento energético nacional. Nessa situação, o melhor é darmos uma parada no processo que está hoje em vigor, mas que reflete condições do passado, completamente diferentes das atuais. As condições de contorno do problema mudaram radicalmente. Portanto, há riscos se nós mantivermos esse processo em andamento tal como está. O principal risco está na realização de novas licitações com respeito ao pré-sal. No restante, não, nas outras regiões do país as licitações podem continuar. Mas, com respeito ao pré-sal, nós temos que dar uma parada, discutir com a sociedade, ver qual o novo marco legal que vai reger e organizar esta área.

HP - Como será o impacto industrial deste processo, já que estamos multiplicando por várias vezes a produção?
ESTRELLA - Talvez este seja o ponto principal, depois de estabelecidas aquelas premissas básicas de considerar o petróleo como um bem estratégico nacional e dar ao governo as ferramentas de propriedade do óleo para poder decidir e realizar um planejamento energético nacional. Boa parte da fabricação do projeto, concepção, instalação desses novos sistemas de produção ainda é importada. E nesta importação existe muito de tecnologia. A tecnologia é um quesito que individualmente não é muito caro, não é o preponderante do ponto de vista financeiro, mas ela governa e decide o futuro. Existe uma coisa importantíssima inserida na tecnologia, que é a inteligência, a competência de criar novos conhecimentos. Temos de aproveitar o pré-sal, onde a escala dos investimentos é gigantesca, a quantidade de equipamentos é extremamente grande, para que aquela parte tecnológica que ainda não está nacionalizada nos nossos projetos atuais seja efetivamente nacionalizada com a inteligência brasileira, com a universidade brasileira, com a participação brasileira no desenvolvimento tecnológico. Essa é a grande oportunidade do pré-sal. Iniciamos com o conteúdo nacional para gerar emprego, que é uma dívida social que temos com a sociedade brasileira, mas agora configura-se a segunda etapa. Geramos emprego, mas também vamos gerar conhecimento, tecnologia, inteligência neste conteúdo nacional, de maneira que, fazendo um prognóstico de 10 ou 15 anos, nós tenhamos as coisas fabricadas no Brasil, com inteligência brasileira, com desenvolvimento tecnológico brasileiro, e competindo internacionalmente. A soberania não é só na produção de bens primários, o que também é importante, mas também na produção de bens com alto valor tecnológico agregado.

HP - O senhor poderia dar exemplos de áreas em que isto ocorrerá?
ESTRELLA - Por exemplo, barcos de apoio. Nós acabamos de lançar um programa de mais de cem barcos de apoio. Esses barcos de apoio são projetados no exterior. Os motores vêm do exterior, as partes mais tecnologicamente elaboradas são projetadas do exterior, o sistema de posicionamento dinâmico são projetados e a maior parte construídos no exterior. Não é possível nós recebermos o 146º barco com projeto no exterior. Quando vem o projeto do exterior, até as escotilhas e maçanetas são projetadas no exterior. É inaceitável. Nós temos que chegar a um barco projetado no Brasil, construído no Brasil, com inteligência brasileira para suprir nossas necessidades. Nós temos que inserir o projeto da engenharia nacional no pré-sal. Quando a gente fala de engenharia é, lato sensu, não só o engenheiro - é o geólogo, o geofísico e todas as ciências correlatas. É inserir a inteligência brasileira num grande projeto de melhoria e elevação da nossa competência como sociedade geradora de tecnologia.

HP - Então, o pré-sal pode ser a grande alavanca do desenvolvimento?
ESTRELLA - O pré-sal tem que ser a grande alavanca. Governo, sociedade brasileira como um todo, políticos, empresários brasileiros envolvidos nisso. Essa é a grande oportunidade do Brasil, de efetivamente nos alçarmos a um país com a importância que nós temos: um país deste tamanho, um povo espetacular, criativo, como o que nós temos.

HP - A parceria com a Nuclep na construção de plataformas é um exemplo para desenvolvermos esta inteligência?
ESTRELLA - Nuclep é um exemplo da competência brasileira na engenharia de projeto e construção de grandes estruturas. Estou procurando o Ministério de Ciência e Tecnologia para montarmos um grande projeto de desenvolvimento tecnológico nacional baseado no pré-sal. Entrarão a Nuclep, as universidades brasileiras, os centros de pesquisa. Não será aceitável que com essa riqueza toda nós venhamos a produzi-la sem a inteligência brasileira.

O país está com uma grande oportunidade de, afinal, levantar o gigante adormecido e se fazer presente, de uma forma pacífica, não preconceituosa, solidária, que marca a característica do povo brasileiro. Esta é a grande contribuição que podemos dar à humanidade. Um país pujante, ensolarado, com um povo que ama a vida, mas também tecnologicamente avançado, com criação de conhecimentos. Temos intolerâncias, mas em menor nível que outros países. Somos um povo solidário, trabalhador. Acho que o Brasil tem as condições para dar uma grande contribuição.

O impacto da crise dos EUA no Brasil: como enfrentar

O impacto da crise dos EUA no Brasil: como enfrentar–1

NILSON ARAÚJO DE SOUZA*

Depois de iniciada, no segundo semestre de 2007, a crise financeira nos EUA, detonada pela implosão da bolha do mercado hipoteco-imobiliária, deflagrou-se, a nível internacional, o debate sobre seu impacto nos chamados países emergentes, dentre eles o Brasil. Um momento importante desse debate ocorreu por ocasião do Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos, na Suíça, em janeiro de 2008.

Três posições vêm sendo postuladas a partir de então. A primeira “tese” é a de que haveria um “descolamento” da economia dos países emergentes em relação às turbulências na economia estadunidense. Nessa visão, esses países sofreriam um impacto pequeno à medida em que estão mais preparados para enfrentar crises internacionais. Isto porque contariam com grandes volumes de reservas cambiais, um forte superávit na balança comercial; além disso, sua dinâmica econômica interna vem sendo fortemente influenciada pelo crescimento da demanda interna.

Essa posição foi defendida em Davos pelo ex-vice-presidente do Banco Mundial e Prêmio Nobel de Economia, Joseph Stiglitz. Segundo ele, “o Brasil é um dos poucos países que terá um pouco mais de facilidade para atravessar a tempestade” (Cit. In Dantas, Fernando. “Brasil é visto com otimismo e cautela”. O Estado de S.Paulo, 24.01.2008, p. B5).

Aqui no Brasil, ela é representada principalmente pelos principais membros da equipe econômica, sobretudo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Ainda que tenham se concentrado na questão brasileira, é possível situá-los entre aqueles que vêm postulando o “descolamento” do conjunto dos países emergentes, já que os principais deles se encontram em situação semelhante à do Brasil.

Segundo Meirelles, “Hoje em dia, vivemos num regime de câmbio flutuante, não mais de câmbio fixo, e temos reservas (em moeda forte) muito elevadas. Esta combinação de fatores positivos na área externa é extremamente vigorosa. Hoje, o saldo das contas externas brasileiras deixa claro que, mesmo numa situação de catástrofe internacional, teremos uma capacidade de resistência muito longa, suficiente para que o câmbio flutuante possa fazer os ajustes necessários sem pânico. Além disso, houve um ajuste interno. Hoje, temos a dívida pública líquida total que representa um percentual cadente do PIB. Temos também um Banco Central que tem dado provas sistemáticas de seu compromisso com o regime de metas inflacionárias. É isso que faz com que a economia esteja estabilizada. Pela primeira vez no Brasil estamos colhendo o que chamo de ‘os dividendos da estabilidade’. Durante muitos anos, só tivemos o custo da estabilização, mas a estabilidade nunca chegava” (Meirelles, Henrique. Entrevista à revista Época, 11.02.2008).

A segunda “tese” postula que, ao contrário, os países emergentes serão afetados pela crise. Em Davos, um dos principais defensores dessa posição foi o ex-secretário do Tesouro dos EUA, Lawrence Summers: “O Brasil está numa posição muito melhor do que quando tivemos dificuldades econômicas no passado, mas acho que qualquer um que confie totalmente na tese do descolamento está fazendo uma aposta arriscada” (Cit. in Dantas, cit.). 

“DESCOLAMENTO”

No Brasil, entre os que defendem essa posição está o ex-diretor do Banco Central, Alkimar Moura. Diz ele: “não existe descolamento no mercado. A queda nas Bolsas reflete isso. Se o problema americano for suave, aí estamos relativamente protegidos. Se for maior, tem efeitos diretos e indiretos como queda nas exportações” (Apud Sciarretta, Toni. “Economistas colocam em xeque tese de ‘descola-mento’”. Folha de S.Paulo, 19.01.2008, p. B5).

Posição semelhante, ainda que por razões diferentes, é defendida pelo atual representante brasileiro na diretoria do FMI, Paulo Nogueira Batista Jr. Segundo ele, “ninguém imagina, é claro, que o nosso país ficará imune à crise, especialmente se ela for longa e profunda” (Batista Jr., Paulo Nogueira. “Reforçar as defesas externas”. Folha de S.Paulo, 31.01.2008, p. B2).

O impacto, segundo Moura, se refletiria, sobretudo, na queda das exportações; já Batista Jr. concentra sua análise nos “pontos de vulnerabilidade”, expressos, principalmente, no significativo volume de recursos especulativos dentro do país.

A terceira “tese” defende a posição de que, ao contrário do “deslocamento”, o que estaria havendo seria o “recolamento”. Na sua formulação original, em lugar de serem afetados pela crise nos EUA, os países emergentes é que iriam puxar as grandes economias. Foi apresentada em nível internacional pelo Banco Mundial, para o qual o forte crescimento econômico dos países emergentes poderia impedir uma maior desaceleração da economia mundial (Bird. “Perspectivas econômicas globais 2008”).

Essa posição foi defendida no Brasil pelo ex-presidente do BNDES e ex-ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros. Usando, figurativamente, a “teoria dos dominós” e partindo da constatação de que os países emergentes (liderados pela China) vêm contribuindo com um percentual maior no crescimento mundial e tendem a aumentar esse diferencial em 2008, conclui Barros que a economia dos emergentes poderia ajudar a alavancar a economia mundial (Barros, Luiz Carlos Mendonça de. “Papel crepom ou aço?”. Folha de São Paulo, 08.02.2008, p. B2).

Consideramos que, contraditoriamente, cada uma dessas postulações tem alguma coisa de verdade. Mesmo que tenham sido formuladas para analisar o impacto da crise estadunidense no conjunto dos países em desenvolvimento, elas têm sido aplicadas ao caso brasileiro. Para examinar essa situação, consideremos dois cenários: um de curto prazo e outro de médio/longo prazo. No cenário de curto prazo, devemos examinar o impacto da turbulência financeira deflagrada nos EUA sobre a situação financeira do país; no médio/longo prazo, examina-se o impacto tanto da turbulência financeira quanto da desaceleração (dela derivada) da economia estadunidense sobre a balança comercial e a atividade econômica no Brasil.

Comecemos pelo primeiro cenário. Consideramos corretas as alegações de que o Brasil está mais imune ao impacto de crises financeiras internacionais. Três fatores possibilitam ao país defender-se melhor de uma eventual contaminação financeira da crise externa, a saber:

a) a existência de um elevado volume de reservas cambiais que, em 20 de fevereiro de 2008, atingiu o montante de US$ 188,2 bilhões (Fonte: BCB. Disponível em: www.bcb.gov.br. Acesso em: 21.02.2008);

b) a existência de um saldo positivo na balança comercial que, no período 2005-07, esteve, em média, em torno de US$ 43 bilhões anuais (Ibid.);

c) o fato de que, em janeiro de 2008, conforme anúncio do BC, o país se tornou um credor líquido externo, já que as reservas internacionais – que são aplicadas no exterior - superaram a dívida externa em US$ 4 bilhões (Ibid.).

Essa contaminação poderia provir de duas fontes: a) os gestores dos grandes bancos e fundos financeiros internacionais poderiam, para fazer em face de prejuízos sofridos com a desvalorização de seus ativos financeiros (US$ 5,2 trilhões apenas no mês de janeiro de 2008), tentar retirar recursos aplicados em países em desenvolvimento, como o Brasil, provocando uma fuga de capitais e de reservas e, em conseqüência, uma desvalorização descontrolada das nossas moedas; b) esses mesmos gestores poderiam, igualmente, realizar ataques especulativos a determinados países em desenvolvimento, retirando deles seus capitais, a fim de forçar seus bancos centrais a elevar as taxas de juros.

TURBULÊNCIA

No Brasil, desde que a crise estadunidense inaugurou-se no segundo semestre de 2007, tem havido uma ou outra turbulência na bolsa de valores (com destaque para o mês de janeiro de 2008, quando houve uma queda de 6,88% ao longo do mês - Cf. “Bolsa de SP deve reabrir com queda”. Folha de S.Paulo, 06.02.2008, p. B1 -, mas, no dia 20 de fevereiro, a bolsa já havia recuperado essa perda, enquanto o Dow Jones dos EUA permanecia com uma perda de 12% no ano), mas, até agora, não se registrou qualquer fuga de capitais. Ao contrário, nossas reservas aumentaram nesse período: entre o fim de outubro de 2007, quando a situação se agravou a nível mundial, e o fim de janeiro de 2008, nossas reservas cresceram quase US$ 20 bilhões, de US$ 167,8 bilhões para US$ 187,5 bilhões (Fonte: BCB. Disponível em: www.bcb.gov.br. Acesso em: 19.02.2008). No mês de janeiro, apesar de ter havido uma certa fuga de capital estrangeiro da bolsa de valores (R$ 4,85 bilhões. Cf. “Bolsa de SP...”), as reservas aumentaram em US$ 7,2 bilhões (fonte: BCB), revelando que, mesmo tendo saído da bolsa, os capitais não se evadiram do país. 

Mas, isso não significa que estejamos imunes a um eventual ataque especulativo ou à saída de capitais para cobrir prejuízos dos bancos e fundos nos países centrais. Só significa que o país está com mais “bala na agulha” para enfrentar uma situação como essa. Segundo Meirelles, “hoje, o saldo das contas externas brasileiras deixa claro que, mesmo numa situação de catástrofe internacional, teremos uma capacidade de resistência muito longa, suficiente para que o câmbio flutuante possa fazer os ajustes necessários sem pânico” (Cf. revista Época, cit.).

O presidente do BC tem razão ao afirmar que, “mesmo numa situação de catástrofe internacional, teremos uma capacidade de resistência muito longa”. O problema é que, para ele, o “ajuste” será promovido pelo “câmbio flutuante”, ou seja, pela ação dos especuladores internacionais sobre o comportamento da nossa taxa de câmbio. Ora, se houver uma fuga em massa de capitais, poderá haver uma rápida, forte e atabalhoada desvalorização do real. É óbvio que o real está muito valorizado e começa a prejudicar as exportações e a acelerar as importações, mas em nada ajuda a economia brasileira uma desvalorização muito rápida, forte e atabalhoada, pois isso poderia trazer a inflação de volta. Além disso, a tendência do próprio Meirelles, num quadro como esse, seria voltar a elevar a taxa de juros e o superávit primário para desestimular a saída de capitais e tentar bloquear o retorno da inflação. Esse tipo de “ajuste” significaria, na prática, torpedear o processo em curso de retomada do crescimento da economia.

E possibilidade de uma fuga em massa de capitais existe, ainda que não seja a tendência principal. Há um fato que tem sido pouco divulgado e que foi trazido à baila pelo economista Paulo Nogueira Batista Jr. no artigo anteriormente citado. Diz ele o seguinte: “em dezembro último, a dívida externa de curto prazo por vencimento residual chegou a US$ 64 bilhões. O estoque de investimentos de portfólio de não-residentes (basicamente ações e títulos de renda fixa) alcançou US$ 204 bilhões. O passivo externo de curto totalizava, portanto, algo como US$ 270 bilhões em fins de 2007” (Batista Jr, op cit.).

Ou seja, ainda que, em termos de dívida externa, como assinalamos anteriormente, o país seja credor líquido, a situação financeira externa do país não está equacionada, pois existe muito mais capital especulativo de não-residentes dentro do país do que reservas cambiais (US$ 270 bilhões contra US$ 188 bilhões). Isso significa que uma fuga em massa de capitais poderia fazer evaporar as reservas, como ocorreu em 1998. Diante dessa circunstância, não basta esperar que o câmbio flutuante promova o ajuste. Caso venha a se manifestar essa ameaça de fuga de capitais, o governo teria que estar preparado para bloqueá-la a fim de proteger nossas reservas. Para isso, alguma forma de controle do movimento de capitais especulativos teria que ser implementada. Um dos instrumentos seria a centralização do câmbio no Banco Central. Caberia, também, diversificar a aplicação das reservas no exterior, já que está muita concentrada em títulos dos EUA, ou seja, do país que é o epicentro da crise.

*Economista, professor e membro do Secretariado  Nacional do MR8

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NILSON ARAÚJO DE SOUZA*

No cenário de médio/longo prazo, colocam-se duas questões: 1) se a crise internacional se agravar e vier a ocorrer uma fuga de capitais, que efeito isso teria sobre a atividade econômica interna?; 2) se a forte desaceleração da economia dos EUA se transformar em recessão, que efeito isso teria sobre a balança comercial e a atividade econômica no Brasil?

Com relação ao primeiro caso, depende da reação do governo brasileiro. Se a decisão for a de deixar o câmbio flutuante promover o “ajuste”, coadjuvado por juros e superávits primários elevados, o resultado será a desaceleração da economia, conspirando contra a reativação que ela tem experimentado no período recente, além de reacender a chama inflacionária. Isso porque, como vimos, uma desvalorização descontrolada da moeda poderia pressionar os preços para cima, enquanto os juros elevados e a queda dos investimentos públicos ou a elevação dos tributos (como forma de aumentar o superávit primário), ao retirar dinheiro de circulação, desanimam a atividade produtiva, tanto privada quanto pública.

Como assinala o economista Francisco Eduardo Pires de Souza, membro do Grupo de Conjuntura de UFRJ: “O risco maior ocorreria se a crise afetasse os fluxos de capital para o Brasil de tal modo que levasse o Banco Central a subir os juros” (Cit. In “Impacto da crise é limitado, diz especialista”. Folha de S.Paulo, 18.01.2008, p. B3). No entanto, se, em lugar de deixar o câmbio flutuar livremente e de elevar os juros e o superávit primário, o governo optar por proteger nossas reservas cambiais mediante alguma forma de controle de capitais, os juros e o superávit primário podem ser reduzidos, estimulando, assim, a atividade produtiva.

Quanto ao possível impacto de uma recessão nos EUA sobre a balança comercial e atividade econômica no Brasil, cabe registrar, em primeiro lugar, que, também neste aspecto, a economia brasileira está mais preparada do que nas crises que ocorreram nos anos de 1990. Um aspecto decisivo é o fato de que os EUA já não têm o peso na economia mundial de antes. Segundo cálculos do FMI, com base no PIB medido por Paridade do Poder de Compra, a participação dos EUA na economia mundial, em 2006, era de 19,7%, vindo a China em segundo lugar, com 15,1% (Canzian, Fernando. “Crise pega Brasil e o mundo mais ricos”. Folha de S.Paulo, 27.01.2008, p. B3). Ou seja, já não se pode afirmar que, ao crescer, a economia dos EUA automaticamente alavancaria as demais economias e que, ao declinar, levaria de roldão essas economias.

Além disso, houve mudanças na economia brasileira que a tornaram menos dependente da dinâmica da economia dos EUA. Destacam-se duas a seguir:

- em primeiro lugar, houve uma forte diversificação das nossas exportações. Na década de 1990, por ocasião das turbulências internacionais, a participação dos EUA na pauta de exportação brasileira chegou a superar os 30%; em 2007, não passava de 17% (Fonte: MDIC. Disponível em: www.desenvolvimento.gov.br. Acesso em: 20.02.2008). Se formos considerar por categoria de uso, os EUA participam com 20,44% das nossas exportações de bens de capital (os países da América Latina entram com 40,47%), 11,18% das exportações de bens de consumo (a América Latina, 24,65%) e 14,99% das matérias primas e bens intermediários (atrás da União Européia, da Ásia e da América Latina) (MDIC. “Exportação brasileira – blocos econômicos por categoria de uso”. Disponível em: www.desenvolvimento.gov.br. Acesso em: 20.02.2008).

- apesar da forte contribuição das exportações para o dinamismo recente da economia brasileira, o mercado interno, depois de anos de achatamento, vem evoluindo positivamente desde 2004: o volume de vendas no comércio varejista cresceu 6,2% em 2006 e 9,6% em 2007 (IBGE. “Em 2007, vendas no varejo cresceram 9,9% e a receita nominal, 14,1%”. Disponível em: www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias. Acesso em: 20.02.2008).

Isso significa duas coisas: a) que a economia brasileira, para seguir exportando e se expandindo, depende menos do mercado estadunidense; b) que, graças à expansão do mercado interno, depende menos das exportações do que antes para manter o crescimento.

No entanto, aqui também há alguns elementos de vulnerabilidade:

a) os principais importadores do Brasil  - União Européia, China e América Latina – dependem, em certa medida, de suas exportações para o mercado estadunidense; isso significa que, com a desaceleração econômica ou recessão nos EUA, eles tendem a diminuir suas exportações, contraindo, em conseqüência, suas importações oriundas do Brasil;

b) as importações brasileiras vem crescendo a um ritmo muito superior ao das exportações (em 2007, 32,04% contra 16,58%. Fonte MDIC. Disponível em: www.desenvolvimento.gov.br. Acesso em: 20.02.2008), devido, principalmente, à forte valorização da nossa moeda: o dólar baixou de R$ 3,50 em dezembro de 2002 para R$ 1,80 em dezembro de 2007;

c) esse “desequilíbrio dinâmico” está deteriorando o saldo positivo na balança comercial: caiu de US$ 46 bilhões em 2006 para US$ 40 bilhões em 2007 (Fonte. BCB. Disponível em: www.bcb.gov.br. Acesso em: 20.02.2008); a prosseguir a tendência verificada em 2007, em 2008 esse saldo pode cair para US$ 27 bilhões; esse é o cenário otimista previsto pela Fundação Centro de Comércio Exterior (Rehder, Marcelo. “Exportação menor afeta o PIB”. O Estado de S.Paulo, 05.02.2008, p. B3), mas a FIESP, num cenário menos otimista, em que as exportações só cresceriam 5%, estima um superávit de US$ 24 bilhões (Ibid.); com essa tendência, em algum momento no futuro, poderemos voltar aos déficits comerciais que tantos problemas trouxeram para o país na década de 1990;

d) com a queda do superávit comercial, o próprio BCB já estima que, em 2008, o saldo comercial não será suficiente para cobrir o déficit da balança de serviços (juros, lucros, royalties, etc.), voltando o país a ter déficit na balança de transações correntes, fazendo-o voltar a depender da entrada de capitais externos para fechar seu Balanço de Pagamentos;

e) ainda que o dinamismo recente da economia brasileira venha sendo puxado pela expansão do mercado interno, as exportações têm um peso importante na nossa economia: representaram em 2007 de 12% a 15% do PIB, a depender da forma de medição deste; caso se concretize a estimativa da FIESP para o crescimento das exportações em 2008 (5% contra os 16% de 2007), isso significaria, segundo a entidade, uma perda de 2 pontos percentuais na expansão do PIB (Rehder, Marcelo. “Exportação menor afeta o PIB”. O Estado de S.Paulo, 05.02.2008, p. B3).

f) depois de quatro anos de saldos positivos na balança comercial de produtos manufaturados, o ano de 2007 assinalou o retorno do déficit nessa balança (ver tabela abaixo); assim, o superávit comercial que temos obtido depende da balança de produtos básicos (as chamadas “commodities”), cuja perfomance decorre não tanto do aumento da quantidade exportada, mas da melhoria dos preços internacionais, de modo que nosso saldo positivo na balança comercial está na dependência de um fator (preços dos produtos básicos) altamente sujeito a perturbações no mercado internacional.

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Isso significa que uma eventual queda das exportações, derivada da contração da economia estadunidense, poderá afetar a nossa balança comercial, aumentando as perspectivas de queda do superávit comercial, e repercutir negativamente, ainda que em grau menor, na atividade econômica interna, à medida que, vendendo menos no exterior, as empresas passariam a produzir menos. Isso não significaria necessariamente a queda da produção interna, isto é, um processo recessivo, mas se poderia perder, a depender da dimensão da retração das exportações, alguns pontos na taxa de crescimento do PIB, comprometendo a meta de crescimento de 5% ao ano lançada pelo Programa de Aceleração de Crescimento. 

Para enfrentar essas vulnerabilidades, o país deveria – como fez em 1930 e em 1974 – aproveitar a crise para transformar sua economia de modo a aumentar seu “grau de endogeneidade”, isto é, de forma a fazer sua dinâmica depender cada vez mais de fatores internos, que estão sob controle nacional. Nesse sentido, cabe registrar a importância do Programa de Aceleração do Crescimento como instrumento destinado a incrementar a infra-estrutura física (transporte e energia) e social (saneamento básico e habitação) do País, mas torna-se necessária adoção de medidas de política industrial que favoreçam o avanço da industrialização. Urge, portanto, concluir a discussão que está sendo feita dentro do governo sobre uma política industrial, discussão que, de alguma forma, foi retardada em face da rejeição da CPMF pelo Senado Federal. A formulação dessa política terá que levar em consideração os possíveis impactos da crise internacional sobre a economia brasileira.   

Assim, para compensar eventuais problemas que podem afetar nossas exportações e dessa forma prejudicar a atividade econômica, seria recomendável criar mecanismos para dinamizar mais ainda o mercado interno, tais como a aceleração da recuperação do salário mínimo, a derrubada da taxa de juros e a redução do superávit primário (como forma de injetar mais dinheiro em circulação).

Por outro lado, para contornar a deterioração da balança comercial, um caminho seria adotar ações que pudessem conter o forte crescimento das importações. Isso implicaria em selecionar os produtos que estão pressionando a balança comercial e adotar mecanismos que estimulassem sua produção interna, tais como elevar suas alíquotas de importação e conceder-lhes isenções fiscais e créditos baratos pelo BNDES. Não descartar investimentos públicos nessa área.

Um estudo dos dois últimos anos (2006 e 2007) da nossa balança comercial indica que produtos são esses: matérias primas e produtos intermediários para a indústria farmacêutica; partes e peças para bens de capital para a indústria e para automóveis, aviões, navios, etc.; acessórios de equipamentos de transporte; maquinaria industrial; matérias primas para a agropecuária; máquinas e aparelhos de escritórios e serviço científico; veículos automóveis de passageiros; produtos alimentícios, produtos farmacêuticos.

O país já possui capacidade produtiva para muitos desses produtos. No entanto, a indústria local sofre a concorrência predatória dos produtos que vêm de fora, favorecidos pelo real valorizado e pelos juros elevados dentro do país. Para outros produtos, teria que instalar essa capacidade produtiva. Teria que se estudar cada caso e verificar o instrumento mais adequado. Seria o PAC da Indústria, assim como já foi feito o PAC da Educação e outros PACs.

*Economista, professor e membro do Secretariado Nacional do Movimento Revolucionário Oito de Outubro - MR8